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CAPÍTULO II - A IMPORTÂNCIA DAS COTAS RACIAIS E SOCIAIS COMO FATOR DE

2.4 A classificação cor ou raça adotada no Brasil

A principal polêmica em torno do sistema de reserva de vagas nas universidades públicas

está em torno das cotas para pardos, negros e indígenas. Como exposto na introdução desse

trabalho, são muitos os argumentos contrários que gravitam em torno do senso comum,

arraigados no mito da democracia racial. Ao longo deste capítulo, buscamos apresentar as

reflexões de alguns teóricos que explicam como esse ideário se constituiu e quais foram as

lógicas adjacentes.

A classificação raça ou cor no Brasil ainda não é algo pacificado. O IBGE lançou no ano

de 2013 uma publicação denominada Características Étnicos-raciais da população: classificações

e identidades baseados nos resultados obtidos pela Pesquisa das Características Étnico-raciais da

População (PCERP). A pesquisa foi realizada, pela primeira vez, em 2008, com o propósito de

compreender melhor o atual sistema de classificação da cor ou raça nas pesquisas domiciliares

realizadas e contribuir para o seu aprimoramento. Entre as principais constatações, verificou-se

que a população brasileira reconhece a cor/raça a qual pertence, como também, compreende a

influência da cor e raça na vida das pessoas, justificando-se, assim, o uso da autodeclaração e a

necessidade da coleta desse dado nas operações censitárias. Os dados coletados nesta pesquisa do

IBGE se constituem um importante contra-argumento para aqueles que defendem não ser

necessária a coleta desses dados, pois aguçaria uma divisão racial que, a princípio, não existiria

no país.

O debate em torno da concepção de cor/raça vem de longa data. Embora o conceito de

“raça” para a espécie humana, como conceito biológico, já tenha sido erradicado do discurso

científico, que comprovou que todos os seres humanos são iguais, ainda constata-se a persistência

desse conceito permeando as relações sociais. De acordo com Petruccelli (2013), a ideia de

“raça” ainda é algo presente na sociedade brasileira, como um símbolo de hierarquia:

[...] a noção de raça ainda permeia o conjunto de relações sociais, atravessa

práticas e crenças e determina o lugar e o status de indivíduos e grupos na

sociedade. Nesse sentido, a pessoa pode ser identificada, classificada,

hierarquizada, priorizada ou subalternizada a partir de uma cor/raça/etnia ou

origem a ela atribuída por quem a observa (PETRUCCELLI, 2013, s/p)

Justifica-se, assim, a importância de delimitar a concepção de raça biológica e a

concepção de raça no sentido sociológico, enquanto uma categoria socialmente construída. A

primeira concepção é considerada uma categoria já pacificada. A segunda, ainda possui embates

em torno daqueles que consideram a utilização do termo como uma forma de aguçar o conflito

racial, e outra, que defende a necessidade de continuar a identificação pela cor/raça, pois se

constata o quanto estão imbricadas as desigualdades raciais e sociais, quando se analisa os índices

de educação, renda, trabalho, entre outros.

Guimarães (2009) considera “raça” “[...] um conceito que não corresponde a nenhuma

realidade natural, [...] limitando-se ao mundo social” (p. 11). Usado para realizar uma

classificação social, baseada numa atitude negativa frente a certos grupos sociais, o primeiro ato

deve ser o reconhecimento da realidade social que o conceito carrega. Desse modo, a retirada da

identificação pela cor/raça estaria contribuindo para mascarar o racismo em nome do princípio da

igualdade, que de fato, nunca existiu.

Na atualidade, o IBGE utiliza cinco categorias para classificar a cor do brasileiro: branca,

preta, parda, indígena e amarela. O IBGE considera a população negra como composta por

pardos e pretos. O recenseamento demográfico no Brasil é realizado de dez em dez anos, sendo

uma importante ferramenta de planejamento das políticas públicas que visam à melhoria de vida

da população, como também, seus dados são usados para revelar desigualdades e desequilíbrios

ainda persistentes.

De acordo com Petruccelli (2013) o primeiro recenseamento realizado no Brasil ocorreu

no ano de 1872, com a utilização das seguintes categorias: branco, preto, pardo e caboclo. No

segundo recenseamento realizado em 1890, altera-se o termo pardo por mestiço na classificação.

Nos recenseamentos efetuados em 1900 e 1920 não foi incluída a classificação racial.

Considera-se essa omissão, como uma forma de ignorar a preConsidera-sença do legado africano e indígena na

composição racial da população brasileira, influenciada pelas teorias racialistas vigentes na

época.

