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CAPÍTULO II A LUTA PELA EDUCAÇÃO INTEGRAL E PELA ORGANIZAÇÃO

2.1 A concepção de Escolas de Tempo Integral dos Jesuítas

A Companhia de Jesus é uma congregação religiosa que se constitui como uma reação da Igreja ao mundo moderna que deitava suas primeiras raízes em solo europeu. Criada por Inácio de Loyola, um ex-militar espanhol, em Paris (1534), essa ordem religiosa alcançou uma das mais notáveis expressões na luta pela restauração do Catolicismo e na empreitada de cristianizar os povos submetidos à expansão ultramarina europeia. No Brasil, os Jesuítas foram os responsáveis por cristianizar os índios, assim como pela organização escolar e todo tipo educação formal de 1549 a 1757.

Giolo (2012) afirma que os Colégios Jesuítas do período colonial eram de tempo integral, especificamente, os colégios e liceus onde estudava a elite imperial e, na maioria das vezes, eram internatos; o mesmo pode-se dizer dos grandes colégios da República, dirigidos por ordens religiosas ou por empresários laicos. De acordo com Moura (2014), ainda hoje as famílias mais ricas continuam propiciando uma educação integral aos seus, seja dentro dos melhores colégios, seja em cursos complementares à formação escolar. Pretendemos fazer uma análise da educação brasileira para verificarmos e reafirmar essa teoria.

Para se analisar a problemática educacional nos primeiros anos de colonização, Rosário e Melo (2015) afirmam que é necessário ir adentrando o contexto histórico do qual o Brasil fazia parte - descoberta e colonização, no conceito de colônia, nos meandros político, econômico e religioso, que incluíram e transformam a terra descoberta numa Colônia portuguesa; e, finalmente, adentrar o processo e as relações entre o modelo colonizado português na terra descoberta e a Igreja Católica.

As autoras partem do princípio de que precisamos saber o que é ser colônia, e respondem que: “de um modo geral, ser colônia era ser um ‘país’ dependente, sem autonomia política e econômica para decidir e encaminhar os seus próprios destinos” (ROSÁRIO e MELO, 2015, p. 380). Por fim, afirmam que tudo passa a existir em função dos objetivos e necessidade da metrópole (país colonizador). Essa relação de dependência entre colonizado e colonizador caracteriza um sistema colonial.

Ainda Rosário e Melo (2015) ressaltam que o Brasil colônia (1530-1822) fazia parte do contexto da história colonizadora europeia moderna, fruto do surgimento dos Estados nacionais e da expansão comercial ultramarina portuguesa. Empreendimentos que, inicialmente, tiveram um alto custo e foram financiados pelo Estado centralizador, tornando-o mais forte, poderoso e ampliando seu império. Somente o Estado nacional tinha condições de arcar com o vultoso custo deste empreendimento que envolve segurança, construção de escolas e navios e, ainda, o apoio da Religião como um freio para toda a população.

É necessário, porém, levar em conta uma importante advertência:

[...] antes do chamado descobrimento aqui viviam outras pessoas, uma população ameríndia e, se considerarmos que o conceito de educação remete-nos a uma abrangência incalculável; teremos necessariamente que considerar que antes da Companhia de Jesus, existiam outras educações, portanto, outras histórias da educação (FAUSTO, 2002, p.37 apud ROSÁRIO e MELO, 2015).

No transcorrer de três séculos, a Companhia de Jesus, além da empreitada colonialista que a embasava como iniciativa histórica, igualmente definia uma nova ordenação da atuação da Igreja Católica no mundo moderno que emergia. A ação de ordens religiosas visava reconstituir a hegemonia católica nos novos mundos descobertos e conquistados, restaurar a Fé e o papado e, desse modo, acentuar sua continuidade. Dessa maneira é que podemos entender a ação educacional e política da sistematização da pedagogia jesuítica. Coube aos jesuítas formalizar uma política educacional para o estado português mercantilista. Alia-se a busca do Mercantilismo e a empreitada missionária restauracionista.

Segundo informa Ribeiro (2000), o Ratio Studiorum – Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Iesu (Plano e Organização de Estudos da Companhia de Jesus) – esteve presente em um plano educacional da Companhia de Jesus, posto em prática de 1599 a 1759, para catequizar e instruir tendo em vista o propósito da Coroa portuguesa de aculturar sistemática e intensivamente os indígenas, segundo valores espirituais e morais da civilização ocidental e cristã para consolidar de vez a colonização. Apesar dessas e de outras críticas pertinentes, a educação oferecida pelos padres da Companhia de Jesus, durante os séculos XVI e XVII, foi o único ensino formal existente, no Brasil, até meados do século XVIII.

Entretanto, Moura (2014) afirma que esses propósitos deixam entrever poucos vínculos com os pressupostos de educação integral, pois o plano visava catequizar os indígenas, a fim de torná-los mais dóceis e aptos ao trabalho. Em contrapartida, para instruir os descendentes de colonizadores visando compor uma elite intelectual, essa camada da insipiente sociedade brasileira, recebia uma educação diferenciada, uma educação que preparava para manutenção

da lógica social, uma educação que reproduzia os preceitos religiosos do catolicismo, mas também visava à manutenção do império. Para a elite era oferecido um ensino para direção e manutenção social, cultural e econômica do país, enquanto para os indígenas, uma educação para a submissão e a exploração da mão de obra. A estrutura pedagógica das escolas do Ratio Studiorum era muito parecida às das nossas escolas do Brasil contemporâneo, já que os alunos aprendiam em salas de aulas, divididos em níveis (classes) e realizavam provas, geralmente orais.

Se levarmos em conta que as relações econômicas determinam a necessidade da organização da escola e da própria educação, numa sociedade estruturalmente colonialista, erigida sobre a mão de obra escravizada, formada pelas legiões de indígenas e por milhões de africanos trazidos à força para a lavoura e para a extração de ouro no Brasil, não teríamos como reconhecer outra forma de Educação e de Escola que não fosse essa exatamente como a Companhia de Jesus logrou estruturar.

Com o Alvará régio de 28 de junho de 1759, que sanciona a expulsão da Companhia de Jesus do Brasil e decreta o fim do monopólio do ensino jesuítico, foram criadas as aulas régias de latim, grego e retórica, com novos métodos e novos compêndios subsidiados, diretamente, por Portugal. Esta mudança estava muito mais centrada na preocupação com a formação de pessoas que dessem suporte às novas posturas administrativas comandadas por Pombal do que com a ampliação da formação do sujeito, pois, “[...] a habilidade em falar e entender latim era uma condição para qualquer carreira nos setores dominantes da sociedade: na igreja, na medicina e no mundo jurídico” (MARCÍLIO, 2005, p. 20). Também aqui não encontramos experiências significativas que remontem à educação integral.