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A COMUNICAÇÃO PÚBLICA COMO PROCESSO DE FORTALECIMENTO DA

5. A COMUNICAÇÃO PÚBLICA NA MEDIAÇÃO ENTRE O NOVO RECEPTOR E A

6.2 A COMUNICAÇÃO PÚBLICA COMO PROCESSO DE FORTALECIMENTO DA

A partir destas várias óticas da comunicação pública, apresentadas e defendidas por diferentes autores, a proposta que compartilhamos concebe-se, ideal e eticamente, como prática, cuja natureza aberta e democrática possibilita vez e voz a todos os participantes da esfera pública, igualitariamente, utilizando-se de procedimentos generalizados e não restritivos de comunicação. Assim, a comunicação pública possui uma característica emancipatória, pois estimula a autonomia dos sujeitos que nela interagem, frente à recepção e produção dos meios de comunicação. Desse modo, é uma via de mão dupla, pautada na comunhão entre sujeitos iguais que participam e transformam seu próprio contexto, dialeticamente. Este envolvimento gera compromisso e amadurecimento do espaço público e de seus membros, bem como, dos profissionais que atuam em seu âmbito, num processo de construção democrática de longo prazo.

Acreditamos que trazer tais reflexões ontológicas ao processo de formação conceitual da comunicação pública em curso é fundamental para que se possa concretizar uma práxis voltada à formação de sujeitos coletivos (públicos) capazes de intervir na realidade, transformando-a. Participar de um projeto social, assim, é ser capaz de proporcionar um salto de qualidade e de liberdade do homem, com base em uma perspectiva coletiva.

Castells (2009) chama a atenção para o papel da comunicação na construção da democracia, como forma de mediação entre os interesses do Estado e da sociedade na esfera pública, para que tais interesses possam ser compartilhados e legitimados por meio de uma democracia representativa. A comunicação possibilita que os diferentes pontos de vista sejam trazidos para a esfera pública e debatidos, sendo o espaço público imprescindível à existência da

democracia:

Cuando hay uma separación entre um estado intervencionista y uma sociedad civil crítica, el espacio público se desmorona, suprimiendo la esfera intermedia entre el aparato administrativo y los ciudadanos. (CASTELLS, 2009, p. 36).

Para o autor (CASTELLS, 2009, p. 36), a estabilidade de um estado democrático se mede pela capacidade de empoderamento de organização da sociedade civil na esfera pública, que é onde se expressam e debatem os diferentes pontos de vista: “es lo que garantiza la democracia y, em última instancia, crea las condiciones para el ejercicio legítimo del poder”.

A comunicação possibilita a visibilidade da identidade dos diferentes grupos e de sua inclusão na nova esfera pública, cujo debate se dá entre forças conflitivas e diversas e é fundamental para o amadurecimento da democracia. Por meio do acesso à informação sobre a realidade em que vive, o indivíduo torna-se sujeito de sua história, capaz de transformá-la, o que é possível somente quando este discute e se organiza em grupos que questionam e interferem sobre questões de interesse público e coletivo. Este nó coletivo é capaz de fortalecer a esfera pública, pela defesa dos interesses públicos, e a cidadania, num processo contínuo, fecundo e consciente a respeito de conquistas coletivas.

A participação da sociedade civil na esfera pública da modernidade é fruto de uma dimensão de cidadania que, a cada dia, incorpora valores sócio- democráticos e de participação pública. Para Kunsch:

O papel preponderante da sociedade civil é influenciar a mudança do status

quo, do poder do Estado e do mercado, para atender às demandas das

necessidades emergentes locais, nacionais, regionais e globais. Em uma perspectiva mais clássica, é a luta pela conquista dos direitos à cidadania, da justiça e dos valores sociais. (KUNSCH, 2007, p. 60).

A comunicação pública apresenta-se como a mídia capaz de promover tal inserção da comunidade nesta esfera pública de debate, por meio de uma linguagem acessível ao cidadão, que é seu sujeito coletivo. As sociedades democráticas modernas têm como princípio norteador a proteção do homem em sua dignidade. Este parâmetro é uma herança das sociedades democráticas do século XX, com base na Declaração dos Direitos Humanos (1948). Conforme Toro e Werneck (2007), esta Declaração sintetiza, num só documento, a preocupação de vários países em preservar a dignidade humana como um bem superior até mesmo

em relação a questões econômicas, étnicas e culturais; afinal, é esta dignidade o alicerce para o enfrentamento das diversidades e o meio de construção de tolerâncias no mundo da vida. No entanto, o pressuposto básico desta cidadania é o reconhecimento deste direito que, no Brasil, ainda é inacessível a muitos, conforme os autores:

No Brasil, ao incorporarmos aos direitos garantidos na nossa Constituição a integra da Declaração Universal dos Direitos Humanos (Título II- Dos Direitos Fundamentais, artigo 5º) e declararmos a dignidade humana como um dos fundamentos de nossa ação e de nosso modelo de democracia, nos comprometemos com a formulação de um projeto de desenvolvimento que não seja exclusivamente econômico, mas que seja baseado nos Direitos Humanos e que contribua para transformá-los de projeto ético em projeto público, em uma visão de mundo, um discurso, uma decisão e uma ação (TORO; WERNECK, 2007, p. 22).

