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A cena preferida e a mensagem do filme: delineando sutis diferenças

4.3 Os dilemas e a moral da história sob o ponto de vista das crianças

4.3.4 A cena preferida e a mensagem do filme: delineando sutis diferenças

Muitas crianças demonstravam torcer para que o ratinho conseguisse realizar seus anseios pessoais (não obrigatoriamente avaliando como mais importante que a obediência ou a comunicação de seus objetivos aos pais). Quando questionado qual foi a parte que Alex (9 anos) mais gostou, ele responde que foi o fim da história “porque ele [Rémy] conseguiu

realizar o sonho dele”. Ana (7 anos) diz que a parte preferida foi “quando o rato começou a cozinhar”. Ao informar sobre a mensagem do filme, isso é relatado de forma atrelada a essa

realização pessoal. Élida (7 anos) sugere em tom de pergunta – talvez buscando uma confirmação da pesquisadora – a mensagem principal no filme: “Que você deve correr atrás

do que você quer?” Essa também foi a principal mensagem ressaltada pelos pais das crianças

ao avaliarem o ensinamento do filme.

Ainda no sentido de realização pessoal, Ana propõe que a principal mensagem transmitida para as crianças foi:

E - Que mesmo sendo diferente pode, pode conseguir fazer alguma coisa que os outros fazem.

A pesquisadora tenta interpretar a fala da criança e obtém confirmação:

P - Ah, tá, mesmo o rato sendo diferente dos humanos, não é isso, eles podem fazer alguma coisa. Ele, o ratinho, pode fazer o que os outros façam, né? (a criança responde positivamente) Entendi.

A diferença apontada por Ana pode ser interpretada como as dificuldades para conseguir chegar à sua meta. Neste caso, era mais difícil para o ratinho, não sendo um humano e por isso diferente, conseguir atingir seus objetivos. Mas, mesmo sendo difícil e com muitos desafios, deve-se ir em busca de seus sonhos pessoais. Visto por este viés, a mensagem apontada por Ana segue a mesma linha de raciocínio daquelas apresentadas anteriormente, de Alex e de Élida.

Aline (8 anos) ressalta como sendo a parte que mais gostou “na hora que os ratos

ficaram morando em cima e as pessoas em baixo e dividindo comida. E ele fazendo as comidas pras pessoas”. Apesar de também se referir ao desfecho da história, como já

mencionado por outras crianças como parte mais prazerosa do filme, Aline ressalta algo ainda pouco realçado até então: a solidariedade entre os grupos, uma vez que ratos e humanos dividiam comida.

Avaliação complementar é feita por Natália (8 anos), considerando que a família do filme “foi legal, porque eles ajudaram. Quando todo mundo soube a verdade, eles foram lá e

ajudaram ele”. Em conversa com a pesquisadora, esta mesma entrevistada considera que a

mensagem transmitida sobre família:

E - Fala que todo mundo deve ajudar aos outros. P - Hunrum.

E - Cada um ajuda o sonho.

P - Os sonhos da... da outra pessoa da família, né?! E - É.

Para Natália, tanto o que foi legal no filme como a mensagem transmitida sobre família refere-se à solidariedade, neste caso, intragrupal. Na mesma direção que Aline e Natália, Tomás (8 anos) tem como cena preferida a “parte que eles se ajudaram e que o pai

ajudou o filho a ser famoso”. Interessante considerar que as três crianças têm a mesma idade.

Mesmo sem pretensões de generalização, vale notar que nesse conjunto de crianças foram as mais velhas que realçaram a solidariedade como valor associado ao filme. No diálogo com a pesquisadora, Tomás considera que a mensagem de Ratatouille:

E - Diz que a gente tem que respeitar a família, fazer as coisas com bondade, ajudar o pai, a família.

P - Hunrum! Ajudar o pai e a família, né? E - Em tudo! Em tudo!

Tal excerto é coerente com sua definição sobre o que o filme traz sobre família.

E - Que a família é um bom gesto de respeitar e que não se pode negar só porque você venha de outra religião, só porque gosta ou não gosta das coisas que você gosta, do que não gosta. Respeitar. Tem que respeitar, como se fosse um primo.

