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2 DIÁLOGO COM AS PESQUISAS NA ÁREA

2.3 PESQUISAS REALIZADAS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO (Ufes)

3.1.2 A Educação na Cidade

Nesse momento trazemos os referenciais teóricos importantes que subsidiará nossas análises referentes tanto aos estudos da cidade, quanto da educação, e, principalmente a junção de ambas categorias com a educação na cidade. Antes de tudo, convém definirmos o que entendemos por cidade. Para isso, tomamos de empréstimo o entendimento de cidade de Lefebvre (2001, p. 62) que no trecho abaixo apresenta algumas definições a respeito:

Neste ponto, conviria definir a cidade. Se é exato que o conceito se solta pouco a pouco das ideologias que o veiculam, ele deve ser formulado no curso dessa caminhada. Portanto, propomos aqui uma primeira definição da cidade como sendo projeção da sociedade sobre um local, isto é, não apenas sobre o lugar sensível como também sobre o plano específico, percebido e concebido pelo pensamento, que determina a cidade e o urbano. Longas controvérsias a respeito dessa definição mostraram bem as suas lacunas. Antes de mais nada, ela exige algumas precisões suplementares. Aquilo que se inscreve e se projeta não é apenas uma ordem distante, uma globalidade social, um modo de produção, um código geral, é também um tempo, ou vários tempos, ritmos. Escuta-se a cidade como se fosse uma

música tanto quanto se a lê como se fosse uma escrita discursiva. Em segundo lugar, a definição exige complementos. Ela ilumina certas diferenças atuais: entre os tipos de cidade resultantes da história, entre os efeitos da divisão do trabalho nas cidades, entre as persistentes relações “cidade-território”. Donde uma outra definição que talvez não destrói a primeira: a cidade como sendo conjunto das diferenças entre as cidades. Por sua vez, também esta determinação se revela insuficiente; pondo em evidência antes as particularidades do que as generalidades, ela negligência as singularidades da vida urbana, os modos de viver da cidade, o habitar propriamente dito. Donde uma outra definição, pela pluralidade, pela coexistência e simultaneidade no urbano de padrões, de maneiras de viver e vida urbana (o pavilhão, o grande conjunto, a co-propriedade, a locação, a vida cotidiana e suas modalidades entre os intelectuais, os artesãos, os comerciantes, os operários, etc.). Essas definições (relativa aos níveis da realidade social) não pretendem ser exaustivas e não excluem outras definições (grifo nosso).

Lefebvre (2001) aborda um direito à cidade que de modo geral significa um viver a cidade em sua plenitude, revalorizando os significados existentes na cidade, sobretudo o seu valor de uso, entendendo a mesma diferentemente da cidade como uma mercadoria, como um produto de consumo de acordo com os interesses do capital que acaba marginalizando os que detêm menos posses, enquanto na verdade todos sem distinção têm direito à cidade.

O remanejamento da cidade ocorre sempre por uma estratégia de classe que não tem relação com a realidade da cidade, com sua própria vida, segundo Lefebvre (2001). Relembra o exemplo de Paris que viveu entre 1848 e Haussmann o auge da vida urbana na capital – vida retratada em poesia e literatura, mas que mais tarde se encerrará. Para ele a vida urbana é permeada por encontros, confrontos, diferenças, conhecimentos e reconhecimentos recíprocos (inclusive no confronto ideológico e político) dos modos de viver que coabitam na cidade.

Em sua obra, Lefebvre faz uma constante oposição entre o valor de uso e o valor de troca, tendo como referência conceitos criados por Karl Marx12. Mas, o que seria valor

12“O foco de Marx em O Capital, sua obra madura, é a sociedade capitalista, a forma de organização social mais desenvolvida e mais variada de todas já existentes. [...] A unidade analítica mais simples dessa sociedade e a expressão elementar de sua riqueza é a mercadoria, forma assumida pelos produtos e pela própria força de trabalho, e composta por dois fatores: valor de uso e valor de troca. Por um lado, a mercadoria tem a propriedade de satisfazer as necessidades humanas, sejam as do estômago ou da fantasia, servindo como meio de subsistência ou de produção. Por ser útil, ela tem um valor de uso que se realiza ou se efetiva no consumo, enquanto o que não se consome nunca se torna mercadoria. Coisas úteis, porém, podem não ser mercadorias, desde que não sejam produtos do trabalho ou não se destinem à troca (como a produção para uso próprio). Para calcular o valor de troca de uma mercadoria, mede-se a quantidade da ‘substância’ que ela contém, o trabalho, embora para isso não se levem em conta as diferenças entre habilidades e capacidades de seus produtores individualmente e, sim, a força social

de troca e o valor de uso na obra de Lefebvre? Para o autor, o valor de uso corresponde a cidade, a vida urbana, o tempo urbano, enquanto o valor de troca são os espaços comprados e vendidos, o consumo de produtos, dos bens, dos lugares e dos signos.

A cidade e a realidade urbana dependem do valor de uso. O valor de troca e a generalização da mercadoria pela industrialização tendem a destruir, ao subordiná-las a si, a cidade e a realidade urbana, refúgios do valor de uso, embriões de uma virtual predominância e de uma revalorização do uso (LEFEBVRE, 2011, p. 14).

