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UMA ANÁLISE DO CONCEITO DE PARADIGMA NA EPISTEMOLOGIA DE

2 Noções Introdutórias à Epistemologia Kuhniana

O físico estadunidense Thomas Kuhn (1922-1996) ficou conhecido por sua teoria do conhecimento com a publicação do livro A estrutura das revoluções científicas (2006).

Inicialmente, para compreendermos sinteticamente o pensamento epistemológico de Kuhn, devemos entender que ele teoriza para as ditas hard sciences, ou seja, as ciências

naturais e físicas. Em segundo lugar, devemos entender o que

são comunidades científicas. Isso, em razão de que é imprescindível

a percepção dos objetos de estudo de cada comunidade, visando à aproximação da verdade, os quais fazem avançar o conhecimento científico.

Pois bem, o conjunto dos cientistas que praticam uma especialidade da ciência, munidos de similar iniciação profissional e educação técnica, assim como limitados por um determinado objeto de estudo, perfaz uma comunidade científica. (KUHN, 1998, p. 221-222)

A importância da similaridade na iniciação e educação reside justamente no fato de que podem existir mais de uma

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comunidade que tem por objetivo o mesmo campo de estudo, mas com pontos de vista divergentes. Isto é, torna-se praticamente impossível a comunicação entre distintas comunidades científica, em um sentido kuhniano, mesmo que convirjam no que tange ao objeto de estudo. Em sentido oposto, os membros de uma mesma comunidade detêm comunicação ampla e julgamentos profissionais relativamente convergentes.

Devemos mencionar que comunidades podem existir em vários níveis, desde o mais amplo, como uma comunidade global, até o nível menos complexo e especializado. Ainda assim, geralmente os cientistas mais capazes pertencerão a diversas comunidades diferentes. (KUHN, 1998. p. 221-222)

Pois bem, essa possibilidade de comunicação advém do compartilhamento de paradigmas entre os membros de dada

comunidade. Conforme salientado no item sequencial, os

paradigmas são justamente o algo a mais que é compartilhado pelos

membros de tais comunidades, independentemente da natureza desses elementos.

Uma vez que detenha delimitado o campo de estudo, uma comunidade é orientada por um objetivo comum, ou seja, para a solução de quebra-cabeças (problemas). Trata-se de uma questão

de maturidade científica. E os paradigmas compartilhados não governam o objeto de estudo, mas a própria comunidade, de modo a atuar justamente para proporcionar pistas para a solução dos problemas.

Kuhn percebe ser ocasionalmente acusado de glorificar a subjetividade e irracionalidade da ciência, em virtude de insistir que o fato de os cientistas partilharem algo não é suficiente para impor-lhes um acordo uniforme no caso de determinados assuntos, como, por exemplo, a escolha entre duas teorias concorrentes. Todavia, Kuhn justifica-se ao afirmar que

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denomina intuições as possessões testadas e compartilhadas pelos

membros de um grupo, e não simplesmente intuições individuais.

(KUHN, 1998, p. 237)

Isso porque o autor percebe que pessoas oriundas de diferentes sociedades se comportam como se vissem coisas diferentes,

isto é, estão limitadas pelo contexto. Ora, se não houvesse uma

relação biunívoca entre os estímulos e as sensações, admitiríamos

que essas pessoas veem, na realidade, coisas diferentes.

Ademais, “[...] dois grupos cujos membros têm sistematicamente sensações diferentes ao captar os mesmo estímulos, vivem, em certo sentido, em mundos diferentes.”

(KUHN, 1998, p. 238)

Para esse pensador, nosso mundo não é povoado, em primeiro plano, pelos estímulos, mas pelos objetos das nossas sensações, que não precisam ser idênticos de pessoa para pessoa ou de grupo para grupo, muito embora, a partir do momento em que pessoas participem de uma comunidade – compartilhem a educação, a língua, a experiência a cultural, ou seja, estejam limitadas pelo mesmo contexto –, o autor supõe que as sensações sejam as mesmas. (KUHN, 1998, p. 238-239)

Existe aqui uma oposição à tradicional tentativa que, desde Descartes (2006), intenta analisar a percepção como um processo interpretativo (versão inconsciente), visto que, o que torna a percepção íntegra é o fato de que a “[...] experiência passada esteja encarnada no aparelho neurológico que transforma os estímulos em sensações.” (KUHN, 1998, p. 241-242). Isso importa em falarmos do conhecimento e da experiência a partir da concepção de estímulo-resposta.

Em um sentido popperiano, tal análise seria uma doutrina do relativismo, de cunho irracionalista, ou seja, a

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[...] doutrina segundo a qual a verdade é relativa à nossa formação intelectual que, supostamente, determinará de algum modo o contexto dentro do qual somos capazes de pensar: a verdade mudaria assim de contexto para contexto. (POPPER, 2009, p. 68-69)

Diante disso, haveria impossibilidade de acordo mútuo entre culturas, gerações e períodos históricos.

Para Popper (2009), existe um mito do contexto, visto que não há propriamente uma impossibilidade de discussão racional e produtiva quando os participantes não compartilham um contexto comum de pressupostos básicos ou quando, no mínimo, não tenham acordado semelhante contexto para a discussão. Popper propõe uma abordagem crítica à ciência. Portanto, o objetivo de um cientista não se funda na mente vazia, mas na (discussão) crítica.

Contrariamente à Popper, para Kuhn, a superioridade de uma teoria sobre outra não pode ser demonstrada por meio de uma discussão, mesmo que racional, mas somente através da persuasão (KUHN, 1998, p. 246). Devemos entender, portanto, a forma como um determinado conjunto de valores compartilhados entra em interação com as experiências particulares comuns a uma comunidade de cientistas, o que leva o grupo a considerar um conjunto de argumentos mais decisivo do que outro. Trata- -se, em última instância, de um processo de persuasão.

Isso, pois, os debates sobre a escolha de teorias incomensuráveis não podem ser expressos na forma de provas matemáticas ou lógicas, já que nestas, as premissas e regras de inferência estão estipuladas desde o início e, se existe um desacordo sobre a conclusão, é possível que as partes em debate refaçam seus passos a fim de conferir com as estipulações prévias.

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Para Kuhn (2006), quando existem pontos de vista incomensuráveis, além de não haver a possibilidade de comunicação, igualmente inexiste a possibilidade de persuasão. Reconhecemos, então, esses interlocutores com pontos de vista incomensuráveis como membros de comunidades diferentes. (KUHN, 1998)

Contudo, não considera essa sua perspectiva relativista,

visto que, conforme veremos mais adiante, em razão de os defensores de teorias diferentes, como os membros de comunidades de cultura e linguagem diferentes, poderem estar certos. Trata-se, portanto, de uma questão contextual, ou seja, o conhecimento científico, tal qual a linguagem, é entendido como “[...] intrinsecamente a propriedade comum de um grupo ou então não é nada. Para entendê-lo, precisamos conhecer as características essenciais dos grupos que o criam e o utilizam”. (KUHN, 1998, p. 257)

Essa perspectiva somente poderia ser considerada relativista em se tratando da questão cultural e de seu desenvolvimento. Por oposição, em se considerando a ciência, não é relativista. De mais a mais, kuhnianamente, a noção de progresso na ciência reside justamente no fato de que teorias científicas mais recentes são melhores dos que as antigas para a resolução de quebra- cabeças nos contextos diferentes aos quais são aplicadas.