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A centralidade da profissionalização na reforma educativa dos anos de 1990

2. Coordenação Pedagógica e identidade docente: sobre a profissionalidade e a autonomia

2.1. Os caminhos da profissionalização docente

2.1.3. A centralidade da profissionalização na reforma educativa dos anos de 1990

Nas duas últimas décadas a profissionalização docente tornou-se uma preocupação mundial e assumiu lugar de destaque na política educacional de inúmeros países. O professor passa a ser alvo da política de regulação educativa e o conceito de profissionalização é recontextualizado.

Shiroma (2003, 2004) e Shiroma e Evangelista (2004) reconhecem a necessidade de se refletir sobre as implicações da profissionalização, como uma política de regulação, sobre a gestão e sobre o trabalho docente. Ao analisar documentos de organismos internacionais para a América Latina e Caribe, as autoras constataram que a presença marcante do conceito era decorrente das relações estabelecidas entre profissionalização, reforma do Estado e desenvolvimento econômico. Constataram ainda que a opção pelo uso deste conceito está ligada à construção de novas identidades e a uma nova cultura profissional dos docentes.17

Como aponta Shiroma (2004), do ponto de vista do senso comum, a ação de profissionalizar associa-se à idéia de capacitar, de ganhar status, de deixar de ser amador. O termo “profissional” refere-se à noção de competência, de credencial, de autoridade

17 Na LDBEN 9394/1996, por exemplo, o conceito de “profissionais da educação” foi instituído legalmente para designar professores e especialistas da educação. A noção de educadores como trabalhadores da educação, tão em voga nos anos de 1980, entre outras, foram descartadas.

legitimada por um conhecimento específico, de autonomia para exercer um ofício, de experiência prática e de altos salários. Como antiga demanda da categoria do magistério, a qualidade da educação é, de certa forma, almejada por todos os segmentos, sejam professores, diretores, sindicatos e políticos.

Contudo, o comprometimento da política de profissionalização vai além da propalada preocupação com a modernização pedagógica, com a melhoria da qualidade de ensino, com a busca e a solução para problemas de ensino-aprendizagem.

(...) a denominada competência docente é instada a extrapolar as fronteiras da sala de aula sem alçar vôo para além dos muros escolares. Nesse processo, de alargamento- restrição das atribuições docentes, verifica-se o fechamento do espectro político do professor que deve se preocupar apenas com o que diz respeito aos resultados de seu ensino e à sua atuação escolar, abstraindo-os das condições político-econômicas que os produzem, embora, contraditoriamente, essas mesmas condições abstraídas sejam chamadas para justificar a reforma de sua formação (SHIROMA e EVANGELISTA, 2004, p. 526).

A política de profissionalização docente, dessa forma, em vez de representar um aprimoramento do magistério, pode levar à proletarização, no que tange à organização do trabalho e ao processo de trabalho, e à desqualificação dos docentes, minando sua autonomia profissional e tornando-os meros técnicos (SHIROMA, 2003).

Nas palavras de Shiroma (2004, p.122),

por parte dos docentes, o apelo à profissionalização constitui uma forma de obter boas condições de trabalho, formação, melhoria salarial, reconhecimento social, ao passo que por parte dos empregadores, ou do Estado – no caso do setor público –, é um recurso para administrar conflitos, forjar consensos, estabelecer meritocracia, salários diferentes, condições essas fundamentais para o gerenciamento do imenso contingente de professores.

É por isso que a reflexão sobre a profissionalização docente também precisa estar articulada às mudanças que ocorrem na gestão educacional, um dos eixos da reforma educativa. Tal eixo visa a transformar os diretores escolares em gerentes executivos e os

professores em técnicos.18 Shiroma afirma que a ênfase da gestão escolar volta-se ao gerencialismo, que prioriza os resultados financeiros até mesmo em uma escola, além de estar estritamente associado ao conceito de profissionalismo no que diz respeito à noção de eficiência, habilidade e competência. O gerencialismo configura-se, portanto, como

(...) estratégia pela qual os líderes escolares mantêm a burocracia da organização para assegurar seu poder e controle sobre a escola mais do que para ajudar seus membros a realizar seus propósitos. O elemento crucial no uso do gerencialismo nas escolas talvez esteja na criação de um tipo particular de liderança cujo papel, no redesenho do setor público, possibilita que a direção política permaneça em nível central, mas a responsabilidade por sua implementação seja deslocada para a periferia. Este movimento de descentralização extrai a essência da liderança local e a reduz a uma função meramente técnico-racional (SHIROMA, 2004, p. 121)

Na hipótese de Shiroma e Evangelista (2004), a política de profissionalização, tanto de professores como de gestores, em vez de objetivar o aumento da qualificação do quadro de magistério, busca a sua desintelectualização, a fim de torná-los pragmáticos, diminuindo-lhes a capacidade de intervenção consciente. O que se pretende é forjar uma nova cultura organizacional para a escola, potencializando-se a disputa, o individualismo e a cooperação fabricada. Modela-se um novo perfil de professor, competente tecnicamente e inofensivo politicamente, um expert preocupado com suas produções, sua avaliação e suas recompensas (SHIROMA, 2003).

Contreras (2002) analisa as políticas educacionais e a autonomia dos professores, outro eixo da reforma, como ambígua. Para o autor, os movimentos sociais dos professores, a partir da década de 1960, os quais pretendiam formular idéias e práticas transformadoras, se não desapareceram de vez, perderam grande parte da força e da independência. “As práticas inovadoras a partir de baixo, hoje, em sua maior parte, correspondem a iniciativas que estão

18 Tanto no Brasil quanto na Europa e Estados Unidos, por meio do exame dos programas para formação de professores, encontra-se a idéia de transformar os diretores em gestores competentes e competitivos, como justificativa à profissionalização. O diretor, em seus novos papéis, assumirá funções tanto de captação e administração de recursos, bem como a responsabilidade pelo gerenciamento dos professores (SHIROMA, 2004).

sendo igualmente estruturadas e patrocinadas de modo externo às escolas e aos docentes” (CONTRERAS, 2002, p.236).

O que se tem, atualmente, são escolas assumindo “autonomamente”, ou melhor, descentralizadoramente, a responsabilidade de seu projeto educacional, mas com parâmetros das políticas já fixados e rumo à competitividade social regulamentada. Nesse contexto, os professores funcionários passam a ser professores competitivos, fazendo alusão ao mundo empresarial. Contreras (2002) avalia que essas políticas defendem uma autonomia aparente que, por conseguinte, geram efeitos negativos sobre a democratização do sistema educacional, além da perda de ideais sociais.