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A conexão texto-mundo

CAPÍTULO IV – É HORA DA HISTÓRIA

4.3 A conexão texto-mundo

conexões pessoais das crianças, houve maior envolvimento das mesmas. Fato que pode ser explicado por estarem mais familiarizadas com a presença de uma pessoa que não compunha o espaço ao qual estão inseridas e assim sentiram maior segurança em expressar suas opiniões. Também pelo fato desse tipo de conexão ser defendido muitas vezes como mais fácil de ser apreendida, vez que contempla a associação de novas informações às lembranças e realidade do aluno.

Nessa conjuntura, “os dados do texto ganham concreticidade quando o leitor consegue identificar nos eventos relatados algo que vivenciou ou que conhece da experiência de sua família” (COSSON, 2014, p. 73). Assim, estabelecendo conexões entre as novas informações e seu conhecimento enciclopédico, maior será sua compreensão do texto.

Figura 6- Obra lida na 4ª oficina

A leitura da narrativa induz à realização de inferências que levam à refutar o que foi sugerido pelo título e pela própria capa do livro. Esta, apresenta a história de animais do cerrado que, entediados e sonolentos, resolvem jogar queimada para se distraírem e esta distração vira uma grande diversão dos bichos.

A maioria dos leitores ao se deparar com o livro, imediatamente associa o significado da palavra queimada com incêndios no cerrado que, quando ocorrem, são sempre divulgados na mídia, e fazem parte do conhecimento enciclopédico da maioria das pessoas que moram na região. Neste contexto, o objetivo é potencializar o aprendizado da compreensão leitora, relacionando o que as crianças sabem, o que vivenciam através dos meios de comunicação e a leitura realizada. Com isso, se pretende levá-las a perceber a ambiguidade e multiplicidade de sentidos das palavras no contexto ao qual se inserem e, assim, levar à compreensão do texto.

Antes de começar a leitura, as crianças foram indagadas a respeito do enredo da história, através do seu título e capa, no exercício de antecipar hipóteses, fazendo predições sobre os fatos que iriam ocorrer na narrativa. Todas inferiram um único significado à palavra queimada, dizendo que se tratava de uma história em que árvores pegam fogo. No início, as crianças demostraram surpresa mediante ao seu curso inesperado, o que antes parecia se tratar de coisa séria, ligada à tragédia de árvores pegando fogo e muitos animais assustados, não passava de uma grande brincadeira em que os animais se reúnem para jogar queimada. Neste momento específico, fiz uma pausa e questionei se conheciam o jogo, se costumavam brincar. Todos afirmaram que conheciam e alguns descreveram a brincadeira.

No decorrer da história, em sua maioria, as crianças não mais estavam participativas. Como a história escolhida era um pouco mais extensa que as contadas anteriormente e em relação as que têm contato, como relatou a professora regente, que opta por contar histórias de livros pequenos e as maiores conta em dois dias, a maioria permaneceu atenta somente ao início da oficina e primeira parte da história. Outro fato que pode ter influenciado no comportamento das crianças é a permanência na sala de aula durante todo o período, sem o intervalo do recreio. Houve muita dispersão, muitos conversando, andando, colorindo atividades, brincando com massinha de modelar, distraídos com diversas coisas, e quando os chamava para a história muitos nem sabiam qual passagem estava sendo abordada.

Embora não seja o foco da pesquisa discutir corporeidade, enfatizamos sua pertinência no fato presenciado. A ação de punir as crianças, devido a mau comportamento, deixando-as sem recreio, é recorrente na instituição. Acreditamos que esta prática não seria a melhor alternativa, haja vista a interferência na ação formativa das crianças, pois como permanecem muito tempo na sala, sentados, enfileirados, numa formação padronizada, quietos e em silêncio, são tolhidos de períodos lúdicos e de espaço físico direcionado a esses momentos. Assim, melhoram o comportamento dentro da sala de aula, como afirma a própria professora, mas percebe-se que ficam desmotivados, cansados e desinteressados, pois não encontram espaço em que possam atuar com liberdade corporal, visto que o único espaço que compõe essa prática é o intervalo. Em vista disso, o que é considerado, na maioria das vezes, são os valores comportamentais e o corpo como “[...] objeto de normas disciplinares, de bons costumes e de posturas corretas” (SANTIN, 2006, p. 46). A preocupação está muito mais em disciplinar os corpos, em torná-los submissos, do que em dar oportunidades

expressivas a este.

