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Há menos de três anos os brasileiros viram as sazonais campanhas contra dengue e notícias sobre números de casos da doença cederem espaço para materiais sobre duas novas doenças e o aumento de uma mal formação congênita, em especial em bebês de Pernambuco, estado do Nordeste brasileiro. O elevado número de casos de dengue, chikungunya e Zika, fez com que o Ministério da Saúde declarasse situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) em 11 novembro de 2015. O mecanismo está previsto em lei para casos que demandem medidas urgentes de prevenção, controle e contenção de riscos, danos e agravos à saúde pública.

No Brasil ocorrem epidemias de dengue desde 1986. A chikungunya foi identificada no país pela primeira vez em setembro de 2014. Casos de Zika, por sua vez, foram confirmados em maio de 2015 e a sua relação com a microcefalia foi comprovada no dia 28 de novembro (VALLE, PIMENTA e AGUIAR, 2016; BRASIL, 2017). O estudo de Aguiar e Araújo (2016) traçou uma linha do tempo com os principais pontos da escalada de atenção sobre o vírus Zika na mídia brasileira em 2015, incluindo a cobertura midiática e os anúncios oficiais (Figura 7).

A análise das autoras promove reflexões recorrentes no âmbito da Comunicação em Saúde como: silenciamentos; espetacularização; responsabilização e estigmatização das vítimas; limitações e tempos diferentes da ciência e da mídia; a novidade da contraposição de fontes que geralmente possuem fonte única na ciência; a sensação de medo e risco, que foi além do noticiário devido à incerteza científica; boatos e fake news que descredibilizaram instituições e ações na saúde pública; o mercado de anúncios de laboratórios e indústrias cosmética e farmacêutica nas páginas dos jornais; a ínfima presença de vozes populares e a persistente e principal presença de especialistas e gestores como fontes; dentre outras (AGUIAR e ARAÚJO, 2016).

O fato é que com o surgimento da febre chikungunya a partir de 2014 e do vírus Zika e a relação dele com o aumento de casos de microcefalia em bebês cujas mães foram infectadas, viu-se um aumento significativo de campanhas audiovisuais – principalmente no final de 2015 e decorrer de 2016 – contra o vetor das referidas arboviroses, o mosquito Aedes aegypti. O investimento chegou próximo de R$ 88

milhões somente nos anos de 2016 e 2017, conforme relatório de investimentos feitos pelo Ministério da Saúde divulgados no site da pasta.

Segundo Documento de posição sobre a tríplice epidemia de Zika-Dengue- Chikungunya do Observatório de Análise Política em Saúde de abril de 2016, muitas são as razões que explicam as dificuldades de controle da dengue e outras arboviroses transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti. Dentre elas, os autores pontuam:

“[...] as ações não são implementadas de acordo com o número de ciclos anuais (6 ou pelo menos 5) preconizado, não alcançando o universo dos domicílios (seja por problemas operacionais afetos às insuficiências dos serviços de saúde, pelas dificuldades de acesso aos domicílios e comunidades, complexidade das malhas urbanas das cidades modernas, etc); a inadequada infraestrutura de saneamento das cidades favorece o acúmulo de lixo e o armazenamento de água para consumo humano em vasilhas e tanques descobertos; a resistência dos vetores aos inseticidas/larvicidas; pouca participação da população; inadequação das estratégias pedagógicas e de comunicação, resultando em pouca mobilização das populações no sentido de manter o ambiente livre de focos do mosquito”, (Santos et al, 2016, não paginado) [grifos nossos].

A declaração de Espin no fim de 2015, a declaração de Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (Espii) feita em fevereiro de 2016 pelo Comitê de Emergência da Organização Mundial da Saúde (OMS) e a cobertura midiática nacional e internacional quanto ao tema demonstraram a “emergência” e o “risco” da situação. Como será visto na descrição e resultados desta pesquisa, o Governo Federal, por meio da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, adotou a linguagem que informava e tentava comunicar o respectivo risco.

É oportuno, antes dessa descrição, promover algumas reflexões sobre a comunicação de riscos, em situação de risco e ou de crise. A OMS utiliza uma abordagem multidisciplinar que integra estratégias e táticas de comunicação e engajamento que inclui, mas não se limita somente aos meios de comunicação de massa, mídias sociais, campanhas de conscientização, promoção de saúde, envolvimento de partes interessadas, mobilização social e engajamento comunitário.

O grupo de trabalho de comunicação do Regulamento Sanitário Internacional (RSI) da OMS define Comunicação dos Riscos como processo de troca de informação em tempo real, aconselhamento e pareceres entre peritos ou funcionários públicos e pessoas cuja sobrevivência, saúde ou bem-estar econômico ou social estejam sob ameaça. Seu objetivo é contribuir para que as pessoas em situação de risco sejam capazes de tomar decisões informadas para diminuir os efeitos da ameaça, bem como

adotem medidas adequadas para se prevenir, buscando mudanças de comportamento positivas e mantendo a confiança.

Muito da eficácia da comunicação do risco depende das percepções que as pessoas têm sobre “risco”, “ameaça”, “perigo” e similares. Via de regra, essas percepções são diferentes quando envolvem especialistas e a comunidade em geral. No que se refere aos especialistas, está diretamente relacionada a estatísticas epidemiológicas. Já em relação à população é muito mais complexa, pois envolve emoções, valores, experiências e consequências esperadas; processos psicológicos e cognitivos; riscos percebidos intui e institivamente por meio da ciência ou, das construções sociais. ‘Quem comunica’ e ‘como comunica’ também influenciam a percepção (ALMEIDA, 2007; RANGEL, 2007; GAMHEWAGE, 2014; OPAS, 2016).

Conforme Almeida (2007), os estudos sobre Comunicação dos Riscos datam de 1969, mas foi nos anos de 1980, com abordagens sobre a percepção dos riscos, que se desenvolveram, quase que exclusivamente, nos Estados Unidos. Rangel (2007) confirma a data e pontua que a Comunicação dos Riscos surgiu como uma estratégia elaborada por indústrias e órgãos governamentais dos Estados Unidos para lidar com riscos ambientais e ocupacionais, com o objetivo de informar sobre riscos à segurança e à saúde aos quais as pessoas estavam expostas. Ou seja, voltada para acidentes. Ainda de acordo com a pesquisadora, nos países em desenvolvimento, ela desponta como uma necessidade de regulamentação sanitária, para proteger e promover interesses sanitários e ambientais da população.

O estudo de Almeida (2007) traz explicações importantes quanto as diferenças entre comunicação do risco, da crise e em situação de risco ou crise. A primeira consiste no processo de capacitação para tomada de decisão, de forma antecipatória, numa discussão sobre um problema adverso e a probabilidade da sua ocorrência. Já a comunicação da crise, aplica-se tipicamente a organizações que enfrentam situações inesperadas que podem causar repercussões negativas à sua reputação e, justamente por isso, precisam de explicação urgente.

Ainda segundo o autor, a comunicação em situação de crise ou de emergência integra a urgência da comunicação dos fatos e dos riscos às partes interessadas. Segundo ele, esta difere-se da comunicação da crise porque, na situação adversa, o comunicador se limita à atuação como especialista para resolvê-la e não como participante dela.

Figura 7– Zika na mídia e em anúncios oficiais do MS em 2015.

Na literatura sobre o tema, observa-se a existência de muitas referências baseadas em manuais, principalmente nos da OMS e do Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos EUA. A própria Parvanta (2010) aborda o tema, mas num formato bastante próximo ao de manuais, de forma imperativa e com passo a passo. Lindenmeyer e Martins (2015) fizeram uma análise do discurso dos organismos internacionais sobre Comunicação em Saúde na situação de emergência e desastre a partir de dois manuais produzidos pelas OMS e pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). As autoras indicam que a lógica dos manuais é intervencionista e inclina-se à exclusão das desigualdades sociais. Para ela,

“[...] há uma desconexão entre a emergência e o desastre e a vida social; uma legitimação da desigualdade inter-nações; uma desresponsabilização do Estado nacional em relação às condições sociais de saúde desumanas; e uma perspectiva linear e instrumental da comunicação”, (Lindenmeyer e Martins, 2015, p. 299).

Esta situação vai de encontro às diretrizes para construção de confiança entre as diversas partes envolvidas no processo, principalmente com a imprensa e a população. Afinal, conforme demonstrado por Almeida (2007), a Comunicação do Risco inclui a informação, mas também a conversação de complexidades como a natureza, gravidade e aceitabilidade do risco; de incertezas associadas ao processo de avaliação e gestão desse risco e, ainda, do campo científico. Este último, muito relacionado à necessidade de fazer essa comunicação também com conselhos relativos a atitudes e comportamentos que reduzirão as ameaças e contribuirão com o controle e o alarme social.

A sistematização feita por Rangel (2007) aborda aspectos conceituais e metodológicos, bem como os desafios de aplicá-la na proteção à saúde. A autora evidencia, a partir da crítica à Comunicação de Risco, que, para o controle dos riscos e a promoçãoda saúde, o desafio é harmonizar estratégias que levem em conta os hiatos quanto à compreensão dos processos comunicacionais e os recursos teórico- metodológicos das contribuições para uma comunicação política e culturalmente sensível.

