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CAPÍTULO III – A IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 12.711/2012 NA UFGD: O QUE MOSTRAM OS

3.5 Os desafios para a permanência dos cotistas

Após garantir o acesso dos cotistas à universidade, as questões que mais preocupam a

política de cotas são os desafios para a permanência dos cotistas na universidade. Como esclarece

Heringer (2013), existem diferenças de entendimento sobre o que é permanência e o que

assistência estudantil. As políticas de permanência são mais abrangentes, pois englobam aspectos

relacionados a diferentes formas de inserção pela universidade, inclusive os programas de

assistência. Já os programas de assistência se destinam àqueles em situação de maior

vulnerabilidade socioeconômica, o que pode comprometer o seu vínculo com a universidade. A

ajuda financeira, a moradia estudantil, o restaurante universitário e o vale transporte são

exemplos de programas de assistência que podem ser considerados mais emergentes, visto que

afetam os estudantes no seu “ir e vir” para a universidade.

A questão da permanência é debatida em duas frentes: uma refere-se à permanência

material e a outra é de caráter simbólico, segundo conceitos enunciados por Santos (2009).

Utilizando o conceito de Santos, a permanência material “[...] está associada às condições

materiais de existência e sobrevivência na universidade”. A questão financeira pesa muito na

permanência de muitos estudantes na universidade, visto que o custo com transporte,

alimentação e fotocópias é uma despesa que nem toda a família pode bancar. Se o curso for

integral, maior é a despesa, pois mais tempo do dia o estudante permanece na universidade. Para

os estudantes que não residem na cidade de Dourados, pesa, ainda, a despesa com moradia.

Muitos buscam a moradia estudantil ou adotam a estratégia de dividir apartamento com outros

estudantes para diminuir os custos. No caso da UFGD, muitos estudantes residem nos municípios

próximos a Dourados e se deslocam diariamente para universidade, tendo que arcar com os

custos de locomoção. Para aqueles cotistas que ingressaram com renda per capita inferior a um

salário mínimo e meio, são maiores os desafios para concluírem o curso.

Além das políticas de permanência material praticadas pelas universidades, existem as

práticas informais desenvolvidas pelos estudantes. Como bem lembra Santos (2009) entra em

cena diversas estratégias informais para permanecer na universidade ao nível material. Essas

estratégias podem ser individuais ou grupais. Sua pesquisa identificou as seguintes estratégias

materiais de permanência na UFBA: trazer alimento de casa, compartilhar transporte,

compartilhar material de estudo, acessar uma bolsa na universidade, buscar trabalho informal e

formal, procurar um estágio remunerado, vender doces ou salgados nas unidades acadêmicas,

ajuda financeira de parentes, entre outras, estratégias.

Já a permanência simbólica trata-se de identificação com os demais universitários, a

questão do pertencimento e ser reconhecido como parte do grupo (SANTOS, 2009). A reflexão

de Heringer (2013) ao se referir ao conceito de afiliação do sociólogo Alain Coulon, que analisou

o processo de adaptação e integração à vida universitária por parte de estudantes franceses, reflete

em parte, o processo que muitos cotistas na UFGD podem estar passando:

[...] afiliação é o processo através do qual o “aluno” passa à condição de

“estudante”, adquirindo, portanto, este novo status social, necessário para que

seja possível integrar-se plenamente no novo contexto e ter sucesso na sua

trajetória acadêmica. Isso significa apreender códigos, assimilar rotinas e

movimentar-se dentro de instituições até então desconhecidas (HERINGER,

2013, p. 83).

A permanência simbólica é um dos aspectos da permanência. Aqui o entendimento de

permanência, ganha uma maior amplitude, pois não se trata apenas de ingressar e concluir o

curso, mas passa pelo processo de formação do sujeito. Seria necessário empreender uma

pesquisa na UFGD para identificar as estratégias informais criadas pelos estudantes cotistas a fim

de se manter na universidade, como já enunciou Santos na UFBA (2009), quando apontou a

cooperação, o enfrentamento, a invisibilidade, a polarização, o desempenho acadêmico, e até o

branqueamento como táticas de permanência simbólica usadas pelos cotistas negros para

permanecer na universidade.

A entrevista realizada com a chefe do Núcleo de Estudos Afro-brasileiro (NEAB) detecta

os desafios, as fragilidades e os limites que a instituição vem enfrentando no processo de

implementação das cotas na UFGD. O NEAB é um órgão suplementar vinculado à Reitoria da

UFGD que atua nas áreas de ensino, pesquisa e extensão relacionadas à diversidade étnico-racial

e possui como uma de suas atribuições acompanhar a implementação das ações afirmativas na

instituição. De acordo com entrevista, a instituição ainda não possui uma ação destinada a

acompanhar a implementação da Lei 12.711/2012. Após garantir o acesso desses estudantes com

perfis socioeconômicos diferenciados, é necessário que se pense na permanência desses

estudantes.