Ainda em relação à cidade, concordamos com Lefebvre (2001) quando faz a diferenciação entre habitat e habitar. O habitat é a moradia reduzida à função de morar numa cotidianidade alienada, enquanto habitar é o viver plenamente a cidade – como pretende nosso trabalho. Lefebvre (2001) esclarece que o direito à cidade deve ser compreendido não apenas quanto à garantia de acesso às condições mínimas de reprodução social, mas também direito à vida urbana, valorizando a obra em detrimento do produto.

Conforme coloca Lefebvre (2001, p. 12):

A própria cidade é uma obra, e esta característica contrasta com a orientação irreversível na direção do dinheiro, na direção do comércio, na direção das trocas, na direção dos produtos. Com efeito, a obra é valor de uso e o produto é valor de troca. O uso principal da cidade, isto é, das ruas e das praças, dos edifícios e dos monumentos, é a Festa (que consome improdutivamente, sem nenhuma outra vantagem além do prazer e do prestígio, enormes riquezas em objetos e em dinheiro).

Em diálogo com Gadotti (2006) consideramos que a cidade, além de cumprir suas funções tradicionais (econômica, social, política e de prestação de serviços), exerce também outra função cuja finalidade é a formação para e pela cidade, uma função educativa. Ele propõe uma pedagogia da cidade “[...] para nos ensinar a olhar, a descobrir a cidade, para poder aprender com ela, dela, aprender a conviver com ela” (GADOTTI, 2006, p. 05).

Freire (1993, p. 16) coloca a educação “[...] enquanto processo permanente e a vida das cidades, enquanto contextos que não apenas acolhem a prática educativa, como prática social, mas também constituem, através de suas múltiplas atividades, em contextos média, o tempo de trabalho socialmente necessário, isto é, ‘todo trabalho executado com grau média de habilidade e intensidade em condições normais relativas ao meio social dado’. Ou seja, o valor de troca é feito segundo o tempo de trabalho gasto na sua produção em uma sociedade e em um período dados” (QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2003, p. 45).

educativos em si mesmas”. A partir desse ponto de vista é possível promover educação em qualquer espaço da cidade. Dessa forma, “[...] o educador deve contemplar a cidade, pensar a cidade, extrair de cada espaço dela as lições que possam dar mais vida às pessoas, humanizar os cidadãos”, como colocado por Chisté e Sgarbi (2016, p. 11)13.

Segundo Lefebvre (2001) a cidade pode apoderar-se das significações políticas, religiosas e filosóficas, o que faz dela um conjunto significante. A cidade existe e tem voz nos edifícios, nos monumentos, e se faz nas ruas e praças, pelos vazios, como também pela teatralização espontânea dos encontros que nelas acontecem, sem contar as festas, as cerimônias, com seus lugares determinados.

Devemos considerar a cidade como um artefato, conforme nos ensina Meneses (1996, p. 149):

A cidade é artefato, coisa complexa, fabricada historicamente produzida. O artefato é um segmento da natureza socialmente apropriado, ao qual se impôs forma e/ou função e/ou sentido. Espaços, estruturas, objetos, equipamentos, arranjos gerais, etc., todavia, foram produzidos por forças que não é possível excluir do entendimento: forças econômicas, territoriais, especulativas, políticas, sociais, culturais, em tensão constante num jogo de variáveis que é preciso acompanhar. Em última instância, o artefato é sempre produto e vetor deste campo de forças nas suas configurações dominantes e nas práticas que ele pressupõe.

Em outras palavras, a cidade deve ser pensada como algo fabricado que gera e suporta um complexo campo de forças econômicas, territoriais, especulativas, políticas, sociais e culturais, historicamente produzidas a partir do envolvimento de diversos agentes, comportando ainda uma terceira dimensão, também fundamental, que é a da representação. Desse ponto de vista, então, a cidade pode nos ensinar sobre sua fatura, sobre os agentes neles envolvidos, sobre seus interesses e seus sentidos simbólicos (MENESES, 1996).

Dentro disso também trabalhamos com a ideia lançada por Freire (1993) de que o conjunto das memórias da cidade também exerce função educativa, pois são manifestações vivas da cultura. O nosso trabalho pretende ativar essa memória ligada ao Parque Moscoso em conexão com a cidade, que fala “[...] de épocas diferentes, de

13 Nos aproximamos da concepção de “cidade educativa” de Paulo Freire, entendendo que a educação e

um ato político, não neutro e ideológico, e de forma mais ampla, da “educação na cidade”, como sendo aquela que promove a humanização, o empoderamento e a construção da cidadania plena com vistas à transformação social (CHISTÉ; SGARBI, 2016).

apogeu, de decadência, de crises, de força condicionante das condições materiais” (FREIRE, 1993, p. 24).

Após trazermos considerações sobre o entendimento do Parque Moscoso através da perspectiva da educação na cidade, apresentamos o Parque Moscoso como espaço de memória, ponto central da nossa investigação.