CAPÍTULO II - A IMPORTÂNCIA DAS COTAS RACIAIS E SOCIAIS COMO FATOR DE
2.3 A adoção das ações afirmativas: uma nova concepção de justiça social
A justificativa acerca da adoção de políticas compensatórias, diante das desigualdades
sociais e raciais marcam o campo educacional brasileiro, pode ser traduzida no pensamento do
filósofo americano John Rawls (1921-2002)
35. Embora esse pensador não tenha defendido
abertamente a adoção de ações afirmativas, suas ideias acerca dos princípios que devem reger
uma sociedade justa, chama a atenção para a necessidade de se adotar esse tipo de política.
Seu pensamento político causou grande impacto na filosofia política por propor uma
teoria de justiça, que conjuga dois valores, que a princípio, parecem inconciliáveis na sociedade
moderna: a liberdade e a igualdade. Rawls (1997) propõe uma teoria da justiça alicerçada no que
denomina como justiça com equidade. Sua intenção foi formular uma concepção de justiça que
fornecesse uma alternativa razoável ao utilitarismo
36. Partindo de uma questão norteadora que
acompanha a filosofia política desde a Modernidade, Rawls busca responder: o que é uma
sociedade justa? Quais princípios devem ser considerados prioritários?
Segundo Cherques (2011), Rawls construiu uma versão modernizada do contrato social,
visando à consolidação de um novo pacto que compensasse, sem tentar anular, as assimetrias
econômicas e sociais do mundo moderno, trazendo uma nova concepção de justiça social. Ao
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As referências aqui apresentadas são baseadas no Capítulo 1 – Justiça como equidade da obra Uma teoria de
Justiça de Jonh Rawls, publicada em 1971.
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O utilitarismo é considerada uma corrente do pensamento ético, político e econômico preconizada pelos ingleses
Jeremy Bentham e John Stuart Mill no sécs. XVIII e XIX. Alicerçada no principio que o fim de qualquer atividade
humana é "a maior felicidade possível, compartilhada pelo maior número de pessoas”, pois cada um deseja a
felicidade alheia porque ela está intimamente associada com a sua própria felicidade. Essa relação entre utilidade
individual e utilidade pública foi apropriada pelo liberalismo (ABBAGNANO, 1998). Assim, a justiça estaria
intimamente relacionada à ação do individuo em busca de seu próprio interesse. A finalidade das leis no principio
utilitarista teria como fim: fornecer a subsistência; produzir a abundância; favorecer a igualdade; e manter a
segurança (CARNOY, 1998).
conceber uma ideia de teoria de justiça, almejou elevar ao mais alto grau de abstração o conceito
tradicional do contrato social.
Diferentemente do contrato social proposto por Hobbes, em que os homens deixariam de
viver em um estado de natureza
37e renunciariam ao poder individual em favor de um soberano,
para que a sociedade não se degenerasse em morte e guerra, Rawls, parte de uma situação
hipotética análoga e propõe a fundação de novo contrato social, determinando como seria a
construção lógica de um contrato sobre os princípios equitativos (CHERQUES, 2011). Rawls
define quais os princípios que devem reger essa sociedade: igual liberdade para todos; maiores
benefícios possíveis aos menos favorecidos e justa igualdade de oportunidades. Rawls defende,
ainda, que a desigualdade só pode ser justa se os benefícios forem recompartilhados, para assim
gerar um equilíbrio. Entende que só é possível admitir diferenças quando existem mecanismos
para mitigar essa situação. Sua concepção vai ao encontro das condições que regem as ações
afirmativas:
b) [...] as desigualdades socioeconômicas só podem ser consideradas justas se
produzirem uma compensação, um reequilíbrio das situações, em especial para
os membros menos favorecidos da sociedade. De modo que as desigualdades,
para serem justas, obedecem a duas condições: propiciar o maior benefício aos
menos favorecidos e garantir o acesso a cargos e posições em condições
equitativas, isto é, em que as oportunidades e vantagens sejam acessíveis a
todos, igualando a atribuição de direitos e de deveres (CHERQUES, 2011,
p.554).
Assim, as ações afirmativas podem ser consideradas como uma compensação, com o fito
de reequilibrar a situação dos desfavorecidos. Ao se estabelecer cotas seja para o ingresso na
universidade ou para ocupar cargos públicos, se estabelece um tipo de vantagem ou oportunidade,
que irá promover benefícios aos menos desfavorecidos.
A igualdade de oportunidades deve ser assegurada pelas instituições
educacionais, políticas, etc., por ser vantajoso que todos possam concorrer em
igualdade de condições em um princípio não igualitário de distribuição de bens
básicos materiais, sociais, econômicos, poder (posição e cargo)
[...](CHERQUES, 2011, p. 556).
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