[...] não há hoje uma política de acompanhamento específico desses ingressantes

cotistas. Nem negros, nem pardos nem indígenas. Para verificar como que ele

tem, a questão relacionada a desempenho acadêmico, uma adaptação relacionada

a cultura universitária (Chefe do Neab).

Como lembra a chefe do Neab, houve diferenciação no momento do acesso à

universidade por meio de cotas desse estudante, no entanto, quando ingressa na universidade não

recebe um olhar diferenciado no que concerne a sua permanência na universidade. “Ele é

diferenciado na hora de ingressar, mas dentro da universidade ele é igualado” (Chefe do Neab).

Há, portanto, “[...] necessidade de identificar esses cotistas, quais cursos frequentam, quantos são,

sua inserção nos programas de ensino, pesquisa e extensão, suas demandas por assistência

estudantil, se evadiram e por que evadiram, se há registro de permanência prolongada no curso

[...] É para verificar até que ponto a lei está sendo realmente implementada na forma como se

pensou” (chefe do Neab). Observa que a instituição poderia criar, a exemplo de outras IFEs, um

setor específico para acompanhar as cotas na universidade.

A entrevista com o presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) não foi muito

elucidadora para verificar quais são as reivindicações dos alunos cotistas para a melhoria das

ações afirmativas e quais delas são atendidas pela UFGD. De acordo com o entrevistado, não há

um espaço institucionalizado em que são discutidas as cotas, bem como nem mesmo existe um

espaço informal em que são realizados encontros dos estudantes, no qual poderiam ser

localizadas as suas reivindicações, como devem ser apresentadas e a quem devem ser

direcionadas e se foram atendidas. Informa que muitos estudantes com dificuldades financeiras

para se manterem na cidade de Dourados procuram o DCE, de forma individualizada, mas não

revelam se são ingressantes por cotas. Como pontua Santos (2009), o termo cotista é considerado

por muitos estudantes como pejorativo e repleto de signos excludentes. Os cotistas buscam de

forma individualizada acessar os programas de assistência estudantil da instituição por meio de

editais publicados pela Pró-reitoria de Assuntos Comunitários e Estudantis. É questionável até o

presente momento não ter se registrado a apresentação de demandas de cotistas ao DCE.

O presidente do DCE afirma, ainda, que nem nos espaços institucionalizados da UFGD,

como o Conselho Universitário (COUNI) esse tema é colocado em debate. O presidente também

vê a necessidade de se implantar um programa ou medidas destinadas somente aos cotistas na

UFGD, principalmente para os estudantes em situação de vulnerabilidade social. Na sua visão, a

UFGD ainda não desenvolveu nenhuma política ou tratamento diferenciado para cotistas no

interior da instituição. A situação mais crítica é com relação à integração dos acadêmicos

indígenas na vida acadêmica, em razão do forte preconceito que essas populações sofrem na

academia.

Os estudantes ingressos pelo sistema de reserva de vagas também encontraram inúmeras e

agudas dificuldades para permanecer no curso superior, tanto em nível material (recursos

financeiros) quanto no nível simbólico. Se até agora se garantiu a reserva de vagas, o que está

colocado agora como desafio é a permanência, que deve ser compreendida como uma política de

ação afirmativa (SANTOS, 2009).

Seria necessário empreender uma pesquisa na UFGD para identificar as estratégias

informais materiais e simbólicas criadas pelos estudantes cotistas a fim de se manter na

universidade.

No caso da UFGD, observa-se o registro de ações voltadas para a permanência com foco

na assistência estudantil. No entanto, em se tratando de permanência simbólica, não se registrou,

ao menos, nos documentos institucionais, alguma ação referente ao assunto. Como registra

Andrade (2015), embora a UFGD desenvolva diversas ações para possibilitar ao discente sua

permanência, essas ações devem se intensificar para garantir a permanência material e simbólica

desses estudantes.

A garantia do acesso já foi uma grande vitória, agora o combate é referente a necessidade

de se garantir a permanência. Essa será efetiva quando incluir aspectos da permanência material

e simbólica na busca de atingir uma justiça social. Conforme a reflexão de Sen (2011), a justiça

deve garantir que a origem socioeconômica e racial deixe de constituir obstáculos ao

desenvolvimento educativo dos indivíduos.

3.6. Como os documentos institucionais da UFGD expressam os objetivos para a melhoria