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Reprodução interpretativa do enredo do filme: uma apropriação ativa das crianças

Conforme apontado anteriormente, as crianças participantes desta pesquisa demonstraram grande conhecimento acerca da história do filme escolhido para discussão. Todas já haviam assistido a Ratatouille e, por vezes, relatavam o que iria acontecer em seguida no enredo após a cena que estava sendo apresentada no filme, ou ainda diziam falas literais dos personagens, seja nas entrevistas ou durante a sessão de cinema. O conhecimento literal da fala, com a reprodução inclusive da mesma entonação da voz do personagem, constitui forte indício de que a criança já assistiu à película mais de uma vez – em geral, por diversas vezes –, prática que costuma ser comum na geração de filhos da atualidade. Independentemente do número de exibições, esse conhecimento sobre o filme significa grande apropriação dos entrevistados sobre o recurso utilizado.

Para exemplificar apenas algumas situações, serão apresentados dados de duas crianças entrevistadas: uma com idade pertencente ao início e outra ao final da faixa etária investigada. Rodrigo (6 anos), simulando a recontação da história do filme para um colega da classe, relata que na película quando o irmão de Rémy o levou para casa, seu pai disse: “Meu

filho está de volta!” Em seguida, após o ratinho informar a seu pai que não ficaria e apenas

viria visitar a família, mais uma vez a criança reproduz de forma idêntica à fala do personagem, quando o pai diz: “Venha atrás de mim.”

No caso de Aline (8 anos), a frase “Me surpreenda!”, utilizada pelo personagem Gusteau, o crítico de culinária no filme, foi narrada pela criança. Tal expressão é pouco usual no cotidiano, o que torna ainda mais evidente a apropriação da película. Além do mais, a criança repetiu a expressão tanto durante a sessão de cinema, no momento anterior a esta cena – demonstrando que já havia decorado a fala do personagem antes mesmo de o filme ser exibido para fins de pesquisa – como na entrevista, ao afirmar que a parte que mais gostou na história foi o final quando o Gusteau disse essas palavras, solicitando ao ratinho que cozinhasse algo surpreendente para ele.

Apesar do evidente conhecimento e domínio das crianças sobre o enredo da história, sendo o filme um recurso midiático com inúmeros estímulos, por vezes alguma criança tinha dúvidas sobre detalhes apresentados nele – assim como poderia acontecer com adultos. É

possível também que na idade investigada determinados conhecimentos gerais de cunho social presentes em Ratatouille não fossem compartilhados por algum(uns) dos participantes. Em entrevista, Aline (8 anos) fala explicitamente que não conseguiu captar uma informação exata sobre o local onde o ratinho chegou.

E - [...] tava em Londres, ou era... não sei se era em Londres, eu não escutei direito.

P - Acho que era Paris, não? E - É, eu acho. É Paris. [...]

Outras vezes, não fica tão claro se a criança de fato não conseguiu compreender determinada cena, ou se a modificou para atingir seus propósitos pessoais. Felipe (6 anos), recontando a história, diz que o ratinho Rémy reencontrou a família dele em uma festa, como se esse fato tivesse sido algo ocasional. Contudo, de acordo com o filme, foi o pai de Rémy que decidiu realizar uma festa para comemorar a volta de seu filho para a colônia, sendo a festa, então, motivada pelo reencontro. Não foi possível, entretanto, compreender se Felipe optou intencionalmente por alterar parte do enredo da história ou se de fato percebeu a situação do filme como diferente.

Argumentos sobre a necessidade humana de dar sentido ao mundo e a si mesmo a partir da narração de histórias já vêm sendo desenvolvidos por Bruner (1997) desde 19908. Quando alguma informação não é captada com precisão, espectadores têm a tendência a contrafazer as lacunas – afinal, sempre vão existir, já que não é possível perceber todos os estímulos em um filme –, ainda que de forma não intencional, para dar sentido ao enredo. Outras vezes, mesmo sendo possível relembrar detalhes da cena, crianças, na posição de espectadores, se apropriam criativamente da história, acrescentando elementos da sua microcultura. Sendo intencionais ou não as situações de informações desencontradas entre o enredo do filme e a recontação de um espectador como a de Felipe, a criança age de forma ativa na (re)produção de uma história. O termo reprodução interpretativa, utilizado por Corsaro (2011), já explicitado no capítulo teórico desta dissertação, refere-se à capacidade da criança de apreender informações da cultura e recriá-las, não as absorvendo de forma passiva. Desde muito pequenas, então, as crianças são capazes de interpretar o mundo, reproduzindo

