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CAPÍTULO III AS EXPERIÊNCIAS DE EDUCAÇÃO INTEGRAL NO BRASIL

3.1 A concepção de Educação Integral e de Escola no pensamento e ação de Anísio

3.1.2. A Escola Parque a ser projetada na nova capital: Brasília

A proposta da Escola Parque concebida para o sistema educacional de Brasília teve sua origem na experiência desenvolvida pelo Centro Educacional Carneiro Ribeiro, criado por Anísio Teixeira, quando ocupava o cargo de Secretário de Educação do Estado da Bahia. O modelo escolar proposto não pretendia ser um mero “remédio circunstancial”, mas, antes, o passo inicial para a solução do problema da educação primária no País, que demandava mudança estrutural, de modo a atender os objetivos de uma nova sociedade. Tal posição tem como pressuposto ser a escola primária, uma instituição fundamental para a sociedade em fase de transformação (TEIXEIRA, 1959, p.80 apud PEREIRA e ROCHA, 2006).

Em meados de 1957, Anísio Teixeira, já no exercício do cargo de Diretor do INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas – teve a incumbência de elaborar o plano educacional de Brasília, para o qual retoma a proposta da Escola Parque implantada em Salvador e propõe a sua generalização para o sistema educacional da nova Capital. Lourenço Filho (1960, p. 17 apud PEREIRA e ROCHA) questiona:

Por que nessa perspectiva, não seria Brasília um locus ideal para a implantação da escola renovada? O que significaria implantá-la numa cidade nova, moderna, a partir

do nada existente, sem as amarras da tradição? Que influência poderia exercer nos domínios da educação do País? Em que medida iria se refletir no sentido e direção das tendências do ensino?

Para as autoras tais preocupações parecem ter sido centrais no planejamento educacional da nova Capital. Na parte introdutória do plano, acha-se claramente explicitado que “o plano de construções escolares para Brasília obedeceu ao propósito de abrir oportunidade para a Capital Federal oferecer à Nação um conjunto de escolas que pudessem constituir exemplo e demonstração para o sistema educacional do País (TEIXEIRA, 1961, p.195)”.

O referido plano, elaborado sob o título “Plano de Construções Escolares de Brasília”, foi submetido ao Ministro da Educação e Cultura, Clóvis Salgado, que o aprovou e encaminhou à Comissão Urbanizadora da Nova Capital (NOVACAP) para execução.

A estrutura da cidade compreendia uma sequência de grandes quadras, densamente arborizadas, nas quais seriam edificados os blocos residenciais dispostos de maneira variada. O tráfego de veículos e trânsito de pedestres não se entrecruzariam, com especial atenção ao acesso seguro à escola primária. Cada quadra abrangia uma área de aproximadamente 65 mil metros quadrados, dos quais 11 mil seriam áreas construídas (11 edifícios de seis pavimentos) e os mais de 54 mil restantes reservados à arborização, jardins, piscinas, passeios entre os edifícios (CAMPOS, 1990, p.154 apud PEREIRA e ROCHA, 2006).

Pereira e Rocha (2006) observam ainda, que o plano urbanístico de Brasília já definira tanto a localização das escolas, quanto a utilização de outros espaços públicos. Assim, as escolas primárias seriam edificadas no interior das quadras, de modo que as crianças não tivessem de deslocar-se por longos trajetos para chegar até elas.

Também sob a influência das ideias pragmatistas de John Dewey, o modelo educacional proposto por Anísio Teixeira visa integrar toda a população no contexto da sociedade moderna. O pressuposto é que as necessidades sociais geradas pela modernização acelerada cada vez mais impõem obrigações à escola, aumentando-lhe atribuições e funções, razão pela qual a escola não poderia ser meramente de instrução, mas deveria oferecer à criança oportunidades completas de vida, o que compreendia atividades de estudo, de trabalho, de vida social e de recreação e jogos (TEIXEIRA,1962, p. 24 apud PEREIRA e ROCHA, 2006).

