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CAPÍTULO II - A IMPORTÂNCIA DAS COTAS RACIAIS E SOCIAIS COMO FATOR DE

2.2 As desigualdades sociais e educacionais: renda e raça/cor

Outra importante contribuição sobre a discussão acerca da desigualdade racial foram os

estudos efetuados por Octavio Ianni, que relacionou o preconceito de classe e o preconceito de

cor na década de 1970, utilizando-se da perspectiva marxista. Segundo Ianni não havia como

examinar os problemas raciais, “... sem conexão com as relações, os processos e as estruturas

econômicos e políticos que governam as condições básicas de estratificação, reprodução e

mudanças sociais” (IANNI, 1978, p. 128). Ianni analisou a transformação do escravo em negro

no Brasil, considerando a questão racial e o antagonismo de classes sociais como marcas que

definem o “lugar” da população negra na sociedade brasileira. Considerou que as contradições

próprias da sociedade capitalista estão intrinsecamente relacionadas à questão social, reflexo da

relação entre classe social e questão racial. Observa que existe um paradoxo, no fato de não se

analisar as raízes econômicas e políticas das desigualdades raciais, em cada situação específica

em que o racismo se manifesta. Em países como os Estados Unidos, África do Sul e Brasil, as

assimetrias, sejam de natureza econômico-social, política e cultural tendem a corresponder às

assimetrias reveladas na hierarquia das raças.

Ianni buscou dar atenção ao fato de que o produto do trabalho social é dividido de forma

desigual entre as raças, relacionando a discriminação racial, a lógica das relações de produção:

[...] é inegável que a maioria dos desempregados são membros das raças

subalternas; que os membros destas raças, mesmo que empregados, participam

em menor escala do produto do trabalho social; que, nas classes médias e

dominantes, os membros das raças subalternas são menos visíveis, mais raros ou

mesmo totalmente ausentes ( IANNI, 1978, p.134).

Assim, o autor considera que nos países capitalistas com conflitos raciais não há como

conceber os problemas raciais não incorporados ao conflito de classe. Nesse sentido, Ianni

assevera que há primeiro um preconceito de classe, reforçado pelo preconceito de raça, ambos

alicerçados nas relações de produção do sistema capitalista.

Outro estudo também considerado referência nos debates em torno da discriminação

foram os efetuados por Carlos Hasenbalg no seu livro Discriminação e desigualdades raciais no

Brasil, publicado no ano de 1979. Este autor utiliza-se da terminologia brancos e não brancos

para demarcar a situação de cor/raça. Nesta obra, o autor atribui as desigualdades entre os grupos

de cor ou raciais à discriminação racial e ao racismo. Como argumenta Aguiar (2009), Hasenbalg

buscou desvincular as práticas racistas ao escravismo para analisar a situação do negro no Brasil.

Em entrevista concedida a Guimarães no ano de 2006 pela Revista Tempo e Sociedade,

Hasenbalg argumenta que a discriminação está, em parte, associada à apropriação de

oportunidades sociais em áreas como educação, emprego e rendimento. Revela que nas pesquisas

estatísticas que efetuou, quando se isola variáveis relevantes como origem social, renda familiar e

nível educacional, brancos tem vantagens sobre os não brancos (GUIMARÃES, 2006). Um dos

exemplos indicados foi o rendimento individual por grupo de cor, em que a renda dos

não-brancos é aproximadamente a metade dos não-brancos. Assim esta disparidade não estaria somente

associada à discriminação, mas intimamente relacionada a oportunidades sociais acessadas ao

longo da trajetória de cada indivíduo. Este estudioso apontou recentemente que as tendências de

pesquisas dos últimos anos tendem a dar forte sustentação à ideia de que os brasileiros

não-brancos estão expostos a desvantagens cumulativas ao longo das fases do ciclo de vida

individual, e que essas desvantagens são transmitidas de uma geração a outra. Hasenbalg

infantil era maior entre os grupos dos não brancos e a expectativa ao nascer era menor; no campo

educacional as crianças não brancas, possuem menos anos de estudos com relação aos brancos.

Nesse sentido, Hansenbalg afirma que as desigualdades raciais no Brasil são produto do racismo

e da discriminação e não uma herança de comportamentos e atitudes discriminatórias de um

passado escravagista.

Outra importante análise acerca do racismo foi efetuada pelo antropólogo Kabengele

Munanga. De acordo com esse autor, a cor da pele negra foi objeto de representações pejorativas

que refletiram negativamente na construção da identidade negra. Essa lógica, embora

inicialmente atribuída, acabou sendo introjetada, interiorizada e naturalizada pelas próprias

vítimas da discriminação racial. Outro ponto também abordado por Munanga foi o papel da

mestiçagem no processo de formação da identidade negra e da identidade nacional. A

mestiçagem foi usada para a eliminação das diversidades étnicas e biológicas, visando à

construção do Estado-Nação. Essa lógica buscava assimilar o negro brasileiro a uma cultura

considerada superior, por meio da falsa miscigenação

33

.

