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A cobertura do ataque com lâmpadas fluorescentes na Avenida

3.2 A EXPLOSÃO DISCURSIVA SOBRE A HOMOFOBIA NA FSP

3.2.1 Os discursos sobre a realidade nacional (2010)

3.2.1.1 A cobertura do ataque com lâmpadas fluorescentes na Avenida

Em 15.11.10, o caderno Cotidiano de uma segunda-feira, repercute outro ataque homofóbico ocorrido na Avenida Paulista. Era o início da cobertura de um incidente cuja análise considerei estratégica no projeto da presente pesquisa, justamente por se tratar de caso típico de violência motivada por homofobia, com ampla repercussão nacional. Ainda na fase preliminar de seleção do material de pesquisa percebi nessas reportagens iniciadas com o fragmento abaixo a oportunidade de estabelecer um confronto, uma comparação dos discursos circulantes em torno da homofobia, ou seja, comparando o trato jornalístico dispensado pela FSP a este caso ocorrido em 2010, com o assassinato de Édson Néris no ano 2000.

O início da série se dá na capa da edição do dia 15.11.10 que destaca: "Grupo de classe média ataca 4 indica na av. Paulista", para logo a seguir informar que "Política diz ver indícios de homofobia em dois dos ataques":

Capa da edição de 15.11.10.

Chama a atenção a foto escolhida para a capa em que a face machucada e com curativos de um dos agredidos é mostrada em close, ao lado de um pequeno mapa com a localização de onde as agressões foram realizadas. O assunto abre o caderno Cotidiano, com a reportagem sob o mesmo título estampado na capa. A matéria não assinada informa que um grupo de cinco rapazes de classe média (quatro deles menores) realizaram uma série de ataques que, segundo a polícia, tiveram motivação homofóbica, com socos, chutes e bastões de luz (fluorescente) branca. As vozes ouvidas pela reportagem foram de testemunhas, policiais, vítimas (uma delas identificada como lavador de carros) e advogados dos acusados. A cobertura segue na página 8 do caderno, mais uma vez com uma foto de um dos agredidos:

Página C3.

A notícia principal traz um resumo "Parentes afirmam que agressões contra jovens não têm relação com homofobia e que filhos apenas se defenderam", em que pais e advogados dos agressores dão declarações de defesa. Outra vítima ouvida foi um estudante de dezoito anos que estava voltando de buffet onde havia trabalhado. O material relativo ao incidente dividido em três matérias disputa espaço com outras notícias: uma sobre a fuga de menores da ex-Febem e outra sobre a Parada LGBT realizada no domingo no Rio de Janeiro, com uma grande foto colorida em que um casal se beija debaixo da bandeira do arco-íris.

No dia seguinte, terça-feira, 16.11.10, o assunto mais uma vez recebe destaque de capa:

Capa de edição de 16.11.10

E página inteira no caderno Cotidiano correspondente, com a oposição de uma foto de três dos acusados no momento em que eles foram soltos pela polícia e outra (já utilizada na edição do dia anterior) de uma das vítimas:

A interlocução é mantida principalmente com o Tribunal de Justiça (cuja fonte não é revelada) e com o advogado dos acusados para o qual "[...] a decisão considerou que o crime não tinha relação com a homofobia e que os adolescentes têm famílias estáveis e não oferecem perigo para a sociedade se soltos" (grifo nosso), além de testemunhas.

Na quarta-feira, 17.11.10, o interesse de cunho policial ainda rende pauta específica na FSP, mais uma vez com breve chamada de capa. Mas, é no caderno Cotidiano que encontrei uma foto que em boa medida exprime o momento histórico que estou aqui a contar:

Imagem colhida da p. C5 da edição da FSP de 17.11.10, onde consta o crédito correspondente ao fotógrafo Luiz Guarnieri da Futura Press.

