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A CIDADANIA MEDIADA: PARCERIAS COM AS ONGs

CAPÍTULO 2 – CIDADANIA SEXUADA E MEDIADA NA PROTEÇÃO SOCIAL

2.4 A CIDADANIA MEDIADA: PARCERIAS COM AS ONGs

A estrutura da política municipal de assistência social em Londrina é composta por serviços governamentais e serviços não-governamentais. Estes últimos são considerados integrantes da política de assistência quando celebram convênios com o Município e, por meio destes, contam com o financiamento público para o desenvolvimento de suas ações. Em geral, os convênios pressupõem que a organização conveniada assuma parte dos custos do serviço assistencial e o município participe com o financiamento de parcela destes custos. Há, portanto, uma contrapartida das organizações não-governamentais para a execução dos convênios, ou parceria, para usar o termo tão a gosto dos administradores e administradoras, atualmente.

Apesar de ser um avanço, a institucionalização estatal da assistência social em Londrina não significa, de fato, a implantação de um sistema público de proteção social no âmbito da assistência. Por um lado, não se pode ignorar que existe desde 1993 esforços explícitos para criação de uma estrutura pública governamental, com quadro de funcionárias e funcionários concursados e participação significativa da assistência no orçamento municipal, em torno de 6%. Por outro lado, inexiste hoje, em Londrina, qualquer serviço de assistência social que funcione exclusivamente como serviço governamental. Diferentemente, a regra comum é o co-

financiamento, as parcerias com as organizações não-governamentais e as terceirizações, dando continuidade à tradição de subsidiariedade, conforme expressão de Maria Luiza Mestriner.

Há, contudo, um novo sentido atribuído à “parceria” entre Estado e sociedade civil, especialmente a partir da segunda metade da década de 1990, que passa também pela reconfiguração da “questão social”.

A origem da filantropia e da benemerência localiza-se na sociedade civil, em especial em grupos religiosos e organizações de imigrantes. Quando essas ações são incorporadas pelo poder público na modalidade de assistência, já apresenta, desde sua origem, a cooperação entre sociedade civil e poder público. Tratar da cooperação, em si, no âmbito da assistência nos dias atuais parece não trazer nada de novo para o debate. Qual é, então, a novidade, nesses dias, nesta cooperação? Parece que a novidade repousa no sentido atribuído à sociedade civil, bem como numa reconfiguração da questão social, passando pela reforma do Estado, mediante introdução dos ajustes estruturais.

A sociedade civil no Brasil passou por um período de redescoberta política nas últimas décadas do século XX, especialmente na década de 1980, diante da notória atuação dos movimentos sociais na esfera pública (COSTA, 1994 e PINTO, 2006). Esse período de redemocratização é marcado pelo ressurgimento de amplos movimentos sociais e pela formação de “novos atores sociais”, cuja constituição dá-se a partir de uma multiplicidade de questões, demandas e temáticas que incluem sindicatos, organizações populares comunitárias, associações de moradores, movimentos de mulheres, movimentos ambientais, movimentos estudantis e comunidades eclesiais de base, entre outras.

Alguns pontos comuns permeiam esta pluralidade de movimentos e atores sociais: as reivindicações pela ampliação da democracia e da cidadania, pautadas muitas vezes pelas necessidades da esfera privada. Para os grupos em desvantagens sociais, políticas e econômicas, tais como mulheres e negros, por exemplo, a luta pela ampliação da democracia e da cidadania era o meio de buscar emancipação e reconhecimento. Estes anseios são gestados na sociedade civil e sua correia de transmissão eram principalmente os movimentos sociais. Neste período, os movimentos sociais eram vistos como a expressão de novas formas de fazer política e foram tomados como os representantes legítimos da sociedade civil, diante da fragilidade dos partidos políticos e dos sindicatos.

A atuação da sociedade civil, por meio dos movimentos sociais, contribuiu para uma nova valorização do conceito de cidadania, o que penetrou o centro de grande parte do pensamento social e político que se vem desenvolvendo no Brasil desde a década de 1980. Para Maria Célia Paoli (2002), a importância e (re)descoberta do conceito de cidadania estão relacionadas à dupla transformação brasileira deste período: a redemocratização pós-período de autoritarismos e a adoção do neoliberalismo, mais recentemente.

