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2 DIÁLOGO COM AS PESQUISAS NA ÁREA

4 A CIDADE DE VITÓRIA E O PARQUE MOSCOSO

4.6 A CONCHA E A ESCOLA

A partir de agora apresentamos uma outra fase pelo qual passou o Parque Moscoso, marcada pela construção de duas obras representantes da arquitetura brasileira moderna: o edifício do Jardim de Infância Ernestina Pessoa e a Concha Acústica (Figura 43). Nossa intenção não é adentrarmos na história de cada uma dessas edificações, mas

compreendermos como as mesmas se inserem e se relacionam com o espaço do Parque Moscoso.

Ambas construções refletem uma mudança pela qual passava o país e a própria arquitetura e urbanismo brasileiros. Entre 1930-60 ocorreu uma transformação estrutural nos processos de desenvolvimento do país, sobretudo dado pela reestruturação produtiva industrial dirigida por dois governos nacionais: de Getúlio Vargas (1930-45) e Juscelino Kubitschek (1956-60). Nesse período também entram na pauta debates sobre expressões modernas na arquitetura e no urbanismo e a redefinição de cidade e habitação na América Latina82 (CERASOLI; FARIA; SAMBRICIO, 2014).

Figura 43 - Reforma do Parque Moscoso realizada em 1952

Fonte: Muniz (1985).

O Jardim de Infância Ernestina Pessoa83 foi construído no lugar onde era o Parque Tênis Club, cujas dependências estão hoje ocupadas pela Escola da Ciência Física, pertencente ao município de Vitória (Figuras 44 e 45). A escola foi inaugurada na parte

82 Destacamos que nesse período ocorreu a construção e inauguração de Brasília (CERASOL; FARIA;

SAMBRICIO, 2014).

83 A expressão jardim de infância cunhada pelo pedagogo Fridriech Fröebel (1782-1852) vem do alemão

Kindergarten que significa “jardim para as crianças”. Trata-se de uma abordagem educacional pré-escolar baseada tradicionalmente em brincar, cantar, atividades práticas como desenho e interação social como parte da transição de casa para a escola. As primeiras dessas instituições foram criadas no final do século XVIII na Baviera e em Estrasburgo para servir crianças cujos pais trabalhavam fora de casa. Para Fröebel, a ideia de “jardim de infância” significava que as crianças eram como plantinhas que deveriam ser cultivadas e cuidadas, enquanto os jardineiros que seriam os professores participariam do processo de desenvolvimento das plantas.

norte do Parque Moscoso, em 1932, quando foi criada a Secretaria da Educação e Saúde Pública, no governo do interventor Punaro Bley (FERREIRA, 2009 apud CANAL FILHO et. al., 2012).

Figura 44 - Vista aérea do Jardim de Infância Ernestina Pessoa, no Parque Moscoso. Coleção Governo Jones dos Santos Neves, data desconhecida

Fonte: Instituto Jones dos Santos Neves (s/d).

As salas de aula davam para um jardim interno localizado de frente para o parque. Contém dentro de sua estrutura dois mosaicos vitrificados de autoria de Anísio Medeiros, além da estátua da professora Ernestina Pessoa - uma das primeiras professoras particulares de Vitória, em uma época em que não existiam creches ou escolas infantis (CANAL FILHO et. al., 2012).

Figura 45 - Vista parcial do Jardim de Infância Ernestina Pessoa, no Parque Moscoso. Coleção Governo Jones dos Santos Neves, data desconhecida

Fonte: Instituto Jones dos Santos Neves (s/d).

Apresentamos abaixo algumas fotos com algumas atividades que ocorriam no Jardim de Infância Ernestina Pessoa (Figuras 46 e 47).

Figura 46 - Atividade ao ar livre no Parque Moscoso, data desconhecida

Figura 47 - Professora com sua turma de alunos, data desconhecida

Fonte: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (s/d).

Nesse período também foi construída a Concha Acústica84, onde eram realizados concertos ao ar livre e outras diversões como show de calouros. Na sua inauguração ocorreram apresentações da Orquestra Sinfônica da Escola Nacional de Música, assim como coros orfeônicos e cantores de renome. Ambas as construções: escola e concha acústica são obras do arquiteto Francisco Bolonha dentro do modernismo85 da década

de 1950. Essas obras representam a primeira intervenção no Parque Moscoso (ACHIAMÉ; BETTARELLO; SANCHOTENE, 1991) (Figuras 48 e 49).

84 “Construção formada por cobertura côncava que permite aumentar a reflexão dos sons emitidos. Em

geral situa-se em espaços coletivos ou públicos, como parques e universidades, para apresentação de espetáculos destinados a público numeroso ao ar livre” (CONCHA ACÚSTICA, ALBERNAZ; LIMA, 1997, p. 169).

85 “Movimento arquitetônico introduzido no início deste século por arquitetos europeus e americanos,

como Walter Gropius (1883-1969) e Frank Lloyd Wright (1869-1959). Caracteriza-se pelo uso de formas geométricas, composição assimétrica, ausência de ornamentação e amplas aberturas nas fachadas, geralmente em faixas horizontais. No Brasil é introduzido na década de 30 por Le Corbusier (1887-1966), sendo influenciado pelos princípios por ele estabelecidos. A arquitetura que segue os princípios do modernismo ou que tem suas características é chamada de arquitetura moderna. É também chamada de estilo internacional” (MODERNISMO, ALBERNAZ; LIMA, 1998, p. 393).

Figura 48 - Centro. Parque Moscoso. Vista interna, Concha Acústica. Autoria: Mazzei, decáda de 1970

Fonte: Prefeitura Municipal de Vitória (1970).