Para as autoras, tendo em vista o desenvolvimento desse programa abrangente, o plano educacional estabelecia, ainda, que os alunos frequentassem diariamente a “escola-parque” e a “escola-classe”, em turnos diferentes, passando quatro horas nas classes de educação intelectual e outras quatro nas atividades da escola parque, com intervalo de almoço. Nessas condições, a educação elementar associava o ensino propriamente intencional, da sala de aula, com a

autoeducação resultante de atividades de que os alunos participavam com plena responsabilidade. Por isto, o horário escolar se estendia por oito horas, divididas entre as atividades de estudo e as de trabalho, de arte e de convivência social.

As autoras ainda afirmam que ao formular o novo modelo escolar, Anísio parte da crítica à escola tradicional, que, pelo seu caráter meramente intelectualista e propedêutico, considera inadequada à formação de cidadãos para a sociedade industrial moderna. Segundo argumenta o educador Anísio Teixeira (1957), a escola, assim constituída, torna-se ineficiente e seletiva, não cumprindo o papel que lhe cabe de promover a educação comum, para todos, fator indispensável para que cada cidadão se integre nessa nova sociedade, altamente racionalizada e mecanizada. Argumenta, ainda, que, com a expansão desordenada de matrículas, a escola primária viu-se reduzida em tempo e em objetivos educacionais, o que contribuiu para intensificar o processo seletivo da escola - um dos mais graves mecanismos de exclusão social.

Para Cavaliere (2010) a despeito do grande encantamento com as potencialidades da educação escolar, Anísio Teixeira não deixou de refletir e ponderar, nesse período, sobre os limites da mesma afirmando que “representa, realmente, uma observação superficial julgar que é a educação que produz a civilização. Confusão entre efeito e causa” (Teixeira, 1997, p. 84).

A autora cita que Barreira (2000) considera que, em Anísio Teixeira, a ampliação das funções da escola, tomando para si tarefas que até então cabiam às famílias e a outras instituições, é um movimento que visa à equilibração social, e se encontra fundado em uma visão evolucionista, base do positivismo. Mas, sem desconsiderar essa interpretação, assevera que é preciso lembrar que, segundo o mesmo autor, Anísio Teixeira trabalhava com a ideia de mudança de mentalidades dos indivíduos em geral e das elites como condição para a constituição da sociedade democrática.

Para Cavaliere a possibilidade de mudança de mentalidade está apoiada, em Anísio Teixeira, no pragmatismo deweyano, isto é, numa pretensão de que seja possível, nas vivências cotidianas, a reconstrução da experiência, para o que o protagonismo dos indivíduos é peça fundamental. Mesmo considerando-se que Anísio Teixeira concentrou expectativas excessivas nessa possibilidade, esse esperado protagonismo individual é elemento de antítese a uma organização social equilibrada e estável.

Conclui-se que o pragmatismo, diferentemente do pensamento marcado pelo positivismo, considera o pensamento reflexivo como fruto do enfrentamento com situações problemáticas e gerador, a cada momento, de formas momentaneamente mais adequadas e não

padronizadas para enfrentar tais situações. Não haveria, portanto, uma linha de evolução necessária ou previsível (AMARAL, 1990 apud CAVALIERE, 2010).

Nesse sentido fica claro que existe sim, uma dificuldade de lidar com a obra de Anísio Teixeira, que é justamente a sua constante espontaneidade. Essa espontaneidade permite que se enxergue o desenrolar de seu pensamento, não apenas ao longo de sua obra, mas dentro de cada texto, com suas idas e vindas e suas contradições.

Há certamente muitas ideias e muitas proposições institucionais inovadoras na obra de Anísio Teixeira. Certamente que suas proposições seriam avanços institucionais e políticos naquele momento histórico. Fundamentadas na concepção liberal de indivíduo e de liberdade, na defesa da escola leiga e do espaço público, a obra de Anísio Teixeira seria a materialização de uma escola moderna para o país. No entanto, as condições políticas que se abateram sobre o país e particularmente sobre suas inovações educacionais destroçaram essa possibilidade de avanço histórico.