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1.2 A S " ONDAS " DO MOVIMENTO HOMOSSEXUAL NO B RASIL

1.2.4 A quarta "onda" (anos 2000-2010)

Iran Ferreira de Melo (2013, p. 149-150) propõe um quarta "onda" para a história do movimento LGBT brasileiro, situando que a contar dos anos 2000 assim como há uma maior visibilidade e politização em torno de suas bandeiras de luta, por outro lado recrudescem as respostas de intolerância por parte de segmentos religiosos e conservadores da sociedade. Apesar de alguns retrocessos e das dificuldades em se avançar em projetos de lei como o que criminaliza práticas homofóbicas, o período foi marcado por conquistas históricas.

Felipe Bruno Martins Fernandes (2011) situa que para a grande maioria dos pesquisadores sociais e também para os movimentos LGBT, o período do Governo Lula que teve início no ano de 200338 representou um avanço das políticas públicas no Brasil no que diz respeito às estratégias de combate à homofobia, a promoção dos direitos sexuais e reprodutivos. Faz tal registro, no entanto, alertando para a necessidade de não se perder de vista o papel dos movimentos sociais como "agentes ativos" não só na elaboração como também na implementação daquelas políticas públicas (FERNANDES, 2011, p. 83).

Não obstante as reflexões e críticas que tal período da história brasileira ainda está a merecer, não há como negar que durante a gestão Lula iniciativas de grande repercussão e alcance foram tomadas pelo governo federal39, em uma estreita parceria com a agenda e os desafios enfrentados pelo Movimento LGBT. Uma das mais importantes foi o lançamento no ano de 2004 do plano "Brasil sem Homofobia: programa de combate à violência e à discriminação contra LGBT e de promoção à cidadania homossexual". Vinculado a Secretaria Especial de Direitos Humanos o programa consistia em um conjunto de 53 ações destinadas a: i) apoiar projetos de fortalecimento de instituições públicas e não governamentais que atuam na

38 Ano em que foi criada a Secretaria Especial para as Mulheres vinculada à Presidência da República.

39 Como, por exemplo, o reconhecimento por parte do Instituto Nacional de Previdência Social do direito do (a) companheiro (a) homossexual de inscrição na condição de dependente no regime geral da previdência social; a aceitação pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária de um casal de lésbicas para fins de inscrição num programa de reforma agrária, ocorrido em 2007; além de inúmeras decisões judiciais proferidas durante a década reconhecendo o direito à guarda e tutela de crianças por casais homossexuais, dentre outros (MELO, 2013, p. 162-163).

promoção da cidadania homossexual ou no combate à homofobia; ii) capacitar profissionais e representantes do movimento homossexual que atuam na defesa de direitos humanos; iii) disseminar informações sobre direitos e de promoção da auto-estima homossexual; e incentivar a denúncia de violações dos direitos humanos do segmento GLBT (RAMOS, 2005, p. 31).

A novidade não se restringia ao conteúdo do programa, mas a própria forma como o mesmo foi concebido e estruturado, mediante um estreito diálogo e parceria com movimento LGBT, que a partir de seus encontros nacionais forneceu os principais pontos de uma pauta LGBT para o governo Lula (FERNANDES, 2011, p. 94-104). Para além dos tradicionais campos de atuação do Estado, nas áreas de Segurança (em casos de violência letal) e de Saúde Pública, o programa lançado assume a responsabilidade pela implementação e gestão de políticas públicas voltadas às comunidades LGBT, nas mais diferentes áreas, em um esforço que se irradia a partir da área educacional, mas que envolve a atuação conjunta e transversal de diferentes ministérios (FERNANDES, 2011, p. 74-76).

Em 2008 se dá outra iniciativa de grande repercussão já que foi realizada a Primeira Conferência Nacional LGBT, convocada por um presidente da república, em Brasília, com o tema "Direitos Humanos e Políticas Públicas: o caminho para garantir a cidadania de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais". No dizer de Iran Ferreira de Melo o encontro constituiu um marco histórico, político e simbólico eis que "representou a absorção da agenda da diversidade sexual e dos direitos humanos LGBT por parte do Estado brasileiro" (MELO, 2013, p. 154- 155). As decisões tomadas durante a Conferência foram integradas ao Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT, o qual fez parte do Programa Nacional de Direitos Humanos lançado pelo governo Federal em maio de 2009.

Ainda nos idos de 2010 durante a campanha presidencial, os dois candidatos selecionados no primeiro turno, José Serra do PDSB - Partido Democrático Socialista Brasileiro e Dilma Rousseff, do PT - Partido dos Trabalhadores, manifestaram-se sobre temas como o aborto e o projeto de criminalização da homofobia com um viés moralista e conservador. No dia 15 de outubro de 2010, a então candidata que veio a ser eleita a primeira presidenta da República do Brasil quinze dias depois, divulgou

nota em que, dentre outros pontos, declarou-se pessoalmente contra o aborto, além de comprometer-se no futuro a vetar disposições legislativas que, no intuito de criminalizar a homofobia, no seu dizer, pudessem comprometer o direito de livre expressão de crença religiosa40. Na esteira daquele posicionamento analistas têm apontado a timidez e a dificuldade do Governo Dilma em transformar incipientes políticas públicas em políticas efetivas de atuação do Estado na promoção da cidadania LGBT, com destaque para o desafio do combate à homofobia (MELLO; AVELAR; MAROJA, 2012).

Atento ao recorte final proposto encerro, assim, um resumo da história do movimento LGBT brasileiro, nem de longe com a pretensão de esgotar as possibilidades que a temática oferece, procurando reunir os elementos indispensáveis para uma condução do trabalho e uma melhor compreensão da história recente da constituição dos discursos em torno da homofobia no Brasil, como uma demanda social.

40 Como noticiado pelo jornal Folha de São Paulo de 16.10.10, p. A 10. Disponível no endereço eletrônico:

2 DISCURSOS RESTRITOS?

O questionamento contido no título proposto ao capítulo procura fomentar a necessária problematização do alcance conquistado pela difusão discursiva patrocinada pela FSP. Ao mesmo tempo, indica que neste espaço tenho por objetivo analisar como os discursos sobre a homofobia surgiram e se propagaram na FSP.

Para tanto em um primeiro momento traço uma curta história do jornal, com interesse nos seus processos de produção, distribuição e consumo; para depois esboçar um perfil de seus leitores. Num terceiro momento, explico como se deu a definição dos dois períodos considerados na pesquisa, ou seja, de 1986 a 2003 e de 2004 a 2011, explorando logo a seguir o primeiro, com a consideração das fases de surgimento (1986-1993) e difusão (1994-2003) dos discursos sobre a homofobia. Por fim, dedico um espaço apartado à série de reportagens sobre o assassinato de Edson Néris da Silva, que ocorreu em fevereiro de 2000.

2.1 O JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO.UM POUCO DE