No censo demográfico de 1940, introduziu-se a classificação amarela para dar conta das

correntes imigratórias asiáticas que ocorreram nas primeiras décadas do século XX no Brasil.

Petruccelli (2013) lembra que esse foi o único recenseamento na história estatística brasileira que

não operou com a categoria parda nem qualquer outra referida à mestiçagem. Neste censo, foram

utilizadas apenas três classificações: branco, preto e amarelo, fazendo uma referência somente à

tonalidade da pele (cor). Não havia campo destinado para se assinalar outra opção, instruindo que

se utilizasse um traço, caso houvesse outra resposta.

Os recenseamentos realizados na década de 1950 e 1960 trouxeram novamente a categoria parda.

O autor assinala que pela primeira vez na história do censo demográfico, foi inserida uma

orientação ao recenseador, “[...] a respeitar a resposta da pessoa recenseada, constituindo a

primeira referência explícita ao princípio da autodeclaração” (s/p). No recenseamento realizado

no ano 1970 a orientação foi retirada do questionário, sendo novamente adotada nos censos

posteriores.

No levantamento demográfico realizado em 1981, a classificação indígena foi introduzida

no questionário. A partir do recenseamento do ano 2000, as classificações se apresentaram na

seguinte ordem: branca, preta, amarela, parda e indígena. A questão no formulário apresenta a

seguinte redação: “a sua cor ou raça é:”. Em 2010, foram introduzidas duas novidades: a questão

cor ou raça foi inserida na totalidade dos domicílios, pois antes era uma questão que fazia parte

somente da pesquisa por amostra, e pela primeira vez, as pessoas que se identificaram como

indígenas, foram indagadas a respeito de sua etnia e língua falada.

Em 28 de dezembro de 2012, foi emitido o Aviso Circular Conjunto nº 01, assinado pelas

Ministras da SEPPIR/, da Casa Civil e do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão,

endereçado a todos os ministérios e demais órgãos da Administração Pública Federal, solicitando

a inclusão dos campos “cor ou raça”, conforme classificação utilizada pelo IBGE e o

preenchimento obrigatório, mediante autodeclaração, em todos os registros administrativos,

cadastros, formulários e bases de dados que contenham informações pessoais, inclusive do

público externo, no âmbito desse órgão e de suas entidades vinculadas. Essa medida visa atender

à Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010, que institui no país a Estatuto da Igualdade Racial. Essa

ação também faz parte de um esforço para identificar a cor/raça da população brasileira e para

mapear o racismo institucionalizado que ainda impera no Brasil. Esse tipo de racismo ocorre

quando as estruturas e instituições públicas e/ou privadas de um país, atuam de forma

diferenciada em relação a determinados grupos em função de suas características físicas ou

culturais

.

De acordo com López (2012) “O racismo institucional atua de forma difusa no

funcionamento cotidiano de instituições e organizações, provocando uma desigualdade na

distribuição de serviços, benefícios e oportunidades aos diferentes segmentos da população do

ponto de vista racial” (p. 121).

Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) mostram crescimento

da população que se declara preta ou parda nos últimos dez anos, ocorrendo uma recuperação da

identidade racial, já comentada por diversos estudiosos do tema (IBGE, 2010).

Neste capítulo, nos esforçamos para elucidar construção do mito da democracia racial no

Brasil e a sua superação, a partir de estudos que mostram que as desigualdades sociais no Brasil

têm uma raiz na discriminação e no racismo. O aspecto cor/raça tem uma importância

significativa na construção das desigualdades sociais e econômicas no País.

A leitura de alguns autores teóricos aclarou uma dimensão acerca do debate que vem

sendo travado e permitiu-nos compreender os motivos pelos quais é necessária a adoção de

políticas de ações afirmativas. A reserva de um percentual de vagas é uma das formas que as

ações afirmativas podem se materializar, contribuindo para eliminar desigualdades

historicamente acumuladas.

A situação de desigualdade que sofrem os grupos historicamente desfavorecidos ainda

subsiste. Uma série de indicadores revelam essas diferenças, dentre os quais: analfabetismo;

analfabetismo funcional; acesso à educação; aspectos relacionados aos rendimentos; posição na

ocupação (IBGE, 2010). Também foram apontadas as justificativas em torno da adoção de ações

afirmativas no campo educacional, quando se observam os dados estatísticos da desigualdade

entre ricos e pobres, brancos e negros, no que se refere à escolarização.

CAPÍTULO III – A IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 12.711/2012 NA UFGD: O