Mas afinal, com relação à dengue, chikungunya e Zika, cabe afirmar que precisam da comunicação de riscos? Sim, afinal, tratam-se de doenças responsáveis por epidemias em diversos países, principalmente os de clima tropical, transmitidas por insetos artrópodes. Especificamente quanto à dengue, chikungunya e Zika, o vetor é o mosquito Aedes, o aegypti e/ou o albopictus, os quais coexistem em diversos

países e têm distribuição principalmente urbana. As duas espécies são invasivas no Brasil e juntas ocupam 99% do território brasileiro, colocando todo o país sob risco de infecção (MADARIAGA, TICONA e RESURRECION, 2016).

Conhecida pelos brasileiros desde o fim do século XIX e, conforme Lima Neto

et al (2016), a dengue é responsável pelo maior número de casos e mortes no mundo.

Os autores destacam que a expansão da doença, devido a sua incidência e expansão geográfica, impressiona, pois no final dos anos de 1960 apenas nove países registraram surtos com transmissão autóctone, ou seja, que teve origem onde foi diagnosticada. Ainda de acordo com Lima Neto et al (2016), em 2016, a dengue causou endemias em mais de 120 países, com estimativa de 100 milhões de casos a cada ano, sendo que o Brasil responde por cerca de 70% do total de casos notificados nas Américas.

A doença, no entanto, deixou de ser a única preocupação da população brasileira a partir de 2014, pois duas outras arboviroses passaram a aterrorizar o país e o mundo, a febre chikungunya e o Zika vírus (LOBATO, 2015). Transmitidas pelo mesmo inseto, o primeiro caso foi registrado no Brasil em setembro de 2014 (VALLE, PIMENTA e AGUIAR, 2016). Os primeiros casos da doença, porém, foram reportados na década de 1950 no continente africano.

O vírus Zika, por sua vez, foi confirmado em 2015. Todavia, é provável que já circulasse no país desde 2013 – ano da Copa das Confederações – e tenha passado despercebido porque cerca de 80% das infecções são assintomáticas (COSTA- VASCONCELOS, 2017; OPAS, 2017). O alerta veio com a relação do vírus e os casos de microcefalia, confirmada em novembro de 2015. Conforme Pimenta e Nunes (2016), considerada inicialmente como uma doença ‘branda’, não chamou atenção do setor saúde e dos políticos até ser associada a complicações neurológicas, tornando- se uma ‘emergência’ no Brasil e no mundo.

ITINERÁRIOS

METODOLÓGICOS

3 ITINERÁRIOS METODOLÓGICOS

O paradigma metodológico que guia esta pesquisa é o compreensivo- interpretativo. Segundo Minayo (2000), essa corrente teórica responde questões qualitativas e coloca a compreensão da realidade humana vivida socialmente como tarefa central. Suas bases teórico-metodológicas foram desenvolvidas por Max Weber e o marco para essa corrente foi a definição de Sociologia feita pelo autor:

"É uma ciência que se preocupa com a compreensão interpretativa da ação social para chegar a explicação causal de seu curso e de seus efeitos. Em 'ação' está incluído todo o comportamento humano quando e até onde a ação individual lhe atribui um significado subjetivo. A 'ação' neste sentido pode ser tanto aberta quanto subjetiva. (...) A 'ação' é social quando, em virtude do significado subjetivo atribuído a ela pelos indivíduos, leva em conta o comportamento dos outros e é orientada por ele na sua realização", (Weber,1964, p. 33 apud Minayo, 2000, p. 50).

Desse modo, investiga a exploração das expressões humanas presentes nas relações, nos sujeitos e nas representações. Refere-se também à vida das pessoas e lida com “[...] o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis”, bem como “[...] aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas”,(Minayo 2013, p. 21-22).

De natureza aplicada, busca produzir conhecimentos dirigidos à gestão da Comunicação em Saúde e à utilização de materiais audiovisuais na prevenção e controle das arboviroses dengue, chikungunya e Zika. O caminho trilhado no processo de investigação considerou a linha de raciocínio que “fornece bases para uma interpretação dinâmica e totalizante da realidade, já que estabelece que os fatos sociais não podem ser entendidos quando considerados isoladamente, abstraídos de suas influências políticas, econômicas, culturais”, (Gil, 2008, p. 14), dentre outras.

Trata-se de um estudo que envolve objetivos descritivos, pois expõe as características dos vídeos produzidos e veiculados pelo Ministério da Saúde entre os anos 2014 e 2017 sobre dengue, chikungunya e Zika e as referidas estratégias e ações utilizadas pela pasta. A investigação possui também propósitos explicativos ao buscar a identificação de fatores que levam a gestão a utilizar tais estratégias, inclusive a partir da compreensão e avaliação das pessoas de quatro diferentes regiões do país.