A reportagem correspondente é assinada por jornalista que ouve educadores, policiais que ainda falam com cautela em "indícios de homofobia", um advogado, e vítimas que reiteram que durante os ataques eram chamadas de "bichas":

Página C5 do caderno Cotidiano do dia 17.11.10.

A mesma página dá espaço à divulgação de uma nota do Tribunal de Justiça esclarecendo que, ao contrário do divulgado por um advogado e pela imprensa, a questão de ter havido motivação homofóbica ou não nos ataques, não foi considerada na decisão de soltar os acusados de agressão.

Em 20.11.10, sábado, a Folha volta à carga, novamente com uma pequena chamada de capa que divide espaço no canto esquerdo com notícia e foto sobre a Presidenta da República recém-eleita, conferindo grande destaque ao assunto:

Capa da edição do dia 20.11.10.

O caderno Cotidiano correspondente repercute a divulgação de novos testemunhos e de um vídeo em que um dos agressores ataca as vítimas com lâmpadas fluorescentes:

Os discursos relacionados com a homofobia são encampados por novos interlocutores que se somaram aos dos dias anteriores, como um deputado estadual que organizou uma manifestação contra a prática na própria Avenida Paulista, ato que foi retratado em fotografia enxertada no alto do lado direito da página e no qual foram colhidas assinaturas em apoio ao projeto de lei que criminaliza a homofobia.

Página C4 do caderno Cotidiano do dia 20.11.10.

A página D4 acima reproduzida traz duas matérias, sendo que a primeira relativa ao incidente paulista traz imagens do vídeo divulgado no exato momento em que o ataque com lâmpadas fluorescentes ocorreu. Nela o promotor da Infância e da Juventude, responsável pelo caso, dá entrevista. E na outra, produzida por jornalista colaborador do Rio de Janeiro, é retomado o caso envolvendo militares naquela cidade revelado dias antes. Apesar de ambas estarem relacionadas diretamente com a homofobia em momento algum os discursos encampados lançam mão da terminologia.

Poucos dias depois, em 10.12.10, sexta-feira, o jornal destaca outro ataque e, do lado esquerdo da folha, com uma série de fotos extraídas de

um vídeo, continua a explorar o caso do ataque com lâmpadas fluorescentes:

Página C9 do caderno Cotidiano do dia 10.12.10.

No particular cabe mencionar que, na realidade, o filtro realizado conduziu à entrevista do presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais enxertada na parte lateral da mesma página. A pesquisa deste material, no entanto, conduziu para a consideração da notícia secundária que constituiu o contexto imediato, a causa ensejadora das matérias, como visto acima. É nesta entrevista que a prática discursiva aparece onde o entrevistado afirma "As discussões do casamento gay e da criminalização da homofobia contribuíram com esse preconceito.", "Espero que essas imagens consigam sensibilizar as autoridades para a criminalização da homofobia" e "As pessoas acham que a homofobia é normal, que é briga de adolescente" (grifo nosso).

Para além das matérias de cunho policial a sucessão de incidentes acabar por motivar uma repetição de protestos como o noticiado no caderno Cotidiano de uma segunda-feira, 13.12.10, na forma de nota:

Recorte da p. 6 do caderno Cotidiano da edição do dia 13.12.10.

O evento ocorreu na frente de uma doceria em São Paulo, sendo que a cobertura teve por interlocutores os participantes do protesto, além de policiais. O discurso sobre a homofobia surge na legenda logo abaixo da foto chamativa. Na semana seguinte foi a vez de um ato defendendo a aprovação do projeto de criminalização da homofobia, conforme caderno Cotidiano do dia 22.12.10, quarta-feira, com grande destaque:

Página C4.

A reportagem feita por jornalista local dá voz a lideranças do movimento LGBT organizadores do ato e 6 especialistas de direito constitucional para os quais o projeto de lei é constitucional e não compromete o direito de liberdade de expressão, sendo que a própria Constituição prevê a tomada de medidas legais contra a discriminação e o preconceito. O material comporta o seguinte quadro explicativo: