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2 O Racionalismo Crítico de Karl Popper

5 A Ciência do Direito e a Pesquisa Jurídica

5.3 As Metodologias Jurídicas Repensadas

Muito se escreveu na área do Direito, nas últimas décadas do século XX, criticando as propostas de construção de uma Ciência do Direito, em especial aquela contida na teoria kelseniana. Entretanto, grande parte da literatura desse período se restringiu a realizar uma crítica do positivismo100 jurídico – crítica essa de diversos matizes, passando pelas análises linguísticas, epistemológicas, sociológicas e políticas,

99 O texto desta subseção reproduz basicamente o que foi publicado no trabalho individual do primeiro autor deste livro, intitulado O racionalismo crítico de Karl Popper e a Ciência do Direito (RODRIGUES, 2010)

100 Popper criticou o ideal positivista, principalmente o positivismo de Mach, adotado durante um período por Einstein. Para Popper, “O positivismo nada mais é propriamente do que uma ampla generalização da ideia da indução – do particular para o geral. Verdadeiramente, o positivismo é o ponto de vista segundo o qual a ideia de que vamos do particular para o geral tem de ser aplicada de forma tão consequente que partamos das nossas experiências de observação, sim, das nossas sensações elementares. E destas experiências se desenvolvem depois, pouco a pouco, o nosso saber e as nossas teorias. É isto o positivismo que encontramos fortemente desenvolvido em Mach, em especial na sua obra Die Analyse der Empofindungen (A análise das sensações). Para ele, sensações são as experiências elementares da observação, e na sua primeira fase também Einstein comungou desta ideia, contra a qual veio mais tarde a reagir vigorosamente, chegando depois a opiniões completamente diversas.”. (1995, p. 30-31). Além disso, “O positivista diz o seguinte: Quando perguntamos pelo mundo, devemos perguntar: Por onde é que eu sei algo sobre o mundo? É este o ponto de partida positivista. E o positivista responde então: Pelos meus sentidos. Se abrir os meus olhos e os meus ouvidos, aprendo algo sobre o mundo. Trata-se realmente de uma teoria do conhecimento ingénua. [...] se todo o saber consiste em impressões sensoriais, por que razão acredito depois que há mais alguma coisa do que impressões sensoriais? E a resposta é esta: Não há mais nada. E assim se chega ao positivismo. O mundo não é, pois, nada senão as minhas impressões sensoriais. E assim chego ao solipsismo. Todos aqueles que não são solipsistas, mas são positivistas, já fizeram realmente um compromisso quando admitem que há outras pessoas.” (POPPER, 1995, p. 41)

Volume VII – Conhe ce r Dire ito I – A T eoria do Conhe cime nt o no Sé culo XX e a Ciê nc ia do Dire ito

dentre outras. Mas muito pouco foi apresentado em termos de opções que permitam, de forma concreta, superar os problemas diagnosticados – e nem mesmo para testar se os diagnósticos são corroboráveis.

É nesse contexto que a pesquisa que aqui apresentamos se coloca, buscando encontrar um caminho que permita superar essa prática histórica que tem mantido a área de Direito à margem de grande parte dos avanços que o conhecimento e a ciência têm propiciado ao homem e à sociedade, em especial no século XX e no início deste século XXI.

A ideia popperiana de refutação merece algumas palavras ao se pensar especificamente na área de Direito. Ao trabalharmos com a resolução de problemas, por tentativa e erro, eliminando gradativamente os resultados falseados, não poderemos chegar à verdade, mas nos aproximaremos dela. Além disso, teremos um aprendizado fundamental nesse processo, que é o de crítica: na área do Direito, tão importante quanto afirmar o direito que acreditamos existir é sabermos criticar e refutar o direito afirmado por nós mesmos e pelo outro.

Considerando essa situação e a vasta produção ocorrida nas últimas décadas nas áreas da Teoria do Conhecimento e da Epistemologia, acreditamos ser possível trabalhar na área de Direito com uma estratégia metodológica diversa, na qual a pesquisa não busque confirmar as hipóteses, mas seja crítica, utilizando a refutabilidade como critério de demarcação, permitindo diferenciar ciência e não ciência – a pesquisa científica da pesquisa profissional. E para a construção dessa estratégia propomos como ponto de partida o Racionalismo Crítico popperiano.

É ainda importante relebrar que, para Popper, ciência mesmo, é a ciência teórica, as teorias, conjecturas e hipóteses

Cole

ção P

ensando o Dire

ito no Sé

culo XXI

construídas. Mas para que essas teorias possam ser consideradas, elas devem, além de não conterem contradições internas – pressuposto lógico – ser também passíveis de refutação, ou seja, que apresentem a possibilidade de serem testadas empiricamente – pressuposto metodológico.

Portanto, quando descrevemos aqui possibilidades de teste na área do Direito, estamos apresentando uma metodologia que contenha a possibilidade de ser aplicada às teorias, conjecturas e hipóteses apresentadas pela Ciência do Direito. Aquelas que não puderem ser testatas por essa metodologia não são científicas, o que não significa que não são importantes em outros níveis.

Propomos a utilização do esquema popperiano anteriormente descrito ( P1 à TE à EE à P2 ) como base para a construção de uma nova forma de realizar pesquisa na área do Direito – um novo modo de compreensão e explicação dos fenômenos jurídicos.

O esquema abaixo indica a possibilidade de sua utilização para a pesquisa e solução de problemas interdisciplinares nos quais existam elementos jurídicos:

P1 seria um problema específico entre os problemas existentes nos âmbitos social, político, econômico, administrativo, educacional, etc.;

TE seria um modelo explicativo, uma teoria explicativa, uma hipótese ou conjectura de solução para o problema (TE já teria de incluir elementos jurídicos – como por exemplo um projeto de lei, ou mesmo já estar materializado em norma jurídicas);

EE seriam as consequências empíricas decorrentes da aplicação

das normas, se aprovadas – ou seja, seria necessário identificar as normas jurídicas como os equivalentes formais das hipóteses teóricas e as consequências de sua atuação e aplicação como experimentos empíricos. Ao fazer isso, se passaria da discussão puramente teórica para o teste empírico da hipótese; e

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P2 (regra geral P2 , P3 , P4 , etc.) seria (ou seriam, o que normalmente ocorrerá) o(s) novo(s) problema(s) decorrente(s) do(s) resultado(s) de EE.

Esse esquema, na forma sintetizada nos parágrafos anteriores, pode ser utilizado para a pesquisa da efetividade de hipóteses jurídicas apresentadas como solução de problemas sociais em sentido amplo (sociais, políticos, econômicos, educacionais, etc.).

O esquema popperiano também pode ser utilizado para verificar se uma determinada teoria jurídica descreve de forma adequada o sistema jurídico, a norma ou outro elemento desse sistema. Nesse caso teríamos:

P1 seria um problema específico entre os problemas existentes nos