Daí que, na oficina, que ocorre sempre após o intervalo, posterior à punição, com a presença da pesquisadora que compunha o espaço somente uma vez por semana, querem fazer qualquer outra coisa que se distancia do “sentado, quieto, silêncio, cabeça baixa, prestando atenção” e quando são chamados para o diálogo, a maioria mostra desinteresse. Com o intuito de driblar esse desinteresse, algumas pausas foram feitas, objetivando chamar as crianças para os acontecimentos da história e especificamente no destaque de palavras que pareciam menos comuns ao cotidiano dos alunos. Os alunos eram incitados a pensarem o conceito da palavra no contexto da história, para isso, lançava a pergunta em relação ao que significaria a palavra e repetia o trecho uma, duas,

três vezes, até que os alunos se mostrassem seguros o suficiente para expressarem suas possíveis definições. Exemplo disto está no fragmento em destaque:

Pesquisadora: Alguém sabe o que é entediado? Vou repetir essa parte: “Os bichos permaneciam deitados, esparramados pelo cerrado, vendo as nuvens passarem. Sonolentos e Entediados”.

Aurora: Quando a gente não quer fazer nada.

Dorothy: Quando não quer arrumar a casa.

João: Quando está com preguiça. (DIÁRIO DE BORDO, 8 mar. 2017).

As respostas dos que participaram do exercício de inferir foram valorizadas, pois conseguiram realizá-lo a partir do contexto ao qual a palavra estava inserida, não porque dominavam o significado da palavra, pois quando pronunciavam certas palavras, como por exemplo, a destacada acima, a expressão facial de alguns alunos indicava desconhecimento de seu significado. Nesta conjuntura, a partir da mediação com ênfase nos trechos e contextos ao qual a palavra desconhecida estava inserida, os alunos conseguiram ativar seus conhecimentos prévios e realizar inferências, garantindo o significado compatível ou mais próximo do que se tratava. Neste sentido o que se buscou foi a interlocução com o texto a partir do significado atribuído às palavras desconhecidas.

No momento do diálogo pós-leitura, a tentativa foi discutir sobre o que a história fez as crianças lembrarem. Foram instigadas a pensar a história em aspectos amplos, relacionando-a com vários fatores, acontecimentos que já vivenciaram ou que já ocorreram ao seu redor, na sua escola, bairro, cidade. Neste momento, assim como o anterior, poucas participaram e as que assim fizeram, retomaram a ideia de queimada como algo que estaria pegando fogo e destacaram que já viram queimadas perto de suas casas, outros disseram lembrar-se de outras histórias com animais, citando histórias já contadas em oficinas anteriores e situações do cotidiano em que viram diversos animais, alguns destes presentes na história. O aluno Gepeto disse que o cenário o fez lembrar de quando plantou uma árvore de maçã com seu pai. Todos os fatos registrados pelos alunos destacam a abrangência das conexões e que os alunos, a partir da mediação do professor, fizeram uso de três tipos de conexões, texto-mundo, texto-texto e texto-leitor.

Trabalhar os três tipos de conexões não era o foco da oficina, mas a partir dos elementos textuais presentes na história, os alunos se sentiram à vontade para associá-la a diversos aspectos, seja de seu cotidiano, outras histórias ou de fatos que os cercam.

Mediante aos destaques, evidenciamos a importância da ativação do

conhecimento prévio do aluno para a aquisição de suas conexões pessoais, levando-o a interlocução com o texto lido. Neste sentido enfatizamos que:

Os pequenos leitores de literatura infantil se formam como leitores porque aprendem a ler, não porque pronunciam as palavras, nem porque as veem, mas porque estabelecem ligações entre o conjunto de sentido por elas formado e o conjunto de sentidos que consistem suas experiências de vida (GIROTTO; SOUZA, 2010, p. 41).

Além disso, este fato confirma o aprendizado como processo não controlável, no sentido de normalmente extrapolar o que foi planejado. Cabe ao professor aproveitar os momentos de interação, valorizando os dizeres dos alunos e levando-os a cada vez mais se tornarem leitores ativos.