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4.1 SISTEMATIZAÇÃO DAS ETAPAS

4.1.2 Segunda Etapa: análise das situações e escolha das

Iniciei as problematizações durante o transcorrer das disciplinas da segunda turma do curso do BE, entre os meses de junho e outubro de 2010, nas quais fui docente. Este curso totalizava 1800 horas de disciplinas gerais e específícas. A parte específica do ensino de física tinha um total de 600 horas. Para implementar esta proposta apenas pude disponibilizar de aproximadamente 120 horas. O tempo reduzido de trabalho foi um dos fatores que influenciou em algumas tomadas de

decisões para a dinamização das etapas da investigação temática descritas a seguir.

Com o intuito de problematizar uma metodologia alternativa à que usualmente estes professores estavam acostumados, precisávamos considerar que: (i) boa parte dos conhecimentos eram obtidos pela oralidade ou reprodução escrita dos conhecimentos científicos já estabelecidos por livros; (ii) construção conjunta de uma proposta didático-pedagógica elaborada coletivamente entre professores e agentes externos de diferentes áreas; e (iii) o problema da transposição dos conteúdos de ensino em língua portuguesa.

Em conjunto com os professores decidiu-se realizar a construção da proposta, apesar dos fatores que a condicionavam. Isso teve início nas disciplinas de metodologia específica de física I e II, em que foram organizados estudos e discussões dos textos que viriam a embasar teoricamente os professores. As referências usadas foram: o capítulo 3,

A dialogicidade – essência de educação como prática da liberdade, do

livro Pedagogia do Oprimido e o artigo científíco de Delizoicov, intitulado Ensino de Física e a Concepção Freireana da Educação, que apresenta de maneira sintetizada uma breve exposição das ideias forças contidas nesta concepção de educação mostradas na primeira parte do artigo, com o intuito de fornecer elementos para o melhor entendimento da segunda parte, no qual é feito um relato (parcial) da aplicação da concepção freireana no âmbito da educação formal, em escolas do primeiro grau da Guiné-Bissau, onde foi desenvolvido um projeto de ensino de Ciências (DELIZOICOV, 1984).

Com este último texto fizemos um exercício para comparar as realidades aproximadas entre Guiné-Bissau e Timor-Leste e que resultou na Tabela 15:

Tabela 15 - Codificações comparativas entre Guiné-Bissau e Timor-Leste Codificações usadas em

Guiné-Bissau

Codificações possíveis de serem usadas em Timor-Leste Problema da Língua Problema da Língua

Doenças Saúde pública

Rituais Tradicionais Valorização da cultura local e resgate identitário

Educação Comunitária na aldeia Agricultura familiar Produção de Material Didático

A partir do diálogo gerado por essas codificações consideradas para Timor-Leste, buscamos descrever alguns possíveis encaminhamentos. Após diálogos problematizadores, organizamos uma breve descrição de cada “situação-limite”. Esta foi enviada ao docente da UFSC32, que fez algumas ponderações, e novamente apresentado aos professores para reformulação, discussão e elaboração da redação final. As indicações evidenciadas pelos professores para ações que poderiam ser realizadas, foram as seguintes:

 Problemas da língua: realizar ações conjuntas entre a equipe de língua portuguesa e os professores das áreas do PROCAPES a fim de selecionar ou elaborar materiais didáticos que pudessem garantir aos professores um maior contato com a nomenclatura específica de ciências. Como por exemplo, buscar associações/aproximações às palavras do tétum, que apresenta muitas palavras com significados em português, mas com grafia diferente na escrita.

 Saúde pública: trabalhar este assunto com os professores, numa perspectiva crítica, com o intuito de minimizar o grande número de doenças que acometem a população, tais como: dengue, malária, disenteria e conjuntivite.

 Valorização da cultura local: realizar atividades que tornem possíveis resgatar e valorizar a cultura timorense, levando em conta as diferenças étnicas e certamente aspectos sócioculturais diferenciados que devem ser valorizados igualmente. Algumas sugestões são: os materiais produzidos pelos artesãos característicos de cada etnia e região, o conto de histórias, as danças tradicionais, o estímulo do uso das línguas maternas como resgate da identidade histórico- cultural de cada localidade. Também se deve considerar a discussão e reflexão sobre a presença estrangeira no país.

