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A concepção de formação continuada do Programa

No documento barbaralimagiardini (páginas 114-119)

CAPÍTULO III UMA VISÃO DO PNAIC PELA ABORDAGEM DO CICLO

3.2 O PNAIC EM TEXTOS

3.2.3 A concepção de formação continuada do Programa

A formação continuada dos professores alfabetizadores é o principal eixo do Pacto, que emerge como uma luta para garantir o direito à alfabetização, tendo em vista a realidade de muitas crianças brasileiras que concluem o processo de escolarização sem estarem plenamente alfabetizadas (BRASIL, 2012c). Nesse sentido, a formação docente se configura como uma estratégia fundamental para solucionar os problemas da aprendizagem, e o documento do PNAIC aponta que, em nosso país, “[...] a questão da formação continuada de professores vem sendo amplamente discutida como uma das vias principais de acesso à melhoria da qualidade de ensino” (BRASIL, 2012d, p. 09).

Diante disso, deseja-se apontar que, neste estudo, há uma clareza quanto ao fato de que a formação de professores não é o aspecto que irá conferir, unicamente, qualidade à educação, porém entende-se que esse elemento é condição sine qua non para que essa se efetive. Não há como se ter aprendizagem escolar por parte dos alunos se o professor não possuir conhecimentos relacionados a essa aprendizagem, mas isso deve vir agregado a outros elementos. Sobre esse aspecto, André (2013) adverte:

[...] as pesquisas não podem correr o risco de reforçar uma ideia, corrente no senso comum, de que o professor é o único elemento em que se deve investir para melhorar a qualidade da educação. A concentração de estudos no professor pode vir a dar força a esta ideia tão simplista, limitada. Não há dúvida de que o professor tem um papel importante no sucesso da aprendizagem, mas há outros fatores que concorrem para uma educação de qualidade, tais como recursos disponíveis na escola; uma organização do trabalho escolar que propicie suporte físico, pedagógico e emocional aos docentes; salários dignos, condições de trabalho adequadas; e carreira atrativa, um conjunto de condições que deve fazer parte de uma política geral e apoio aos docentes. São múltiplos os fatores que não podem ser esquecidos nem desconsiderados no delineamento de políticas para os docentes. (ANDRÉ, 2013, p. 36-37)

Sabe-se, portanto, que a formação docente é um dos elementos de uma educação de qualidade, pois a esta são agregados outros fatores intra e extraescolar. Além disso, o professor é agente fundamental no processo de escolarização, mas não é o único responsável pelo êxito do processo. Dessa forma, o caderno “Formação do Professor no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa” apresenta o seguinte alerta:

Um processo formativo não pode ter a pretensão de ser algo que vai, da noite para o dia, como um remédio ou uma receita, vencer todos os males da educação. É importante termos em mente que toda proposta de formação deve vir associada e fundamentada em uma proposta de sujeito, sociedade e escola baseada em valores e

princípios de igualdade, justiça social e ampliação de oportunidades. (BRASIL, 2012c, p. 20)

No âmbito do Programa, as concepções de formação inicial e continuada revelam a existência de diferenças entre as modalidades, sendo que, normalmente, na formação inicial, os estudantes não compõem um grupo necessariamente de profissionais. Já na formação continuada, os papéis dos professores são de estudantes e profissionais, sendo o último preponderante. Essas diferenças não devem provocar um descompasso entre formação inicial e continuada, em que a primeira se caracteriza pelo foco na teoria, e a segunda pelo foco na prática. É preciso, pois, que haja equilíbrio entre teoria e prática em ambos os processos formativos (BRASIL, 2012c). Além disso, destacou-se também no material do PNAIC que nem sempre a participação na formação continuada depende do interesse individual do professor. Muitas vezes, a iniciativa dos professores parte de um discurso institucional, o que parece ser diferente da formação inicial (BRASIL, 2012d).

Especificamente sobre a formação continuada, a perspectiva apresentada pelo Programa é de que ocorra ao longo da vida, considerando os desafios da prática escolar bem como as transformações políticas, econômicas e culturais na sociedade. A visão defendida é de que “[...] A formação do professor não se encerra na conclusão do seu curso de graduação, mas se realiza continuadamente na sua sala de aula, onde dúvidas e conflitos aparecem a cada dia (BRASIL, 2012e, p. 23). Outros documentos sobre o Programa também versam sobre o tema, como demonstrado nos excertos a seguir:

À medida que as sociedades se modernizam e se complexificam, cresce a demanda por professores das diversas áreas do conhecimento. Esses precisam ser cada vez mais preparados para acompanhar as inúmeras transformações da sociedade contemporânea. (BRASIL, 2012c, p. 08)