Uma das pesquisas produzidas sobre a estreita relação entre desigualdade racial,

desigualdade socioeconômica e de pobreza no Brasil foi a realizada por Ricardo Henriques no

ano de 2001, publicada pelo IPEA em parceria com o Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (PNUD). Esta pesquisa teve como finalidade efetuar um “[...] mapeamento das

condições de vida da população brasileira nos anos 90, privilegiando o recorte racial de forma a

servir como mais uma contribuição ao diagnóstico das desigualdades raciais no Brasil”

(HENRIQUES, 2001, p. 1) por meio da análise de um conjunto de indicadores socioeconômicos.

A questão norteadora levantada por Henriques (2001) foi verificar se o contingente de

pobres e indigentes no país estaria distribuído “democraticamente” entre os grupos de populações

definidos pelo IBGE. Constatou que há um perfil socioeconômico e racial diferenciado no que se

refere à pobreza no Brasil, distribuída de forma desproporcional quando se verifica a cor/raça.

Um exemplo usado para ilustrar tal afirmação foi que no ano de 1999, no Brasil, 70% dos 10%

mais pobres da população eram negros, constatando que ao se nascer negro no Brasil existe maior

probabilidade de se crescer pobre. Complementa que tal situação existe em razão de um

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Para um aprofundamento sobre as discussões acerca da identidade negra, consultar as obras de Kabengele

Munanga, como: Usos e Sentidos. São Paulo: Ática, 1986 e Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade

nacional versus identidade negra. Petrópolis: Vozes, 1999.

“embranquecimento” da riqueza decorrente da estrutura da distribuição da renda brasileira,

principal determinante da pobreza.

Henriques (2001) defende a ideia de que é necessário desnaturalizar a desigualdade racial

enraizada na sociedade por meio da adoção de uma agenda de pesquisa e na definição de políticas

públicas que levem em consideração a questão da desigualdade racial.

Segundo outros autores, um dos principais problemas que potencializam as desigualdades

sociais é a desigualdade educacional. Castro (2009) informa que, embora se tenha avançado nas

taxas de matriculas no ensino básico, o acúmulo de escolarização ainda é muito precário quando

se considera a cor/raça. No tocante a educação superior, há um acesso mais restrito ainda para

esses estamentos sociais.

O gráfico 2 indica as condições socioeconômicas, em particular a renda, como um fator

relevante no desempenho dos estudantes.

Gráfico 2: Taxa de frequência líquida na educação superior, segundo as faixas de renda

domiciliar per capita (2010) em %.

Fonte: Gráfico reproduzido de Corbucci (2014) com base nos microdados do censo demográfico (IBGE,

2010). Elaboração: Disoc/Ipea. Legenda: sm ( salário mínimo)

O gráfico 2 mostra que as faixas de salários mais baixas frequentam menos a educação

superior na idade considerada ideal para cursar esse nível de ensino (18 a 24 anos) denominado

de taxa de frequência líquida

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. Apenas 3,9% dos jovens com renda até um salário mínimo

acessam o ensino superior na idade recomendada. Na medida em que a renda domiciliar se eleva,

há uma ampliação no percentual de jovens dessa faixa etária que frequentam a educação superior.

Mais de 50% dos jovens com renda domiciliar per capita maior que 5 salários mínimos acessam à

universidade, mostrando um caráter elitista. Isso revela a ideia de Castro (2009), de que há um

acúmulo de escolarização desigual entre ricos e pobres. Como a maioria da população negra do

país sem encontra nas faixas salariais de menor rendimento, os jovens negros frequentam menos

o ensino superior. De acordo com Cobucci (2014), o acesso à educação superior, segundo a

cor/etnia, evidencia profundas desigualdades entre os jovens brasileiros. Os dados levantados por

meio do censo demográfico do IBGE, coletados em 2010, apontam que jovens pardos e pretos

têm desvantagens de 60% a 65% em relação a brancos.

Gráfico 3: Média de Anos de Estudo das Pessoas de 15 anos ou mais de idade, segundo

Cor/Raça - 1995 a 2012

Fonte: IPEA

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De acordo com o dicionário de Verbetes do Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente

(GESTRADO- UFMG), a taxa de freqüência líquida “É a razão entre o número total de matrículas de alunos com a

idade prevista para estar cursando um determinado nível e a população total da mesma faixa etária.Trata-se de um

indicador que tem como objetivo verificar o acesso ao sistema educacional daqueles que se encontram na idade

recomendada para cada um dos três níveis. Disponível em:

<http://www.gestrado.org/?pg=dicionario-verbetes&id=205> Acesso em: 17 jun. 2015.

Segundo o gráfico 3, embora ocorresse um crescimento do número de anos de

escolarização da população negra, ainda persiste uma situação desigual, em que grande parcela

dessas populações permanecem fora dos bancos universitários. Na última década os

levantamentos estatísticos efetuados pelo INEP vêm mostrando o aumento da população negra na

universidade. Considerando a população com idade entre 18 e 24 anos, a proporção de jovens

negros passou de 4% em 1997 para 19,8% em 2011 (GEA, 2012).