32 Prof. Dr Irlan Von Linsingen do Departamento de Engenharia Mecânica, do

Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica e coordenadores do PQLP.

 Agricultura familiar: desenvolver o potencial econômico local e reforçar a importância da agricultura de subsistência para melhoria na qualidade nutricional das famílias. Por exemplo, o cultivo do café, a produção artesanal de tua sabu e tua mutin (bebidas alcoólicas tradicionais timorenses), as hortas nas escolas.

 Produção de material didático: elaborar atividades didáticas envolvendo textos, experimentos, cartazes, entre outros, aprimorando a prática pedagógica dos professores em sala de aula. Também, responsabilizar o ME-TL pelo fornecimento de materiais didáticos em larga escala condizentes com a realidade timorense. A partir desses debates acordamos escolher algumas “situações-limites” em que poderíamos aprofundar conjuntamente as investigações das várias codificações possíveis. As que geraram maiores polêmicas e posicionamentos dos professores nas rodas de discussões das aulas foram as ligadas à agricultura familiar e à valorização da cultura local e resgate identitário, nomeadamente: o café Timor, a fábrica de etanol (produtora do tua sabu e tua mutin), a agricultura de subsistência, e o tais (tecido tradicional com cores e formas geométricas com características de cada região). Esta última codificação foi a escolhida, porque teve um maior destaque como algo presente na cultura timorense e que gera muito orgulho e tem representações e significações em todas as regiões do país.

A análise dos dados recolhidos para fazer a escolha das situações que serão apresentadas para a preparação de suas codificações foi de extrema validade para a roterização destes momentos. Como tínhamos pouco tempo para a construção da proposta, optamos por escolher conjuntamente uma situação que seria aprofundada e desenvolvida na perspectiva da concepção problematizadora, com as particularidades deste estudo. Baseamo-nos na primeira premissa que Freire destaca para a escolha da temática.

Uma primeira condição a ser cumprida é que, necessariamente, devem representar situações conhecidas pelos indivíduos cuja temática se busca, o que as faz reconhecíveis por eles, possibilitando, desta forma, que nelas se reconheçam (FREIRE, 1987, p. 108).

Para iniciar essa problematização, compilei um texto33, com algumas descrições importantes sobre as características deste material, que pode ser encontrado no APÊNDICE C – TEXTO “Tais – Os têxteis de Timor-Leste”. Assim, foi realizada a leitura e discussão, para que os professores pudessem expressar e confrontar suas impressões a partir do texto. Como o texto foi escrito e depois organizado por malaes34, era preciso enriquecê-lo com as opiniões dos professores timorenses, reais conhecedores dessa manifestação histórica-cultural de sua sociedade. Principalmente, porque a leitura e discussão do texto gerou muitos enfrentamentos entre os próprios professores, concordando e discordando de alguns pontos. Houve momentos em que as discussões entre eles ficavam mais ricas, e para colmatar a necessidade de expressarem seus pontos de vista com maior propriedade, passavam a usar a língua tétum. Considero que este relaxamento se deu devido a identificação dos professores com a proximidade vivencial deste universo temático.

Cabe aqui ponderar as emoções que os professores timorenses desvelaram quando tiveram a percepção de que outras pessoas estrangeiras, escreviam sobre a sua cultura, a sua história, o seu mundo. Não se sentiram reconhecidos naqueles textos, apresentando vários questionamentos e ponderações, como por exemplo, o fato de alguns desenhos e cores dos tais não estarem relacionados com a representação verdadeira das regiões.

Assim, parte da discussão girou em torno da limitação linguística em relação ao português, que existe entre os timorenses, o que limita e dificulta que sejam eles a descreverem elementos importantes de sua história cultural e social, mas também deve ser usado como um agente motivador para buscarem o aprimoramento na aquisição do português. Isto foi ponderado pelos professores devido a falta da cultura escrita35 e a ênfase na oralidade, mas causou-lhes bastante desconforto ler e

33 Para a organização deste texto foram pesquisados os seguintes websites da

internet:http://turismotimorleste.com/pt/page/tais; http://diaktimor.wordpress. com/2010/05/21/timor-leste-tais-tecido-tradicional/;

http://livrodascontradisoens.blogspot.com/2009/01/das-artes-em-timor-leste- os-tais.html; todos acedidos em julho de 2010

34 Denominação dada pelos nativos aos estrangeiros que habitam ou visitam

Timor-Leste.

