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2 O Racionalismo Crítico de Karl Popper

5 A Ciência do Direito e a Pesquisa Jurídica

5.2 A Ciência do Direito Repensada

Não parece existirem dúvidas sobre algumas características básicas do que chamamos de Direito: ele é composto de normas de conteúdo valorativo, que regem relações, comportamentos e decisões e lhes atribuem consequências – em algumas situações atribuem-lhes

também formas ou formalidades – acompanhadas de instrumentos processuais, em sentido lato, que viabilizem seu cumprimento coercitivo

ou a aplicação de sanção quando descumpridas. Pode o Direito

também ser considerado como instrumento de formalização das soluções propostas (com base em teorias) para problemas sociais, políticos e econômicos.

Situando o Direito na teoria dos três mundos de Popper, podemos dizer:

Volume VII – Conhe ce r Dire ito I – A T eoria do Conhe cime nt o no Sé culo XX e a Ciê nc ia do Dire ito

a) Mundo 1 – nele ficam situados os textos normativos, impressos nos códigos, diários oficiais e outros meios de divulgação;

b) Mundo 2 – nele ficam as decisões individuais sobre relações, comportamentos e outras atividades regradas pelo Direito; é onde são decididas as consequências do Direito a serem realizadas no Mundo 1, mesmo mundo onde estão situados os textos normativos;

c) Mundo 3 – nele está situado o conteúdo do Direito – as hipóteses, conjecturas e teorias que serão aplicadas no Mundo 1 através da mediação do Mundo 2; é nele que se encontra o Direito mesmo.

Considerando a relativa autonomia do Mundo 3, a teoria popperiana dos três mundos abre um campo bastante amplo para o estudo e busca de compreensão dos processos de interpretação e atuação do Direito, e de todos os problemas atinentes à argumentação e à hermenêutica jurídicas.

Adotando o critério de demarcação proposto por Popper, de que só é científica uma teoria que pode ser testada empiricamente e, como consequência, falsificada e refutada, é necessário identificar o elemento empírico que poderá ser observado no processo de teste.

Entendemos que a base empírica deve ser buscada nas consequências decorrentes da aplicação de determinada teoria, através da aplicação da norma que a formaliza – o Direito, como norma, é apenas a forma de que se revestem as teorias sociais, políticas e econômicas escolhidas para regrar determinada sociedade. Os fatos observáveis que permitem refutar ou corroborar essas teorias são as consequências no plano das relações, comportamentos e decisões, decorrentes das normas que dão forma à teoria. Também é possível conjecturar sobre a

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possibilidade de se pensar nas próprias normas – individuais e gerais – como testes empíricos.

Nesse sentido, a construção de uma Ciência do Direito precisa ser pensada como uma ciência interdisciplinar do Direito, com forte apelo sociológico. Isso porque estando o Direito em seu conteúdo no Mundo 3 e não no Mundo 1, o mundo físico não possui, de forma direta, base jurídica empírica que permita experiência ou observação. Assim, a princípio, o Direito deverá ocupar o lugar de hipótese, sendo o teste empírico realizado através da observação dos fatos sociais (considerados neste caso fatos jurídicos) decorrentes de sua aplicação. Com base do critério de demarcação proposto por Popper é possível afirmar que fora dessa possibilidade é possível construir outros saberes sobre o Direito, mas dificilmente uma Ciência do Direito.

Queremos deixar clara a importância da Hermenêutica e de outros instrumentos utilizados na prática argumentativa no campo técnico-profissional do Direito; mas é igualmente importante deixar claro que as atividades desenvolvidas nesse campo, regra geral nada tem a ver com a ciência. A ciência tem objetivo descrever e explicar, não argumentar e convencer.

Quando os fatos do mundo – as experiências empíricas – percebidos através de processos metodológicos objetivos de observação, demonstrarem que as normas não levaram aos comportamentos ou decisões esperados, ou não regularam de forma adequada as relações que tinham por objeto, podemos dizer que a teoria formalizada através da norma jurídica é falsa. Pode-se inclusive afirmar, como será visto oportunamente, que através da utilização do método popperiano de tentativa e erro é possível tanto refutar quanto corroborar uma hipótese formalizada por meio de determinada norma jurídica.

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Frente ao já exposto, é importante deixar claro que desde uma perspectiva popperiana não há como pensar em uma ciência pura do Direito, no sentido de uma ciência que tenha por objetivo apenas o elemento normativo. Segundo Popper (2006), normas são valores, não fatos; sendo valores, não são elementos empíricos objetivos, capazes de serem testados em si mesmos.

É fundamental destacar ainda a necessidade de que, na área do Direito, se deixe de dar tamanha importância às fontes do conhecimento. É comum que o conhecimento jurídico se valide

exclusivamente pelo fato de ter sido produzido por determinado autor ou ter sido editado por determinado tribunal. O problema das fontes do conhecimento se materializa de forma incontestável na pesquisa jurídica acadêmica, no número de citações existentes nas monografias, dissertações e teses. O conhecimento tem ser corroborado não pela alusão às fontes, mas pela crítica intersubjetiva, na busca da verdade. É necessário deixar de fugir da refutação e aceitá-la como um passo fundamental no processo de objetivação do conhecimento.

Também é igualmente importante superar no Direito o que Popper denomina de mito do contexto ou do referente. A sua

presença é extremamente comum da área do Direito, tanto nas atividades técnico-profissionais quanto nas atividades de pesquisa. O discurso jurídico é sempre um discurso referenciado a um modelo ou a uma teoria. É necessário que tenhamos, ao contrário, uma análise crítica, de enfrentamento desses modelos e teorias, através da crítica intersubjetiva, eliminando as igrejinhas e as consequentes legitimações recíprocas dos argumentos.

Para que se possa pensar efetivamente em uma Ciência do Direito – uma ciência social – é necessário acreditar na razão, na racionalidade crítica e na possibilidade da construção

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de conhecimento objetivo através da crítica intersubjetiva, abandonando definitivamente as trincheiras ideológicas e subjetivistas que mantém nossos pesquisadores ilhados.