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A Tentativa e o Erro – a Metodologia Popperiana de Teste

2 O Racionalismo Crítico de Karl Popper

2.8 A Tentativa e o Erro – a Metodologia Popperiana de Teste

Podemos afirmar que ideia de que aprendemos por tentativa e erro é o ponto central de toda a obra de Popper, ocupando grande parte de seus escritos e reflexões. Segundo ele todos os seres vivos, das plantas ao ser humano aprendem por tentativa e erro – essa é a base de sua epistemologia evolutiva.55 Nesse contexto geral de aprendizado e de evolução, ele apresenta um modelo de três fases:56

a) o problema;

b) as tentativas de solução; e

c) a solução. (POPPER; ECCLES, 2001)

Segundo Popper, esse modelo também é aplicável à ciência. O que distingue a ciência humana do conhecimento biológico é a aplicação consciente do método crítico, possível

55 “Obviamente que no sentido biológico e evolutivo em que falo do conhecimento, não só os animais e os homens têm expectativas e, portanto, conhecimento (inconsciente), mas também as plantas; e na realidade todos os organismos.” (POPPER; ECCLES, 2001, p. 88)

“[...] este esquema de como o novo conhecimento é adquirido se aplica desde a amiba a Einstein.” (POPPER; ECCLES, 2001, p. 24)

56 Afirma que esse modelo pode ser entendido como o esquema geral da teoria da evolução de Darwin (2001). Entretanto, Popper critica vários pontos da teoria de Darwin, propondo aperfeiçoamentos com base no seu esquema quadripartido. (2002).

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pelo desenvolvimento da linguagem humana – a ciência nasce com a invenção da discussão crítica. É essa linguagem que permite a exteriorização do pensamento do indivíduo, propiciando a sua objetivação. Com isso, o erro, que na evolução biológica eliminava o indivíduo ou a espécie, na evolução do conhecimento humano elimina as teorias, mas preserva o seu autor.57 (POPPER; ECCLES, 2001)

Em suma, Popper (1995, p. 19-20) entende que ambos os valores, a verdade objetiva e o enfoque crítico, existem com a linguagem humana, que é o primeiro e o mais importante produto da mente humana. Para ele, a linguagem possibilita a consideração crítica das teorias, que é a sua contemplação externa: as teorias passam a ser objeto de crítica. Mais do que isso, permite-nos averiguar a correlação das teorias com os fatos. Nesse sentido é que, biologicamente, Popper afirma que existe um passo que separa o físico Einsten de uma ameba. Ambos trabalham com o método da tentativa e erro. A ameba, visando a sua sobrevivência. Einstein, por sua vez, sabe que não somente podemos aprender com nossos erros como devemos eliminá-los de nossas teorias. Somente Einstein – o ser humano – pode ter uma atitude crítica e autocrítica. E é justamente a linguagem humana que põe ao nosso alcance essas virtudes. (POPPER, 1996, p. 91)

Do modelo de três fases, característico do aprendizado biológico, Popper avança para o modelo de quatro fases, característico da ciência, e que apresenta da seguinte forma:

a) o antigo problema;

b) formação de tentativas de teoria;

57 “Os cientistas, como todos os organismos, trabalham com o método da tentativa e erro. A tentativa é uma solução para um problema. Na evolução do reino animal ou vegetal o erro ou, para ser mais preciso, a correcção do erro, normalmente significa a erradicação do organismo; em ciência geralmente significa a erradicação da hipótese ou teoria.” (POPPER; ECCLES, 2001, p. 60).