35 É importante destacar que isto se deve a fatores históricos como: o pouco

investimento na instrução da população em todas as épocas de invasão; a queima da maioria dos registros escritos e também das infraestruturas escolares quando da retirada da Indonésia. Os traumas gerados por esses acontecimentos ainda se refletem nestas gerações de professores pós independência.

compreender que “pessoas de fora” escrevem sobre algo que é seu, que os identifica no mundo. Neste momento pudemos perceber que o grande obstáculo criado pela limitação do domínio de outra língua, que poderia servir para mostrar as questões históricas e as significações envolvidas em torno do tais, principalmente se este olhar fosse de quem vive in loco essa realidade. Pudemos interpretar esse momento como “percebidos destacados” na “visão de fundo” dos professores timorenses e que foi recebida por eles como um desafio à ser superado no momento da tomada de consciência dos condicionantes da realidade imposta. Essa situação-limite foi percebida por eles e na percepção crítica que se instaurou da relação deles com o mundo, pudemos buscar maneiras de tentar superá-las por meio de “atos-limites”. Dessa maneira, puderam ultrapassar o nível de “consciência real”, atingindo o da “consciência possível”, sendo este o objetivo da educação problematizadora pela investigação temática (FREIRE, 1987, p. 111).

Após a leitura, discussão e reflexão do texto foi sugerida a seguinte questão orientadora: Qual a importância do tais na comunidade que

você vive?, para a elaboração de um texto individual produzido pelos

professores em formação, para apresentarem as particularidades culturais e assuntos comuns perfilados pela sua historicidade.

Um dos caminhos para a superação, por parte dos professores timorenses, das limitações referentes à leitura e escrita na sua prática pedagógica, deve compreender em que condições a leitura e escrita buscou produzir os discursos.

Essas condições de produção supõem o contexto histórico social de formulação do texto, os interlocutores (autor e a quem ele se dirige), os lugares (posições) em que eles (os interlocutores) se situam e em que são vistos, e as imagens que fazem de si próprios e dos outros, bem como do objeto da falta – o referente (ALMEIDA, 2004, p. 33).

Ao problematizar a leitura e a escrita junto aos professores, por meio de discussões e proposições pedagógicas, assumi que a linguagem, além de ser suporte do pensamento e instrumento de transmissão de informação, pela comunicação, é, também produto do trabalho desses professores, no processo de interação social e, portanto, histórico. Quer dizer que, para além de compreender o funcionamento da linguagem, por mecanismos linguísticos, é preciso apreender os confrontamentos ideológicos que a constituiram.

Na instauração ou autoria do discurso, os professores se ligam à história, às formulações possíveis que se integraram ao enunciado. Desse modo, não podem fugir à repetição, pois sem ela o enunciado não faria sentido, mas a formulação também é um processo de interpretação. Na repetição histórica os professores tem um real trabalho da memória, inscrevem o seu dizer no saber discursivo, o que permite que não só repita, mas ao fazer essa repetição, produza deslizamentos, efeitos de deriva no que diz, abrindo a possibilidade de serem produzidos outros dizeres a partir daqueles, para que haja sentido a língua precisa se inscrever na história.

Depois de realizada a reflexão sobre os textos escritos pelos professores timorenses, fizemos um contraponto com o texto lido inicialmente e assim conseguimos confrontar a veracidade das descrições feitas naquele texto sobre a cultura e história do Timor-Leste.

Com isso, a captação do entendimento amplo da realidade propiciou entender o concreto e o abstrato como opostos que devem ser dialetizados no ato de pensar (FREIRE, 1987, p. 97). Pudemos verificar isso pelo movimento de reflexões geradas e expostas em torno dos diálogos produzidos, durante análise da situação existencial concreta, codificada a partir de todas as condições construídas pelos professores referentes ao tema tais.

4.1.3 Terceira Etapa: diálogos descodificadores (Oficina didática