8 Esta obra de Bruner (Atos de significação) foi originalmente publicada em 1990, conforme consta nas referências desta dissertação.

ativamente a realidade sociocultural e os estímulos que lhes são apresentados; o filme seria um deles. Tomás (8 anos), ao recontar a história, ressalta que a família do ratinho era pobre.

E - Aí ele cozinha pra ganhar fama. A família dele era pobre. P - A família do ratinho?

E - Hunrum, a do ratinho. P - Ah!

E - Ele vivia roubando e, e, e o ratinho disse: “Papai eu não gosto de roubar. Por que a gente rouba?” Aí o pai diz: “Nós temos que roubar porque (fala algo que não se compreende).”

No inserto apresentado, aparentemente a avaliação de que a família do ratinho era pobre vem em decorrência do fato de eles roubarem comida. Talvez na compreensão da criança, rouba apenas (ou principalmente) quem não tem condições econômicas para comprar seus bens. Infelizmente não foi possível compreender o final da última frase na fala do garoto, mas pressupõe-se que este disse algo relacionado ao fato de precisar roubar por ser pobre ou por não ter dinheiro para comprar.

Interessante perceber que esses roedores recebem – pela narração da criança – características humanas para além das expostas no enredo do filme. Em coerência com o que foi apresentado na película de que rato pode aprender a ler e a cozinhar, por exemplo, Tomás admite que roubar comida é motivado pela falta de recursos financeiros para comprar, ou seja, ser pobre. Se no filme o grupo de ratos tem diversas características e competências exclusivamente humanas, a criança também interpreta que circunstâncias de determinados comportamentos podem ser similares às humanas: na sua concepção, parece que quem rouba é pobre, pois, tendo dinheiro, não precisaria roubar comida para se alimentar.

No entanto, diferentemente do pensamento de Tomás, o diretor do filme parece apresentar os ratos como aqueles que, por natureza, roubam comida dos humanos, independentemente das condições financeiras para comprar alimento. Aliás, não parece existir diferença de classe social entre os ratos no filme. Para os roedores, não é apresentada outra possibilidade na história para adquirir alimentos, como em uma venda ou mercado. Também não era costume os próprios ratos fazerem sua comida – tanto que gerou espanto na comunidade humana e de roedores o fato de Rémy cozinhar. Sendo assim, a única alternativa apresentada explicitamente na película para saciar a fome dos ratos era roubar comida dos humanos, comportamento grupal que passa a ser questionado pelo protagonista do filme.

Outra apropriação bastante criativa da história é feita por Rodrigo (6 anos). Ele avaliou que o pai era chato porque não deixava seu filho sair de casa. Quando a entrevistadora comenta que depois ele deixa, o garoto faz uma ressalva: somente deixa ir para alguns lugares e roubar comida.

P - Chato ele, é? Por que tu achou ele chato, hein? E - Porque ele não quer deixar ele sair de casa. [...]

P - Mas, aí depois ele deixa, não é?

E - Só deixa ir pra, pra alguns lugares. Só deixa ir roubar, né? P - Só deixa ir roubar e pra alguns lugares, é?

E - É, é. [...]

E - [...] E depois ele deixou ele ir roubar. Depois, se fosse pra casa de novo, e se saísse de casa de novo pra não roubar, aí ele não ia deixar mais.