Segundo Toro e Werneck (2007), é fundamental a compreensão de que a democracia não se institui por decreto, de cima para baixo, mas é fruto de uma construção do cidadão que participa das discussões que são próprias da sociedade, em busca de um entendimento. Numa sociedade democrática, os conflitos e suas negociações fazem parte de sua natureza, pois é a forma como os cidadãos se posicionam frente a eles que lhes dá um sentido democrático. As decisões não são outorgadas por um decreto, mas fruto de discussões do cidadão na esfera pública.

O Brasil caminha na construção de uma sociedade democrática, que, embora recente, já apresenta resultados concretos, como, por exemplo, a ‘Lei da Ficha Limpa’ (lei complementar nº135, de 2010), elaborada a partir de uma organização popular. Esta foi uma vitória da sociedade civil, que se mobilizou nas várias partes do país, para “tornar inelegível o candidato político que tivesse alguma condenação judicial” (NOVELLI, 2011 p. 248). Este movimento expressou um sentimento de indignação da população em relação à corrupção na política e exigiu a candidatura de pessoas idôneas para representá-la no cenário político nacional, em todas as instâncias: municipal, estadual e federal. Tratou-se de uma expressão legítima do cidadão junto a seus representantes, no caso, o legislativo, responsável pela aprovação e regulação das leis brasileiras, que, ao final, rendeu-se às manifestações públicas. Esta lei teve um significado simbólico muito importante para o fortalecimento da cidadania no Brasil, pois evidenciou o poder da mobilização popular e a expressão da consciência do cidadão transformada em ação. Segundo Toro e Werneck:

A partir do conceito de democracia define-se o conceito de cidadão. Para muitos, o cidadão seria aquele que vota. Mas o voto, apesar de ser um direito do cidadão, não é o que o define como tal. Cidadão é a pessoa capaz de criar ou transformar, com os outros, a ordem social, a quem cabe cumprir e proteger as leis que ele mesmo ajudou a criar (TORO; WERNECK, 2007, p. 21).

O cidadão é, sem dúvida, este sujeito público, ética e historicamente comprometido com seu espaço público. Quanto mais este espaço público de intervenção social se amplia, mais a democracia se torna diária na vida do cidadão, como fundamento básico de sua prática social de relacionamento.

A esfera pública é, essencialmente, o espaço para onde se dirigem as diferentes experiências quotidianas de vida, cujo público é formado por pessoas privadas que trazem suas frustrações e desejos em relação aos mais diversos temas da atualidade. Este sujeito reconhece o espaço público como sua esfera de empoderamento, por meio da organização coletiva, que se ancora no mundo da vida via procedimentos comunicativos que vão dos mais simples aos mais complexos, porém, acessíveis a todos. São estes, finalmente, os novos atores da esfera pública das sociedades democráticas, que estão “antenados”, segundo Habermas (1997), às temáticas públicas da atualidade, mobilizando-se e reivindicando melhorias. É precisamente neste sentido que o público passa a ser respeitado em sua autonomia:

Os papéis de ator, que se multiplicam e se profissionalizam cada vez mais através da complexidade organizacional, e o alcance da mídia, têm diferentes chances de influência. Porém, a influência política que os atores obtêm sobre a comunicação pública, tem que apoiar-se, em última instância, na ressonância ou, mais precisamente, no assentimento de um público de leigos que possui os mesmos direitos. O público dos sujeitos privados tem que ser convencido através de contribuições compreensíveis e interessantes sobre temas que elas sentem como relevantes. O público possui esta autoridade, uma vez que é constitutivo para a estrutura interna da esfera pública, na qual atores podem aparecer (HABERMAS: 1997, p. 96).

Uma das entrevistadas, na pesquisa empírica desta tese, expressou seu sentimento de frustração em relação aos serviços públicos oferecidos à sociedade brasileira, que causam muito sofrimento. Este sentimento, em última instância, é o que mobiliza a sociedade civil na esfera pública a buscar meios de transformar a realidade:

é uma luta desigual, porque não existe vontade política. Ex: os médicos não respeitam os pacientes, existe o conflito entre a população e o profissional, exigindo respeito, mas o lado mais forte vence. Hoje, não há médicos no Posto de Saúde o suficiente para atender toda a demanda. Tanto os médicos quanto os professores têm medo de vir trabalhar no União da Vitória, em função do preconceito (Célia: rede de políticas públicas, rede de

atores e sujeitos sociais e políticos; rede de pertencimento; rede movimentalista. Pioneira).