Algumas mudanças podem ser identificadas aos sentidos atribuídos para “sociedade civil” ao longo deste período posterior a 1980. Isto decorre do surgimento de diferentes atores sociais que passaram a fazer uso da categoria ou a ela foram identificados. Quando se discutia a redescoberta da sociedade civil na década de 1980, os principais atores eram os movimentos sociais, com especial destaque para os “novos movimentos sociais”. Na década de 1990 surge um campo mais vasto de organizações sem fins lucrativos, com destaque para as ONGs. Nos últimos anos ocorre o crescimento do “terceiro setor”, como categoria mais ampla, que abriga também as iniciativas de responsabilidade social empresarial. Ainda mais recentemente assistimos à expansão das organizações sociais de interesse público (OSCIPs). Este período após a década de 1990 apresenta também o crescimento da institucionalização da sociedade civil. De qualquer modo, são categorias que estão sendo utilizadas sem muita pretensão de rigor na conceituação e na classificação.

Diante de tais mudanças, com variadas formas de atuação e de representação da sociedade civil, a luta por emancipação e reconhecimento dos grupos desfavorecidos é constituída, conseqüentemente, por um conjunto mais variado de atores. No cenário mais recente, as ONGs ocupam, com destaque, este espaço político no Brasil, de tal modo que muitas vezes há uma associação quase que imediata entre os dois termos – luta por direitos (emancipação e reconhecimento) e ONGs.

Ocorre, contudo, que o termo ONG tem sido empregado para designar os variados formatos de organização civis, com suas diferentes formas de relação com o Estado e com a própria sociedade civil. Esse uso generalizado e impreciso do termo ONG deve colocar-nos em posição de alerta para analisarmos os casos empíricos, questionando-os quanto à sua contribuição para a promoção da cidadania dos grupos historicamente excluídos dos processos de participação política, com vistas à emancipação (em oposição à tutela) e ao reconhecimento (em oposição à negação, à ausência e ao anonimato).

No uso de senso comum há tentativas de generalizações que vão contra qualquer esforço de precisão sobre a designação ONG. Nestas circunstâncias, ONG é uma denominação que pode designar toda e qualquer forma de organização, qualquer que seja ela e quaisquer que sejam seus objetivos, desde que não seja um órgão público nem uma empresa capitalista. Por exemplo, associações de trabalhadores e trabalhadoras que atuam na coleta de resíduos sólidos recicláveis e se assemelham a pequenas cooperativas, ainda que sem este formato legal, são denominadas ou autodenominam-se ONGs.

O reconhecimento da terminologia ONG ganhou reconhecimento na década de 1980 e conquistou maior popularização após a ECO-92. Desde então, a denominação passou a ser usada também pelas agências internacionais que atuam como financiadoras de projetos (MATOS, 2005). Em Londrina, a denominação ganha maior notoriedade no âmbito da administração municipal e passa a ser usada exaustivamente a partir de 2001 com a eleição de Nedson Micheleti, do PT, embora já fosse bastante popular antes desse tempo. Observa-se neste mesmo ano de 2001 a criação do “Londrina Mil ONGs”, como um organismo municipal. Conforme apresentação em sua página na internet, este “é um projeto governamental de fomento e articulação, que tem por objetivo estimular de forma responsável a criação de organizações não- governamentais no município de Londrina”.

Nos estudos sobre sociedade civil, a abordagem predominante é aquela que trata da origem da denominação ONG associada às tradições dos movimentos sociais que se formaram e se expandiram no período a partir da década de 1970, no contexto de restrições democráticas, no Brasil, sob a ditadura militar. Organizações que se originaram dessas ligações, muitas vezes com influências marxistas e freirianas, se autodenominaram ONG. Incluem-se entre elas os movimentos de mulheres. O que estava em jogo era a busca pela formação de uma identidade política. Ao longo das últimas décadas a terminologia ONG tornou-se um campo de disputa quando um conjunto mais variado de organizações começou a empregar a mesma designação (LANDIM, 2002).