Interessante que a avaliação do garoto foi de que, apesar de o pai ter feito algumas concessões, ele ainda tinha restrições a locais que o filho poderia frequentar, como em geral é feito com crianças e jovens. Embora a proibição do pai fosse, principalmente, no sentido de companhia – ele não deveria conviver com humanos –, faz sentido a limitação de determinados espaços, conforme a interpretação da criança, já que, segundo as ordens paternas, Rémy não deveria frequentar ambientes dessa outra espécie. De toda forma, Rodrigo parece se apropriar de um costume do seu contexto sociocultural para interpretar o que aconteceu no filme. Cabe ainda comentar que, já que o pai deixava roubar – e na verdade até estimulava a retirada de comida dos humanos –, a criança reinventa aspectos da história de forma coerente com o que é apresentado: se o filho saísse de casa e não fizesse como os outros ratos, que tinham a prática de roubar comida, ele seria proibido de sair de casa novamente por seu pai.

Na continuação da entrevista, essa mesma criança afirma que o ratinho fez coisas escondidas do pai, avaliando tal atitude como positiva, já que o pai não deixava nada. No inserto abaixo, a pesquisadora tenta confirmar esta opinião com a criança e então Rodrigo diz que o pai da história só deixava o filho comer, brincar e dormir.

E - Era. Ele fazer nada, só comer, e brincar e dormir, não era?

Mais uma vez, observa-se que a criança se apropria da realidade social e, criativamente, a transfere para a situação do filme, modificando-a. Durante a película não foi mencionado que o pai permitia ao filho comer, brincar e dormir. Porém, essas três ações parecem ser consideradas básicas pelo entrevistado, já que elas vêm precedidas da palavra “só”. Considerando o contexto maior da entrevista, percebe-se que a criança refere que o pai somente permitia que o filho fizesse essas três coisas porque outras coisas, como sair de casa, ele não deixava.

Outra colocação que merece destaque é quando essa mesma criança, relatando mais detalhadamente os eventos que aconteceram no final da história, no momento em que todo o clã de ratos foi ajudar Rémy a fazer uma sopa no restaurante, disse assim: “[...] levou os

ratos, lavaram as mãos, foram cozinhando todas as coisas.” De fato, em Ratatouille, antes de

os ratos começarem a cozinhar, todos foram colocados em uma máquina para desinfecção. No entanto, na recontação de Rodrigo, os roedores lavaram as mãos, e, em seguida, entraram em contato com os alimentos. Uma prática de higiene comum na nossa cultura, sem dúvidas, é lavar as mãos antes de pegar em alimentos, seja para cozinhá-los ou comê-los. Assim também a equipe de produção do filme parece ter se apropriado dessa ideia de higienização, considerando que todo o corpo dos ratos devia ser desinfectado, já que é um grande transmissor de doenças. A criança que assistiu ao filme provavelmente quis ressaltar uma prática de limpeza comum na sua realidade cultural, pois em geral as pessoas precisam apenas lavar as mãos antes de pegar em comida. Desse modo, empregou a mesma ideia na recontação da história. Fica a dúvida se Rodrigo percebe ou não que, sendo rato, era importante desinfectar todo o animal. De toda maneira, ele aplicou criativamente na situação do filme um costume de sua microcultura.

Outra interpretação das crianças a se considerar sobre os elementos que foram apresentados no filme referiu-se ao momento da história em que o pai do ratinho mostrou-lhe um local repleto de ratoeiras com ratos mortos e caixas de venenos para roedores expostos pelos humanos, com vistas a intimidar seu filho rato a conviver com essa outra espécie. Três das dez crianças entrevistadas comentaram sobre essa cena denominando o lugar como a loja de ratos. Daniela (7 anos) fala: “Aí ele [o pai] mostrou a loja, ah é de veneno de rato.” Natália (8 anos) diz: “Ele [o pai] mostrou ao filho aquela loja que os ratos, mas o filho não

aceitou [...].” Luiz (9 anos) ainda reproduz interpretativamente a mesma cena no diálogo com

E - Queee ele ia mostrar uma loja de venenos pra, pra matar ratos. P - Hunrum.

E - Aí tinha um bocado de ratinho morto.

Provavelmente essa associação deveu-se ao fato de, no filme, os elementos estarem expostos em um grande armário, com várias prateleiras, assemelhando-se à forma como artigos são expostos nas lojas para ser vendidos. Mais uma vez, as crianças criativamente reinterpretam estímulos que lhes são apresentados de acordo com as características da sua realidade social, tornando assim os elementos mais familiares para elas.