A Concha Acústica foi construída na década de 1950 e inaugurada em 1953. Trata-se de um dos poucos exemplos brasileiros citados no livro Modern Architecture in Brazil, de Henrique Mindlin e consta no Dicionário da Arquitetura Brasileira, criado pelos arquitetos Corona e Lemos. Tais citações já justificariam por si só o tombamento que foi realizado pelo Conselho Estadual de Cultura, em 12 de novembro de 1986. Com ele pretendeu-se preservar o espelho d’água e os bancos de alvenaria, como complementos visuais de um importante patrimônio que contribui para a cultura capixaba (ACHIAMÉ; BETTARELLO; SANCHOTENE, 1991).

Figura 49 - Atividade na Concha Acústica. Alfredo Mazzei, 1970

Fonte: Prefeitura Municipal de Vitória (1970).

O Parque Moscoso começou a perder status quando iniciou o movimento migratório em direção às praias. Com isso, tanto o Parque Moscoso, quanto o centro da cidade perderam espaço como bairro sofisticado. A verticalização86 é desveladora de segregações e processos de exclusão, com a despotencialização da rua, por conseguinte, do próprio Parque Moscoso, como identificamos no trecho da entrevista abaixo:

Os primeiros prédios foram aqueles que eu falei, o Alfa e o edifício Moscoso. Então a partir da década de 50, final da década de 50 começa o processo de verticalização da Cidade de Vitória no seu centro urbano típico, na região do Parque Moscoso, depois na região da Praça Costa Pereira, Rua Sete e Rua Graciano Neves, depois um pouco na Cidade Alta e depois com a criação da Beira Mar, com o aterro todo da Beira Mar, toda aquela região hoje ocupada por prédios que ali está, no sentido do Saldanha da Gama. Esse processo conhecido com o processo do aumento da população de Vitória, mas é preciso levar em conta o seguinte, que o processo de

86 Lefebvre (2001) nos esclarece que com a explosão urbana rompe-se a relação polarizada centro-

periferia. Com isso, acaba ocorrendo uma redefinição do conceito de periferia. Antes era um termo que designava a região externa ao núcleo de poder econômico das cidades, enquanto hoje tem conotação econômica, social, política e cultural. Dito isso, a região do Parque Moscoso que nos idos das décadas de 1930 e 1940 era considerada a área central da passa a ser considerada periferia da cidade com uma rápida e crescente desvalorização da região.

verticalização, ou seja, da construção de residências em apartamento, em prédios. O processo de verticalização que eu estou abordando é o das residências em prédio, ele é capitalizado, ele recebe os recursos financeiros para a sua edificação daquelas famílias de Vitória que eram melhores aquinhoadas economicamente. Quem foram os primeiros adquirentes de apartamentos nessa região do Parque Moscoso? Nessa região lá da Rua Sete, etc. foram comerciantes, foram advogados, magistrados, professores (não professores primários, mas professores de ensino médio que era o que havia na época começando, só depois que veio a Universidade), médicos, engenheiros. Então era uma elite de profissionais. Foram os primeiros adquirentes dos apartamentos construídos em Vitória, na medida em que com o crescimento urbano e com a chegada dos grandes projetos aqui, o Espírito Santo, a economia do ES, ela se desdobra, ela se desenvolve não ficando adstrita a produção cafeeira. Aí então a expansão urbana e o crescimento populacional vão ditar realmente a verticalização em outros pontos da Cidade, caminhando principalmente para a Praia do Canto, onde hoje estão essas edificações. Lembrando o seguinte, até a década de 60, final de 60, 70, começo de 80 talvez. Camburi era mato. Era mato, não havia Jardim da Penha, Jardim Camburi era Camburi. E a Ponte da Passagem não é essa que hoje existe aí cheia de tubos pra cima. Essa ponte era outra ponte que era a única forma de acesso a Camburi. A Ilha do Frade e a Ilha do Boi eram ilhas e ponto final, da Praia do Canto passava-se a pé quando a maré vazava para a Ilha do Frade e passava-se também para a Ilha do Boi, mas principalmente para a Ilha do Frade. Aquilo formava, baixava a maré e as pessoas ficavam tomando banho, passavam dentro da água pra lá. Então essa verticalização ela é bem típica de uma época que, cujas as raízes já estão no final dos anos de 1950 (Entrevistado nº 10).

Nas décadas de 1980 e 1990 o bairro deteriorou-se de modo que muitas famílias saíssem da região. Mesmo assim, mantém perfil residencial com vários prédios construídos na década de 1970 (KUSTER, 2003). Percebia-se que o Parque Moscoso ia perdendo a grandeza que tinha em outros tempos, como descreve (MORAES, 1994, p. 61) “é um pulmão muito pequeno para os grandes espigões que o cercam indiscretamente e o sufocam, e para a densa população das imediações” (Figura 50).

Elas saem de lá, porque saíram, porque houve o próprio aviltamento do Centro de Vitória (Entrevistado nº 10).

Figura 50 - Parque Moscoso, vista parcial. Foto tirada do prédio à esquina da Rua 23 de Maio e Avenida Cleto Nunes. Alfredo Mazzei, 1970

Fonte: Prefeitura Municipal de Vitória (1970).

O aviltamento do Centro de Vitória resultou numa perda da qualidade de vida para os habitantes da região, relacionada a problemas ligados à cultura da violência e do medo que começaram a ganhar maiores contornos devido à falta de investimentos e abandono da região, o que vai tornando a situação mais dramática com o passar do tempo.