A Associação Brasileira das Organizações Não-Governamentais (ABONG) tem atuado na tentativa permanente de construir uma identidade particular das ONGs que as diferencie de organizações filantrópicas, sindicatos, partidos políticos, igrejas, associações de moradores, associações de pais e mestres, além de muitas outras que estão juridicamente abrigadas sob a denominação de “entidades sem fins lucrativos”.

Não obstante os esforços da ABONG é fato que no cotidiano encontramos o emprego da expressão ONG desprovida de qualquer rigor. Assim, na linguagem corrente, incluindo os gestores e gestoras municipais, ONG tornou-se sinônimo mais elegante de organização da sociedade civil, não importa qual seja sua característica. É deste modo que são designadas as organizações que mantêm convênios com a Secretaria Municipal de Assistência Social. Estas são organizações de perfis muito variados. Ainda que haja uma concentração numérica das entidades assistenciais, existem também, entre as conveniadas, por exemplo, o Clube das Mães Unidas e a Associação Londrinense Interdisciplinar de AIDS – ALIA. Estas são experiências que nos remetem a outras tradições, mais vinculadas aos movimentos sociais, como é o caso dos movimentos de mulheres e dos movimentos na área da prevenção, tratamento e combate à DST/AIDS.

O uso da expressão ONG entre as parcerias da rede socioassistencial de Londrina tem um importante sentido político, ainda que indefinido. Ao anunciar-se que a rede é constituída pelos serviços governamentais e é conveniada com organizações não-governamentais, invoca-se o prestígio político construído pelas ONGs, no âmbito local, nacional ou internacional, durante as últimas décadas, decorrente, por exemplo, do reconhecimento de suas preocupações com as questões sociais.

Esta herança carregada pela expressão transmite mais legitimidade à prática de repassar recursos públicos para uso das organizações da sociedade civil em circunstâncias de redução dos gastos estatais, com a importante justificativa de eficiência. Além disto, transmite-se também a idéia – ainda que equivocadamente – de dividir com a sociedade civil o poder de decisão sobre as políticas sociais e o controle dos recursos públicos. Portanto, o uso da expressão não é neutro nem despropositado, mas carregado de mensagens ideológicas.

De qualquer modo, seria inapropriado deixar de reconhecer a pluralidade de organizações, entidades e instituições que compartilham o uso da denominação ONG. Assim, é mais promissor tratá-la como uma categoria construída socialmente, polissêmica, em vez de tentar, forçosamente, a definição de um conceito (LANDIM, 1998 e MATOS, 2005).

Conforme Maria Izilda Santos de Matos (2005), a denominação ONG é geralmente analisada a partir de dois paradigmas: as ONGs como motores de transformação social e uma nova forma de fazer política; e as ONGs como aliadas do neoliberalismo no projeto de substituição das responsabilidades do Estado. Essas representam as principais correntes em

debate atualmente sobre o papel das ONGs e seus impactos para a cidadania e a democracia. A pesquisa empírica pode nos oferecer contribuições significativas que nos permitam balizar as referências deste debate no esforço de buscar formas interpretativas menos idealizadas, sem polarizações e mais matizadas.

No campo das ciências sociais o aparecimento dessas organizações lançou novas inquietações para os estudos sobre a sociedade civil, sobre a relação entre sociedade e Estado, sobre as formas de representação e legitimidade e sobre identidades e universalismo.

Como destaca Céli Pinto (2006), este cenário é caracterizado primeiramente pela alta imprecisão terminológica para fazer referência a noções como sociedade, sociedade civil, organizações da sociedade civil, movimentos sociais, organizações não-governamentais e tantas outras. Na impossibilidade de clarear conceitualmente cada uma das noções empregadas, a autora propõe que tenhamos minimamente clareza quanto à noção de sociedade civil. Desse modo, propõe:

(...) uma medida inicial e salutar é afastar definitivamente a tentação de chamar de sociedade civil tudo aquilo que se diferencia de Estado e do mercado, e estar atento para não fazer distinção entre sociedade civil e sociedade civil organizada (...). A sociedade civil é, em si, a forma de organização da própria sociedade, na qual cada indivíduo encontra sua pertença como cidadão de direito (PINTO, 2006, p. 653).