Entretanto, apesar do desconforto gerado pela situação, esta senhora de quase 70 anos, participante ativa dos movimentos sociais, acredita no poder da mobilização. Tanto é verdade que, no episódio que envolveu a Escola Thiago Terra (vide Anexo A), objeto de análise desta pesquisa empírica, partiu dela e de outra pioneira a iniciativa de reunir a população em sua casa com o objetivo de encontrar soluções para o problema. Em sua avaliação, é preciso que a comunidade esteja consciente de seus direitos para que possa reivindicá-los:

em minha opinião, é necessária a realização de palestras sobre os direitos da população, de capacitação de lideranças, que podem ser formadas a partir do entendimento da população sobre seus direitos, a comunidade não sabe dos seus direitos (Célia: rede de políticas públicas, rede de atores e sujeitos sociais e políticos; rede de pertencimento; rede movimentalista. Pioneira).

Segundo a pioneira que liderou, juntamente com Célia, os encontros para a resolução da questão relativa à escola, a mobilização popular é o único meio para se mudar a sociedade: as coisas só acontecem quando vamos à luta, pois se

depender do governo não acontece (Aparecida : rede de políticas públicas, rede de

atores e sujeitos sociais e políticos; rede de pertencimento; rede movimentalista. Pioneira).

Este caráter, ao mesmo tempo “agonístico” e argumentativo (ESTEVES, 2011), do público participante da esfera pública, é que dá vitalidade e continuidade ao processo genuíno de formação e autonomia deste público como cidadão da sociedade civil. Trata-se de um sujeito coletivo, cujos elos de fortalecimento são a consciência de seu poder de organização coletiva e os princípios normativos da comunicação pública disponíveis a todos os cidadãos. Segundo Esteves:

Em termos práticos e a nível da vida pública, a comunicação é o meio através do qual são processadas as exigências de legitimidade no que a uma justificação dos actos do poder diz respeito; à partida, por parte de todos aqueles a quem esses mesmos actos se dirigem, pelo que a comunicação pública actua como um médium por excelência de cidadania, colocado à disposição do conjunto da sociedade – dos destinatários em geral dos actos de governação, ou seja, de todo e qualquer indivíduo que apresente condições para fazer uso de sua própria razão (ESTEVES, 2011, p. 202).

Consideramos importante ressaltar que todo este processo de participação do cidadão na esfera pública depende, necessariamente, da consciência deste sobre seu papel e poder enquanto cidadão. Gomes e Maia (2008) avaliam que o Estado brasileiro, baseado na representação política dos cidadãos, tem se configurado como um modelo gerador de certa acomodação por parte destes em relação a deliberações sobre assuntos de interesse público. Os autores apontam tal situação como um viés da democracia representativa, pois os representados delegam aos representantes a responsabilidade de tomar as decisões políticas necessárias para a condução da sociedade.

Entretanto, os autores acreditam que o novo público, que vem se organizando no século XXI, tem percebido a necessidade de se posicionar nas diferentes instâncias deliberativas, tais como associações de moradores e comitês, com representações locais e até globalizadas. Não importa a dimensão, o público deste século tem percebido suas possibilidades e a necessidade de se inserir no processo de deliberação pública. Vale salientar, porém, que o caráter normativo do púbico deve sempre ser percebido numa dimensão sócio-histórica e ético-política, caso contrário, perde-se o bonde da história, cuja direção está voltada para a garantia da participação cidadã na esfera pública brasileira. Nesse sentido, Gomes e Maia ressaltam que:

Os públicos do século XXI têm se mostrado suficientemente convencidos da importância dos debates civis e suficientemente astutos ao lidar com a comunicação de massa para usar em benefício da discussão pública política e da conversação civil os indispensáveis recursos de que tal comunicação dispõe. Além disso, e de forma ainda mais relevante, contrariamente ao que se pensava no início dos anos 60, a comunicação de massa não pode nem deve ser pensada como adversária automática de uma discussão e de uma visibilidade pública favoráveis à democracia. Ao contrário, o que hoje é evidente é que a comunicação de massa leva à prática política – tanto aquela do sistema político quanto aquela dos cidadãos – ao máximo histórico de discutibilidade e de visibilidade (GOMES; MAIA, 2008, p. 66).

Assim, com base em Gomes e Maia (2008), fundamentamos nossa tese em busca de uma mudança de sentido na relação massa e público, no âmbito dos movimentos coletivos da atualidade (LIVINGSTONE, 2005), conforme já abordamos no capítulo 3, onde ressaltamos a necessidade de incorporar à teoria das relações