Também merece destaque a apropriação ativa de uma criança, Élida (7 anos) – neste caso, a respeito do próprio momento da entrevista. Passado algum tempo de conversa com a pesquisadora, ao perceber que esta sempre a questionava, a garota diz: “Agora eu tenho uma

pergunta pra tu!” Indaga a opinião da adulta a respeito do ratinho. Com este posicionamento,

percebe-se claramente uma subversão da ordem na situação de entrevista: Élida decide por não apenas responder as perguntas da pesquisadora, mas também passa a questioná-la, permanecendo com foco na mesma temática, qual seja, o filme exibido. Com esta ação, a criança ativamente modifica o modelo que estava sendo empregado para realizar a entrevista.

Cabe ainda ressaltar o posicionamento ativo de Aline (8 anos) sobre o filme, julgando- o como um pouco agressivo e por isso não ser interessante crianças menores assistirem a ele. No entanto, a garota avalia que, para crianças da sua idade, tal recurso seria indicado. É o que se pode perceber na conversa abaixo, instigada pela pergunta da pesquisadora sobre ser bom ou não crianças assistirem a Ratatouille.

P - [...] o que é que tu achas, dessa, dessa, das crianças assistirem esse filme? Tu achas que é bom ou não?

E - É bom, mas só que é um pouco “desagressivo”, né? P - Por quê?

E - Porque o pai devia deixar. P - Sim.

E - Isso é agressivo, né? Ooo... Por exemplooo... o menino falar um monte de coisa com ele se ele não fez nada, o rato.

E - Não. Não. Mas, é legal. Mas, mas, pra crianças menores, de um aninho, dois aninhos, não.

P - Acha ruim o filme? E - É.

P - Hanran. Achou melhor pra que idade?

E - Uns oito, uns nove... da minha idade, assim. [P - Hanran.] Uns seis, uns sete...

Pelo inserto, percebe-se que Aline avalia o filme como bom para crianças assistirem, porém, faz uma ressalva, considerando-o inadequado para aquelas de 1-2 anos de idade, já que é um pouco agressivo. Na visão da entrevistada, o filme seria mais apropriado para crianças de 6 a 9 anos, coincidentemente a faixa etária estipulada para a coleta e na qual ela mesma também está inserida.

Interessante o posicionamento da garota de ponderar a exibição da película para crianças, chegando a delimitar idades adequadas ou não para o filme, afinal, via de regra, são os adultos que avaliam dentre os recursos midiáticos o que deve ou não deve ser acompanhado pelas crianças. Sendo a classificação etária definida pela sociedade em geral, os responsáveis têm autonomia para decidirem em qual faixa etária permitir as crianças assistirem a determinada película, seja em domicílio ou em sala de cinema9. Os pais ou responsáveis legais não somente podem optar por permitir seus filhos assistirem com idade inferior à classificação do filme, mas também, estender a faixa etária proibitiva de determinado recurso midiático, ainda que já seja indicada pela sociedade para a idade daquela criança. De qualquer forma, são os adultos responsáveis ou a sociedade que, em geral, regem a apropriação de determinada diversão para uma faixa etária.

Sendo assim, Aline se apropria de uma prática social – definir classificação etária para determinado recurso – e a reproduz interpretativamente propondo uma nova classificação indicativa para Ratatouille e indicando que, apesar de ser livre para algumas crianças mais velhas, aquelas mais novas não deveriam assistir ao filme. Buckingham (2012), investigando crianças de 6-7 e 10-11 anos sobre o que torna um programa televisivo apropriado para elas,

9Atualmente, encontra-se em vigência a Portaria n. 1.100/2006, do Ministério da Justiça, a qual regulamenta o exercício da classificação indicativa de diversões públicas. No seu artigo 18, a Portaria dispõe que “a faixa etária é meramente indicativa aos pais e responsáveis que, no regular exercício de sua responsabilidade, podem decidir sobre o acesso de seus filhos, tutelados ou curatelados, a obras ou espetáculos públicos cuja classificação indicativa seja superior a sua faixa etária”.