Adotando esta perspectiva, podemos então afirmar com segurança que as organizações da sociedade civil, tais como as ONGs, são uma parcela da sociedade civil e não o seu todo. Do ponto de vista político, interessa saber como elas se relacionam com a sociedade civil de modo geral e com o Estado e de que modo os espaços de poder são (re)constituídos na relação entre Estado e sociedade civil.

Não se trata, certamente, de um processo de refluxo dos movimentos sociais, de modo particular, ou da sociedade civil, de modo mais amplo, já que estes continuam existindo e atuando em outros campos. Trata-se sim de mudanças mais recentes nas formas de organização e de mobilização da sociedade civil, na qual as organizações mais profissionalizadas parecem ser preferidas pelo poder público como interlocutoras. Desse modo, as ONGs são as principais referências da sociedade civil no âmbito das políticas públicas e das ações estatais. Isto certamente representa uma reconfiguração da relação entre Estado e sociedade civil em que a categoria sociedade civil é tomada de forma restritiva.

Para Maria Célia Paoli, essas mudanças de expansão das ONGs, destacando-se num espaço antes dominado pelos movimentos sociais, contribuem para compreendermos o deslocamento do “ativismo político pela cidadania e justiça social para o ativismo civil voltado para a solidariedade social” (PAOLI, 2002, p. 378). Este deslocamento representa também uma reconfiguração da ação política da sociedade civil. Quando as ONGs se tornam protagonistas da sociedade civil, com suas características de profissionalização, institucionalização, burocratização e hierarquização, temos uma redução da esfera de participação popular. Se falarmos de ONG como sinônimo de sociedade civil, estamos com isso reduzindo as possibilidades de mobilização, participação e representação da sociedade civil, ou, pelo menos, colocando na invisibilidade essas outras possibilidades e formas. Nessa perspectiva, o sentido que já foi mais amplo na década de 1980 está se tornando restrito nos últimos anos.

Daí que a confusão entre sociedade civil e ONGs, com a redução da primeira à segunda no que diz respeito à interlocução com o Estado no âmbito das políticas públicas e ações estatais, pode apresentar um certo grau de risco para a ampliação da democracia entre aqueles que se encontram excluídos dos processos de participação e de deliberação, reduzindo-se suas possibilidades de emancipação e reconhecimento. Conforme Céli Pinto (2006), muitas vezes o ativismo político protagonizado por ONGs, ou outras formas de organização da sociedade civil institucionalizada, nas negociações por políticas públicas, é restrito aos seus membros e envolve pouca articulação com os grupos beneficiários da ação estatal. Isto somado às características de limitação geográfica e fragmentação de temas de interesses constituem alguns dos limites desta forma de atuação para influência nas políticas públicas.

Este processo ocorre em um contexto econômico específico. Uma das grandes conquistas dos movimentos sociais da década de 1980 foi a Constituição de 1988, a chamada “constituição cidadã” porque representava uma série de conquistas populares, incluindo uma nova dimensão dos direitos sociais, que jamais se concretizaram no todo. Neste momento da feitura da Constituição firmou-se um relativo consenso político em torno da idéia de que a proteção social é um direito do cidadão e da cidadã e um dever do Estado. Logo após, na década de 1990, muito antes de se consolidarem as conquistas da Constituição de 88, juntamente com a “modernização” e a “globalização”, adotamos o neoliberalismo.

Neste contexto de ampliação das demandas sociais e tentativas do Estado em reduzir seus gastos sociais, ou pelo menos conter seu crescimento, a modalidade de “parceria” entre poder

público e ONGs encontra terreno fértil para expansão. O resultado é o que Maria Célia Paoli (2002) chama de “desmanche das garantias público-estatais”. O problema apontado pela autora caracteriza as ações das ONGs de modo mais geral: o desenvolvimento de ações relativamente localizadas e bem focalizadas, com base em escolhas que geralmente não passam por debates públicos, mas são decisões privadas, entendidas como deliberadas privativamente no interior da organização entre as pessoas associadas e não em uma arena pública. À medida que tal arranjo vai-se expandindo, torna-se mais distante o ideal de políticas universais.