A ideia de que não deve existir uma ruptura entre o tempo de aprender, o tempo de trabalhar e o tempo de descansar ou parar faz com que os seres humanos sejam vistos como pessoas que vivem num processo constante de construção do conhecimento para si, para a vida e para o trabalho. (BRASIL, 2012d, p. 09)

Avalia-se que tais afirmações vão ao encontro das concepções de diversos autores que tratam do tema, como Nóvoa (1995), Garcia (1999), Imbernón (2006), quando abordam o conceito de desenvolvimento profissional, e Gatti (2008), quando afirma que a formação ao longo da vida é uma exigência da atividade profissional na atualidade, em função das mudanças nos conhecimentos, nas tecnologias e no trabalho. Assim, pode-se dizer que o

documento (BRASIL, 2012c) se inspira nos autores Bernadete Gatti, Francisco Imbernón, Antonio Novoa que constam nas referências da referida publicação.

Ressalta-se ainda que o caderno “Formação do Professor no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa” estabelece os princípios gerais da formação continuada no PNAIC, que serão abordados e analisados a seguir: a prática da reflexividade, a mobilização dos saberes docentes, a constituição da identidade profissional, a socialização, o engajamento, a colaboração. Os princípios serão descritos a partir das ideias presentes no documento e relacionados à literatura sobre o assunto.

A prática da reflexividade consiste em exercer ação de reflexão que favorece a tomada de decisão, por meio de análises que relacionam as práticas vivenciadas e observadas à teoria. No Pacto, “[...] a atividade de análise de práticas de sala de aula constituiu-se um bom dispositivo para trabalhar a reflexividade durante a formação” (BRASIL, 2012c, p. 13). Fazendo-se uma discussão desse princípio, é válido dizer que Donald Schön é um importante estudioso do assunto, discorrendo a respeito deste a partir dos conceitos de conhecimento na ação, reflexão na ação, reflexão sobre a ação e reflexão sobre a reflexão na ação. O autor postula uma prática reflexiva, na qual o professor busque compreender as razões de suas ações, olhe retrospectivamente e de forma analítica para sua prática pedagógica, e não apenas reflita sobre esse processo no plano teórico mental, mas também que expresse sua reflexão por meio da escrita (SCHÖN, 1995; ALARCÃO, 1996).

A mobilização dos saberes significa trazer para o momento da formação as diferentes esferas de conhecimento dos docentes. Para isso, é preciso dar voz aos professores, apresentando determinadas temáticas que possibilitem colocá-los em pauta. Percebe-se que esse princípio se alinha às concepções de Pimenta (2002), Gauthier et al. (2006) e Tardif (2002), que acreditam que os professores mobilizam diversos saberes em sua prática pedagógica, tais como saberes relacionados ao conhecimento do conteúdo, à didática, à educação e ao ofício docente.

A constituição da identidade profissional revela o ser professor como vinculado a uma série de aspectos pessoais – história de vida, memórias, emoções, vivências –, para além dos aspectos profissionais – dificuldades nas escolas, formação inicial precária, salários baixos. Ou seja, a identidade docente é construída na interface dos aspectos pessoais e profissionais. No âmbito do Pacto, “[...] na formação continuada, portanto, é necessário investir na construção positiva da identidade profissional coletiva, reforçando a importância e responsabilidade dessa atividade no contexto social” (BRASIL, 2012c, p. 16). Do ponto de vista deste trabalho, nota-se que diversos autores têm se preocupado em discutir essa temática.

De acordo com Papi (2005), a identidade profissional docente relaciona características correspondentes à classe de professores com as particularidades de cada sujeito, ou seja, identidade pessoal e profissional são integrantes de um mesmo indivíduo – portanto, não há como separá-las. Pimenta (2002) aponta que a identidade é construída historicamente. Já Monteiro (2001) afirma que os saberes docentes contribuem para a constituição da identidade profissional do professor.

A socialização “[...] é uma habilidade importante a ser trabalhada nas formações continuadas, principalmente pelo fato do professor não trabalhar sozinho, de estar sempre em contato com pais, alunos, diretores e com os pares” (BRASIL, 2012c, p. 17). Para isso, o professor precisa desenvolver diversas formas de comunicação. Nesse sentido, propõe-se que, “[...] nas formações, o docente deve ser estimulado a trabalhar, a comunicar-se por meio de atividades em grupo, exercitando a troca de turnos entre os pares, a argumentação e, sobretudo, a intervenção com colegas e alunos” (BRASIL, 2012c, p. 17).