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c) tentativas de eliminação através de discussão crítica, incluindo testes experimentais;

d) os novos problemas, que surgem da discussão críticas das nossas teorias. (POPPER; ECCLES, 2001)

Com esse modelo Popper substitui a tradicional busca pelas fontes do conhecimento pelo processo de solução de problemas por tentativa e eliminação de erros. Esse método, muitas vezes referido pelos autores de metodologia científica como hipotético-

dedutivo,58 foi por ele sistematizado no seguinte esquema:

P1 à TE à EE à P259

Nele P1 é o problema inicial, TE é a teoria explicativa, hipótese

ou conjectura, EE é a experiência empírica, incluindo a observação

(é onde buscamos testar a hipótese através da crítica60), e P

2 é novo

58 A expressão método hipotético-dedutivo, encontramos apenas uma única vez na obra de Popper, no seu livro A miséria do historicismo. “A isso tem-se dado o nome, por vezes, o nome de método hipotético-dedutivo ou , mas frequentemente, o nome de método da hipótese [...].” (1980, p. 102, grifo nosso)

59 Esse esquema pode ser encontrado no livro de Popper intitulado O conhecimento e o problema corpo-mente (2002, p. 23 e 25). Mas também é encontrado em várias outras de suas obras, inclusive com algumas variações. 60 “O resultado dos testes é a seleção das hipóteses que resistiram a esses testes, ou a eliminação das hipóteses que eles não resistiram e que serão, consequentemente, rejeitadas. É importante compreender o que deflui dessa concepção. Os pontos em relevo são os seguintes: todos os testes podem ser entendidos como tentativas de afastar as teorias falsas, de identificar os pontos fracos de uma teoria, de modo a rejeitá-la quando falseada pelos testes. Essa maneira de ver é por vezes tida como paradoxal: nosso objetivo afirma-se, é o de formular teorias, e não o de eliminar teorias falsas. Entretanto, exatamente porque nosso objetivo é o de formular teorias tão perfeitas quanto possível, devemos submetê-las a testes tão severos quanto possível, ou seja, devemos tentar identificar erros que nelas se contenham, devemos tentar falseá-las. Somente no caso de não podermos falseá-las, a despeito dos maiores esforços que façamos em tal sentido, poderemos dizer que resistiram a testes severos. Essa a razão por que a descoberta de exemplos confirmadores de uma teoria muito pouco significa, se não tivermos tentado e falhado no procurar descobrir

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problema oriundo dos resultados da experiência (na realidade podem

ser vário novos problemas, P2 , P3 , P4, e assim sucessivamente).61

Em seu clássico, Lógica da Pesquisa Científica (1978-a),

apresenta detidamente sua proposta, denominando-a de teoria do método dedutivo de prova, segundo a qual uma hipótese só admite

prova empírica após haver sido formulada – a teoria ou hipótese precede a experiência e a observação. Segundo ele, a teoria sempre é anterior, inclusive porque nossos sentidos e nossa linguagem estão impregnados de teoria.62 (POPPER, 1975)

A partir de uma idéia nova, formulada conjecturalmente e ainda não justificada de algum modo – antecipação, hipótese, sistema teórico ou algo análogo – podem-se tirar conclusões por meio de dedução lógica. Essas conclusões são em seguida comparadas entre si e com outros enunciados refutações. Com efeito, se não formos críticos, sempre encontraremos aquilo que desejarmos: buscaremos e encontraremos refutações, e não procuraremos nem veremos o que possa mostrar-se ameaçador para as teorias que nos agradam. Em tais termos, é extremamente fácil conseguir o que pareça avassaladora evidência em favor de uma teoria que, se criticamente encarada, teria sido objeto de refutação. Para colocar em operação o método da escolha por eliminação, assegurando que somente sobrevivam as teorias mais aptas, devemos fazer com que essas teorias lutem pela vida, em condições difíceis.” (POPPER, 1980, p. 104-105)

61 “O esquema global indica que partimos de um problema, quer de natureza prática quer teórica; tentamos resolvê-lo elaborando uma teoria possível na qualidade de solução possível – é o nosso ensaio; em seguida, ensaiamos a teoria, procurando fazê-la abortar – é o método crítico de eliminação de erros; em resultado desse processo surge um novo problema, P2 (ou, quem

sabe, vários novos problemas). [...]. Resumindo, o esquema diz-nos que o conhecimento parte de problemas e desemboca em problemas (até onde for possível ir).” (POPPER, 2002, p. 23, grifo do autor)

62 “[...] defendo a tese de que todo o conhecimento é a priori, geneticamente a priori, no seu conteúdo. Porque todo o conhecimento é hipotético ou conjectural: é a nossa hipótese. Só a eliminação de hipóteses é a posteriori, o conflito entre hipóteses e realidade. É apenas nisto que consiste a componente empírica do nosso conhecimento. E é suficiente para nos permitir aprender com a experiência; suficiente para que sejamos empiristas.