Por outro lado, é de fundamental importância destacar que o cenário político brasileiro carrega consigo um grande débito para com as ONGs. Uma parcela dessas organizações tem assumido o papel de vanguarda, ao introduzir e alimentar demandas por novos direitos e fomentar a introdução de temas considerados tabus na agenda pública. A maioria das questões relacionadas aos direitos das mulheres, por exemplo, encontra-se nesse rol de temas evidenciados por ONGs. As bandeiras dos movimentos feministas são empunhadas por ONGs feministas, às quais devemos creditar grande parte das conquistas por emancipação e reconhecimento das mulheres.

A importância fundamental das ONGs no “alargamento das questões políticas concernentes a direitos” (PINTO, 2006, p. 657)não elimina possíveis paradoxos quando algumas dessas organizações passam a desempenhar funções de execução de ações estatais. Há neste caso um deslocamento do papel de articulação, pressão e interlocução para o papel de prestação de serviços. Vale dizer, um deslocamento do papel mais propriamente político para um papel burocrático e subordinado. Esses paradoxos não invalidam a experiência das ONGs e a importância de muitas delas para o aprofundamento da democracia e conquista de cidadania de grupos desfavorecidos, mas revelam o quão diversificado é este campo e coloca a exigência de se fazerem distinções.

Estas questões nos dão algumas pistas para analisarmos a situação da política de assistência social, a partir do estudo de caso de Londrina/Pr. As organizações não- governamentais são as referências da política municipal de assistência social para a sociedade civil. Elas encarnam a sociedade civil quando firmam convênios com o Município – e não contratos de prestação de serviços – e são a própria representação da sociedade civil quando se trata de assento no Conselho Municipal de Assistência Social. Ao se investir desta autoridade, contribui-se para a exclusão de outras formas de representação da sociedade civil e, inclusive, das próprias usuárias e usuários da assistência social. Isto porque as ONGs geralmente não são entidades de livre associação, mas têm restrições para o ingresso de membros, de modo que não é

plausível supor a participação de parcelas significativas da população nessas organizações, muito menos a inclusão, ainda que pequena, da população usuária da assistência.

Céli Pinto (2006, p. 657) faz distinção entre dois tipos predominantes de ONGs, “as organizações que defendem a causa de seus membros” e “as que defendem a causa dos outros” . A sociedade civil presente no Conselho Municipal de Assistência Social de Londrina é predominantemente do segundo grupo de organizações, as que defendem a causa de outros. Uma questão sociologicamente importante neste caso é saber até que ponto esse tipo de organização da sociedade civil pode contribuir para reduzir o grau de exclusão política da população beneficiária da assistência social ou, ao contrário, para manter esse público sob tutela ora do Estado, ora das ONGs.

Se entendemos que a política de assistência social envolve também a necessidade de desenvolvimento de mecanismos de promoção da cidadania, e não apenas o combate à fome e à pobreza, torna-se um paradoxo este estreitamento da noção de sociedade civil, porque ele conduz, conseqüentemente, a um estreitamento da esfera pública. Isto reforça os questionamentos presentes em alguns estudos sobre a legitimidade das ONGs colocarem-se como representantes da sociedade civil, por desenvolverem formas mais restritivas de participação e adesão (ALVAREZ, 2000a; PAOLI, 2002; PINTO, 2003,). Duas questões derivam dessas considerações. Qual é o sentido atribuído à “sociedade civil” e qual é a representatividade das ONGs?

Algumas autoras sustentam que uma das faces do aparecimento e crescimento das ONGs está associada ao processo de colapso dos sistemas de representação formal (SCHUMAHER e VARGAS, 1993; ALVAREZ, 2000a; PAOLI, 2002; PINTO, 2003). De fato, a própria sociedade civil reivindicou a reinvenção das formas de fazer política. Os movimentos de mulheres e o feminismo destacaram-se na defesa desta questão, objetivando, com isto, o alargamento da esfera pública e a “radicalização da democracia”, para usarmos a expressão de Chantal Mouffe (1996, 1999 e 2003), como forma de ampliar a participação dos novos atores.

Este é um tema caro para os movimentos de mulheres e o feminismo, porque pode abrir