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Assumi uma linha vanguardista de educação, que sugere alinhar os objetivos do ensino de ciências aos pressupostos apresentados anteriormente, ou seja, a formação básica em ciências que visa levar ao aluno os conhecimentos historicamente acumulados como também, ajudá-los na busca de um posicionamento crítico na sociedade que atua. Este objetivo nos remete a determinadas especificidades do conhecimento científico e às respectivas questões sociais, políticas e ambientais tão debatidas no mundo contemporâneo.

A educação CTS no ensino de ciências surgiu também dentro do propósito da educação científica para a cidadania, denominado ensino de ciências humanístico, que vinha sendo reivindicado por educadores em ciências insatisfeitos com a prática de ensino de ciências demasiadamente centrada na formação de cientistas (AIKENHEAD, 2003).

Das propostas educacionais que buscaram a organização curricular com base em temas sobre o ensino de ciências consultadas por mim, destaco: a Abordagem Temática de inspiração freiriana (DELIZOICOV, 1983, DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2002) e a Abordagem Temática com referenciais ligados ao movimento CTS (SANTOS; SCHNETZLER, 1997; AULER, 2002; GARCÍA; CEREZO;

LUJÁN, 1996; SANTOS; MORTIMER, 2000). Estas propostas vem incorporando importantes discussões para a constituição desse campo e convergência em pontos importantes para a consolidação da área.

Referi anteriormente que os pressupostos educacionais de Paulo Freire, já difundidos em países da América Latina e do continente africano, apontam para a participação em processos decisórios. Cabe aqui ponderar a realidade aproximada de Timor-Leste a esses países que apresentam, numa dimensão ética, o projeto utópico implícito em seu fazer educacional, a crença na vocação ontológica do ser humano em “ser mais” (ser sujeito histórico e não objeto), eixos balizadores de sua obra (AULER, 2007). E conferem às suas reformas curriculares, uma perspectiva de reinventar a sociedade, processo somado pela participação daqueles que hoje encontram-se imersos na “cultura do silêncio”, submetidos à condição de objetos ao invés de sujeitos históricos. Segundo Freire, para a construção de uma sociedade mais democrática, é preciso romper a “cultura do silêncio” imposta.

Por outro lado, desde meados do século passado que o movimento CTS tem ganho repercussão no campo educacional, postulando a necessidade de contemplar a participação do aluno em discussões de temas que envolvam ciência e tecnologia. Na América Latina tal encaminhamento no campo educacional está apenas se iniciando, havendo poucas ações institucionalizadas. Em Timor-Leste essas ações ainda são totalmente insipientes. No caso da configuração de currículos a partir de temas com referência à articulação de pressupostos freireanos e do enfoque CTS, tem-se construído como prática em sala de aula, com o desenvolvimento de temáticas com significado local/social, particularmente no contexto da componente curricular de física com alunos do ensino médio (SANTOS et al, 2010; SANTOS, 2010; SANTOS; AULER, 2008), e também no âmbito da Educação de Jovens e Adultos (EJA) (FERRÃO et al, 2008). Além da sala de aula, a proposta tem sido abordada na formação inicial (HUNSCHE; AULER, 2009; HUNSCHE, 2010) e contínua de professores (MUENCHEN, 2006; AULER, 2007). Estes trabalhos podem ser indicativos para aprofundamentos nessa temática.

Nesse sentido, vejo a possibilidade de articulação entre pressupostos de Freire e referenciais do movimento de CTS, iniciada por Auler (2002), que foram balizadas por uma práxis educacional e que possui como eixo uma teorização resultante da aproximação dessas duas correntes educacionais e sociais. Apoiado em diversos trabalhos da área, Santos (2008) afirma que o objetivo central do ensino de CTS na

educação básica pode ser identificado com a promoção da educação científica e tecnológica dos cidadãos, de modo a auxiliar o aluno a construir conhecimentos, habilidades e valores necessários para tomar decisões responsáveis sobre questões de ciência e tecnologia na sociedade e atuar na solução de tais questões.

Em Nascimento e von Linsingen (2006) encontra-se outra pesquisa que buscou aproximar Freire e CTS, a partir da perspectiva interdisciplinar do trabalho pedagógico e do papel da formação de professores; e ao papel do educador, que tratam basicamente da formação e da atuação dos professores de ciências que vivenciam a educação crítica e dialógica em suas salas de aula. Destaco uma das reflexões deste trabalho que posiciona como incoerente a exigência de que o professor trabalhe sob uma perspectiva crítica e política sem que este tenha sido formado de forma coerente com os objetivos de uma educação problematizadora. O mesmo raciocínio pode ser aplicado às exigências de trabalho interdisciplinar por parte dos professores sem que esta seja uma abordagem adotada em seus cursos de formação inicial.

Este ponto é importante para as reflexões deste trabalho, pois avaliando a introdução de pressupostos de CTS nos programas curriculares de Timor-Leste, será necessário que as formações tanto inicial quanto contínua siga essa mesma coerência para ajudar os professores a trabalharem nessa nova perspectiva de ensino. Isso requer dos órgãos administrativos e políticos um cuidadoso olhar sobre quais mudanças serão necessárias para se aproximarem desses novos elementos do enfoque CTS.

Esta pesquisa foi usada para fazer a primeira reflexão deste estudo, buscando orientar o planejamento da construção de uma proposta didático-pedagógica que tivesse como preocupação introduzir os pressupostos da educação problematizadora com as aproximações em CTS que permeiam esse novo pressuposto curricular.

Segundo Freire, “Investigar o tema gerador é investigar, repitamos, o pensar dos homens referido à realidade, é investigar seu atuar sobre a realidade, que é sua práxis,” (1987, p. 98). A partir dessas colocações, podemos guiar nosso olhar para o processo com:

As propostas de ensino sendo geradas/definidas principalmente em função de situações vividas pelas pessoas daquela comunidade. É nosso entendimento que os temas das propostas, relacionados a situações-problema locais devem fazer sentido também dentro do ensino de ciências numa perspectiva CTS. Nesse intuito, são

negociados temas que envolvam conflitos de interesses políticos, econômicos, sociais, ambientais e científicos. (von LINSINGEN, CASSIANI, 2007)

Considero então que a formação inicial e contínua de professores, principalmente no que diz respeito aos modelos pedagógicos em que estes professores vivenciam os espaços de formações, a exemplo de universidades e centro de formações, seja determinante em suas práticas docentes futuras.

Portanto, esta pesquisa pretendeu explorar as contribuições no ensino de ciências a partir da filiação do movimento CTS e as concepções da pedagogia de Freire para a educação formal. Isto colaborou para refletir como podem ser elaborados currículos ou organizados conteúdos científicos que possam ser trabalhados numa perspectiva de temáticas significativas contextualizadas à realidade dos sujeitos. Com isso, esses aportes dão base aos conhecimentos gerados para enriquecer cada vez mais iniciativas que fomentem nos professores e alunos a participação no ato de conhecer, aguçando a curiosidade epistemológica e chegando assim ao nível de consciência máxima possível permitindo uma visão crítica do mundo contemporâneo.

2.3 A ANÁLISE DO DISCURSO COMO REFERENCIAL