Por outras palavras: nós só aprendemos por tentativa e erro. Todavia, as nossas tentativas são sempre as nossas hipóteses. Provêm de nós, não do mundo exterior. Tudo o que aprendemos do mundo exterior é que alguns dos nossos esforços são errôneos.” (POPPER; ECCLES, 2001, p. 71, grifos do autor)

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pertinentes, de modo a descobrir-se que relações lógicas (equivalência, dedutibilidade, compatibilidade ou incompatibilidade) existem no caso. Poderemos, se quisermos, distinguir quatro diferentes linhas ao longo das quais se pode submeter à prova uma teoria. Há, em primeiro lugar, a comparação lógica das conclusões umas às outras, com o que põe à prova a coerência interna do sistema. Há, em segundo lugar, a investigação da forma lógica da teoria, com o objetivo de determinar se ela apresenta o caráter de uma teoria empírica ou científica, ou se é, por exemplo, tautológica. Em terceiro lugar, vem a comparação com outras teorias, com o objetivo sobretudo de determinar se a teoria representará um avanço de ordem científica, no caso de passar satisfatoriamente a várias provas. Finalmente, há a comprovação da teoria por meio de aplicações empíricas das conclusões que dela se possam deduzir.

A finalidade desta última espécie de prova é verificar até que ponto as novas conseqüências da teoria – quaisquer que sejam os aspectos novos que esta apresente no que assevera – respondem às exigências da prática, suscitada quer por experimentos puramente científicos que por aplicações tecnológicas práticas. Aqui também o processo de prova mostra seu caráter dedutivo. Com o auxílio de outros enunciados previamente aceitos, certos enunciados singulares – que poderíamos chamar ‘predições’ – são deduzidos da teoria; especialmente predições suscetíveis de serem submetidas facilmente a prova ou predições aplicáveis na prática. Dentre os enunciados referidos selecionam-se os que não sejam deduzíveis da teoria vigente e, em particular, os que essa teoria contradiga. A seguir, procura-se chegar a uma decisão quanto a esses (e outros) enunciados deduzidos, confrontando-os com os resultados das aplicações práticas e dos experimentos. Se a decisão for positiva, isto é, se as conclusões singulares se mostrarem aceitáveis ou comprovadas, a teoria terá, pelo menos provisoriamente, passado pela prova: não se descobriu motivo para rejeitá-la. Contudo, se a decisão for negativa, ou, em outras palavras, se as conclusões tiverem sido falseadas, esse resultado falseará também a teoria da qual as conclusões foram logicamente deduzidas.

Importa acentuar que uma decisão positiva só pode proporcionar alicerce temporário à teoria, pois subseqüentes decisões negativas sempre poderão constituir-se em motivo para rejeitá-la. Na medida em que a teoria resista a provas pormenorizadas e severas, e não seja suplantada por outra, no curso do progresso científico, poderemos dizer que ela ‘comprovou sua qualidade’ ou foi ‘corroborada’ pela experiência passada. (POPPER, 197-a, p. 33-34, grifos do autor)

Para Popper, o método de tentativa e erro permite enfrentar todos os denominados problemas epistemológicos –

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sua utilização não afirma a verdade de teorias com base em enunciados singulares, ou seja, não são generalizados os resultados

de conclusões verificadas em experiências; mas sua utilização permite a refutação de teorias falsas63. Destaca, por isso, que não devemos esperar verdades profundas da metodologia; as regras metodológicas devem ser elaboradas com a finalidade de garantir o critério de demarcação, considerado a regra prática mais elevada. (POPPER, 197-a). Entretanto, segundo ele, a utilização do método materializado no esquema quadripartido apresentado permite nos elevarmos por nossas próprias forças. É ele um instrumento de autotranscendência por meio da seleção e da crítica racional. (POPPER, 1975)