O engajamento deve ser privilegiado nos encontros de formação, de modo que o professor se entusiasme a participar ativamente do Pacto. Dessa forma, “[...] provocar o professor com diferentes desafios e questionamentos, valorizando o conhecimento e o saber que ele já traz, se constitui em um caminho para o engajamento do profissional docente”. (BRASIL, 2012c, p. 18)

A colaboração “[...] vai além da socialização, pois tem como foco o rompimento do individualismo”. Sendo assim, o que se espera nas formações do Pacto é “[...] um aprendizado coletivo, através do qual os professores exercitem a participação, o respeito, a solidariedade, a apropriação e o pertencimento” (BRASIL, 2012c, p. 19). Considera-se, ainda, no contexto da prática profissional docente, que uma das maneiras de “[...] superação das dificuldades é a oportunidade de discutir com outros profissionais da educação, o que pode favorecer a troca de experiências e propiciar reflexões mais aprofundadas sobre a própria prática” (BRASIL, 2012e, p. 27). Nesse sentido, “[...] do trabalho isolado com uma sala de aula, foi se criando a equipe docente. Atualmente, não se pode trabalhar como professor sem trabalhar em equipe” (IMBERNÓN, 2015, p. 79). Fazendo-se uma análise desse princípio, pode-se dizer, com base em Imbernón (2009), que desenvolver a colaboração é uma das novas tendências na formação continuada de professores.

Isto posto, o caderno “Formação do Professor no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa”, considerando-se o objetivo da escola de transformar a vida das pessoas e da sociedade, aponta três pilares fundamentais da formação continuada:

1. como afirmou Paulo Freire, conceber o professor como sujeito inventivo e produtivo, que possui identidade própria e autonomia, como construtor e (re)construtor de suas práticas e não mero reprodutor de orientações oficiais;

2. propor situações formativas que desafiem os professores a pensar suas práticas e mudar as suas ações;

3. levar os professores a buscar alternativas, realizar projetos cujo objetivo seja não apenas alcançar as suas práticas individuais, mas, sobretudo, as práticas sociais e colaborativas de modo a favorecer mudanças no cenário educacional e social. (BRASIL, 2012c, p. 20)

Os pilares se relacionam com alguns princípios, na medida em que revelam a preocupação com a identidade profissional, a reflexão sobre a prática, a colaboração. Além disso, relacionam-se com as novas tendências na formação continuada, como apontado por Imbernón (2009), no que se refere a focar nas situações problemáticas, potencializar a identidade docente e desenvolver a colaboração.

Faz-se oportuno destacar ainda as concepções do Pacto sobre a importância de políticas de formação continuada:

Alertamos para a importância do estabelecimento de uma política de formação continuada para docentes, gestores e profissionais de apoio à docência. A formação continuada diversificada, com ações de diferentes tipos (cursos de especialização e aperfeiçoamento, ações de estudo e planejamento coletivo nas próprias escolas, estímulo aos estudos individuais, participação em eventos na área da Educação), atende às demandas dos profissionais quanto aos saberes da docência. Obviamente, é necessário definir as políticas de formação com base nos resultados das avaliações realizadas e garantir na formação continuada o cotidiano da sala de aula, ou seja, a prática docente, seja objeto central de atenção. A teorização da prática deve constituir o eixo nuclear das ações afirmativas. (BRASIL, 2012c, p. 20)

A formação continuada é vista como uma necessidade profissional que deve centrar-se na discussão/teorização das situações do cotidiano, isto é, na prática docente. Na perspectiva apresentada, está alinhada aos resultados das avaliações, ou seja, é preciso partir dos dados acerca da aprendizagem dos alunos para propor ações de formação continuada, o que revela a ideia de uma relação direta entre aprendizagem docente e aprendizagem discente. Evidentemente, não pode ser desconsiderado o fato de que o professor qualificado possui mais instrumentos e recursos para favorecer a aprendizagem dos alunos, mas esta não depende apenas dos conhecimentos docentes. Assim, é válido questionar: será que a formação continuada de professores não deve partir das necessidades de aprendizagem docente? As necessidades formativas dos professores se relacionam diretamente com as dificuldades de aprendizagem dos alunos?

Pelo exposto nesse texto, pode-se dizer que a concepção de formação continuada do Pacto está alinhada ao discurso teórico sobre o assunto, revelado por diversos autores que abordam o tema. Alguns deles, inclusive, figuram nas referências do material que trata dos princípios da formação no PNAIC (BRASIL, 2012d). Além disso, as concepções do Programa se alinham a elementos considerados neste trabalho como de qualidade nos processos formativos continuados, quais sejam: autonomia docente no processo de formação – autoformação; participação coletiva no desenvolvimento do curso – aprendizagem colaborativa; valorização dos saberes docentes; articulação teoria e prática e reflexão sobre a prática. Porém, é preciso perceber se o discurso do Programa se efetiva no campo da prática. Imbernón (2009) alerta sobre o fato de que a literatura e os discursos sobre formação de professores já incorporaram a perspectiva de reflexão sobre a prática, a colaboração entre os pares, maior autonomia docente, a formação centrada na escola. Entretanto, é preciso cautela para perceber se realmente as políticas e as práticas de formação estão sintonizadas.

No documento barbaralimagiardini (páginas 114-119)