BRASIL. Ministério da Justiça. Portaria n. 1.100, de 14 de julho de 2006. Regulamenta o exercício da Classificação Indicativa de diversões públicas. Disponível em: <http://www.dgpj.mj.pt/sections/leis-da- justica/livro-ix-leis-sobre/pdf7307/portaria-1100-2006/>. Acesso em: 30 dez. 2013.

percebe que os argumentos infantis mais fortes foram os negativos: programas com cenas de violência, sexo e palavrões foram explicitados como adequados particularmente para adultos. No caso de Aline, a entrevistada também aponta a violência em Ratatouille como argumento para não ser indicado a crianças mais novas.

Por fim, vale ressaltar que, diferentemente de como Corsaro realizou seus estudos sobre reprodução interpretativa em crianças, partindo da observação de interações com pares de idade e se incluindo na situação, na presente investigação foi proposto outro procedimento metodológico, qual seja, a conversa individual da criança com a pesquisadora. Ainda assim, apesar de estar com um adulto, portanto, numa relação assimétrica em que supostamente ele sabe mais, as crianças demonstraram competência para tornar o conteúdo do filme apresentado em algo mais familiar, por meio de reprodução criativa e interpretativa do enredo. Estes achados corroboram a compreensão de que o ser humano, desde a mais tenra idade, neste caso, particularmente, crianças de 6 a 9 anos, participam ativamente da construção de dar sentidos ao mundo (BRUNER, 1997), sendo capaz de ressignificar elementos que são partilhados com ela.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um filme faz parte de um acervo cultural de um grupo social extenso, criado pela mídia cinematográfica com propósito de diversão, mas não isento de interesses outros, entre os quais, assegurar princípios morais norteadores de uma sociedade, ou transformar modos de pensar a realidade social e lidar com ela. Portanto, além de ser consumido, no sentido econômico do termo, o filme está aí, disponível para ser assistido e comentado. A presente dissertação investigou, sob o mote de um filme de família, valores morais levados em consideração por pais e seus filhos de 6 a 9 anos, sob uma perspectiva intergeracional.

Em sendo um filme de família, pais e filhos, além de se divertirem e usufruírem com seu enredo, puderam se apropriar da história, refletindo sobre relações pessoais, modos de comportamentos, valores e regras morais, papéis e posições assumidos na família, enfim, aprendendo com o filme, mas, principalmente, reconstruindo o enredo a partir de sua própria perspectiva. Enquanto a película tratava de um dilema moral, individualismo versus familismo, vivenciado pelos personagens que protagonizavam o papel de pai e de filho, os participantes da pesquisa foram instados não somente a ocuparem simetricamente suas posições familiares na vida real, mas também, assimetricamente, puderam avaliar a posição de filho ou de pai – e isso tornou o filme Ratatouille um valioso instrumento metodológico, na presente investigação.

Sem dúvidas, é nas relações entre pais e filhos que existe um maior compromisso de instrução moral. Durante a recontação do enredo de Ratatouille, os pais não apenas elaboravam uma síntese da história, mas, foram além dessa tarefa: revelaram que transmitiam valores, segundo eles, imprescindíveis de serem apreendidos na educação familiar, valores que estavam respaldados no filme, mas também outros que se lembravam a propósito do que argumentavam em suas reflexões. Os dados desta pesquisa revelam claramente que os pais e as mães utilizam intencionalmente diferentes estratégias para instruir moralmente seus filhos, como: (a) exigir uma ação específica da criança a fim de que ela perceba, por meio da sua própria conduta, um valor que eles querem transmitir; (b) aproveitar visível motivação da criança para determinada atividade e então introduzir um valor relacionado; (c) expressar verbalmente o que é certo ou errado e trazer argumentos para validar sua opinião (principalmente quando se considera pouca a capacidade do filho em apreender esses valores sem a instrução ativa do adulto); e (d) deixar de realizar alguma atividade para não incentivar valores indesejáveis.

Formas de castigo e punição também foram meios de se transmitir valores e não apenas coagir a criança a realizar ou deixar de realizar determinada ação naquele momento.