No decorrer da entrevista, é relatado que a criança tem um primo que está com a perna engessada, andando de muleta, e então Tomás diz: “Mas pelo menos eu fico fazendo

companhia pra ele quase todos os dias.” Embora ele diga que é divertido fazer companhia

para ele, essa atividade é ressaltada com um sentido de solidariedade para com a situação do primo.

Seja no filme ou na vida cotidiana, parece ser um valor bastante forte para o garoto ser solidário, ajudar os outros, característica já levemente apontada no tópico “Tudo depende do

ponto de vista adotado...”. Esse discurso vem em consonância com o que sua mãe, Marta (30

anos), relatou na entrevista: ela tem a preocupação de que Tomás não seja egoísta. O excerto a seguir já foi apresentado no subitem 4.1 deste trabalho, mas agora é realçado porque a estratégia adotada por Marta parece ser eficaz no que diz respeito à incorporação do valor por seu filho.

E - Ações como doar algum brinquedo, a gente sempre faz isso: “Olhe, você ganhou esse brinquedo, você vai doar esse.” [P - Hunrum.] Você vê que ele é bem humano. Se você conversar com ele, assim ele vai, ele é uma pessoa que tem muita... é... o sentimento assim de fazer caridade. Eu trabalho muito isso nele, porque ele é filho único e filho único tem sempre esse tabu de ser egoísta [P – Hunrum.] e isso ele não é. Ele não é porque eu não aceito isso. Então, a gente vai passando pra ele dessa forma.

Houve ainda uma avaliação pontual, de Aline, que considerou a mensagem do filme como tratando de amizade entre personagens de duas espécies diferentes: “[...]o amor entre a

pessoa e o rato. Porque a pessoa gosta do rato e o rato gostou do homem. É uma amizade grande entre eles dois. Mas, com outras pessoas não, é tudo alvoroço: ‘Olha o rato!’.” Tal

mensagem é coerente com o que Élida achou mais legal na história: o ratinho ficar amigo dos outros, provavelmente referindo-se aos humanos.

Por fim, outro dado curioso foi Aline considerar que passar essa história para crianças “é bom, mas só que é um pouco ‘desagressivo’, né?”. Ela argumenta que é agressivo “porque

o pai devia deixar [...]. Isso é agressivo, né?”. Sendo assim, é agressivo o fato de os

responsáveis não permitirem que seus filhos façam algo no sentido de seguirem seus sonhos ou seus sentimentos.

Para os adultos, conforme já apresentado, esta atitude do pai por vezes também foi considerada reprovável. Coerente com a visão de Aline (8 anos), Cláudio (34 anos) considera que a forma como o pai mostrou os perigos da vida para o filho no filme foi brusca e violenta. Ele poderia ter apontado os riscos, mas não de forma a causar medo no filho, intimidando-o. Por outro lado, na opinião de Regina (33 anos), “o pai usou de todos os recursos que estavam

ao seu alcance”, mas não exagerou, avaliando o posicionamento do personagem como

positivo com ressalva. Outros adultos consideraram ainda a atitude do pai como certa na maioria das vezes: devido à sua experiência de vida, ele precisava alertar o filho para os perigos ao se envolver em uma relação entre humanos e ratos.

De forma geral, percebe-se que as crianças se posicionaram sobre os personagens apresentados no filme e sobre a moral da história, escolhendo ainda a parte do filme que mais gostaram. Tais posições apontam para uma postura ativa dos entrevistados ao assistirem a filmes infantis, demonstrando consonância ou dissonância com a opinião dos pais, mas também recriação do que lhe é apresentado. A reprodução interpretativa realizada pelas crianças será tema do próximo item de análise, com outros exemplos a serem discutidos. Por

ora, vale ainda destacar que, usando argumentos diferentes, tantos as menores como as mais velhas, por vezes, criticaram o pai da história – achado interessante, pois se refere ao fato de que nem sempre os responsáveis por crianças estão corretos.