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Texto literário, alfabetização e letramento

CAPÍTULO II - ENREDO DA HISTÓRIA

2.2 Texto literário, alfabetização e letramento

compreensão textual. A leitura da palavra só terá sentido se tiver como ponto de partida o conhecimento de mundo.

Kleiman (2002, p. 13) denomina este saber, de conhecimento prévio. Para ela, somente pela utilização do conhecimento prévio é que ocorre a compreensão de um texto. Ou seja, “o leitor utiliza o que ele já sabe, o conhecimento adquirido ao longo de sua vida”, afirma ainda que, “sem o engajamento do conhecimento prévio do leitor não haverá compreensão”. O conhecimento prévio dará ferramentas, suporte, possibilidades para o leitor fazer suas inferências e produzir sentido.

É a partir de seu conhecimento prévio que o aluno atribui um sentido ao texto, sendo assim, há uma pluralidade de leituras e sentidos que são extraídos pelo conhecimento e vivências individuais. Sabendo dessa pluralidade de vivências, valores transmitidos, convívio e práticas sociais distintas, o educador deverá ter o cuidado de estimular seus alunos a traçarem suas interpretações ao texto como leitores ativos. No caso específico dos alunos dos anos iniciais, estes colocarão em prática o exercício de compreensão e interpretação, quando o educador partir de textos que compõem o universo infantil e o ambiente ao qual estão inseridos, com o objetivo de proporcionar uma interação participativa, dinâmica e estabelecer relações com o conhecimento que já possuem aos novos conhecimentos que serão adquiridos.

Cosson (2007) salienta que a leitura literária se abre para variadas possiblidades de diálogo entre leitor e texto. Segundo o autor, a literatura tem a função de estabelecer um mundo compreensível, pois nos instiga a pensar em nós mesmos através de vivências literárias, comparando experiências ou vivenciando experiências novas. “É por possuir essa função maior de tornar o mundo compreensível transformando sua materialidade em palavra de cores, odores, sabores e formas intensamente humanas que a literatura tem e precisa manter um lugar especial nas escolas” (COSSON, 2007, p. 17).

Neste contexto, a literatura infantil enquanto prática cultural, ministrada para o pequeno leitor na escola, assume a função de formá-lo integralmente, pois:

Os pequenos leitores de literatura infantil se formam como leitores porque aprendem a ler, não porque pronunciam as palavras, nem porque as veem, mas porque estabelecem ligações entre conjunto de sentido por elas formado e o conjunto de sentidos que constituem suas experiências de vida (ARENA, 2010, p. 41).

Assim sendo, o trabalho com a literatura promove a inserção da criança na cultura escrita, por isso, a importância de considerarmos “a experiência precoce da criança que aborda a língua escrita a partir da forma visual do texto e perceber que a entrada na linguagem escrita, ou seja, o letramento se inicia antes que ela reconheça a dimensão alfabética” (BAJARD, 2007, p. 38).

Desse modo, o texto literário é o gênero que propicia o contato com a estrutura da língua escrita, com as práticas letradas de uso da língua, com a proposta de articular a leitura e a escrita como processos formativos, trabalhando em consonância leitura compreensiva e produção textual (SARAIVA, 2001).

Arena (2010) nos esclarece que a literatura infantil como produção cultural vinculada aos processos de alfabetização e letramento evidenciou-se a partir das novas concepções de ensino-aprendizagem da leitura e da escrita. Ressalta que “[...] a criança, na relação com o texto literário, apropria-se da cultura e da especificidade desse gênero, de sua identidade e, ainda, da diversidade de gêneros literários abrigados sob a mesma categoria: a poesia, o conto, a novela, a crônica e outros” (ARENA, 2010, p. 25).

Nesse sentido, equívocos precisam ser superados no trato com textos literários, pois muitas vezes são utilizados na escola apenas como pretexto para o ensino de boas maneiras, hábitos de higiene, deveres do cidadão, tópicos gramaticais, dentre outros temas e conteúdos que destroem a leitura pela fruição e prazer estético (BRASIL, 1997,

p. 37).

Cosson (2007) elucida ainda que:

Na escola, a leitura literária tem a função de nos ajudar a ler melhor, não apenas porque possibilita a criação do hábito de leitura ou porque seja prazerosa, mas sim, e sobretudo, porque nos fornece, como nenhum outro tipo de leitura faz, os instrumentos necessários para conhecer e articular com proficiência o mundo feito linguagem (COSSON, 2007, p. 30).

Assim, para que o professor garanta o cumprimento das propostas de leitura de textos literários, não como pretexto3, mas como componente importante ao processo de alfabetização, que contempla a ação de aprender a ler e escrever, será necessário entender que alfabetizar vai além da decifração, ou seja, do reconhecimento da técnica da escrita. Quanto a isso, Solé (1998) afirma que o que ocorre é uma definição e interpretação errônea do termo alfabetização, muitas vezes restrita a um procedimento de transição da linguagem oral que é desenvolvida naturalmente, para a linguagem escrita que exige um ensino formal para se desenvolver.

Nesta visão, o aluno que de fato aprende a ler e escrever no “sentido cabal da palavra” (KLEIMAN, 2001), ou seja, sabe compreender significados, encontrar sentido naquilo que é posto enquanto leitura e escrita, aplica tal conhecimento ao que já traz consigo e à sua realidade, é também letrado. Daí a explicação de trazermos os dois termos em consonância, pois a alfabetização, em seu sentido amplo, é aquela que abarca o letramento em suas inúmeras formas e significações, aplicadas tanto à escrita quanto a leitura. Alfabetização no seu sentido amplo deve estar atrelada à definição de letramento e não há como desvincular os dois processos.

Ao contrário dessa visão, estudos mostram que os processos de alfabetização ainda estão muito focados na busca de métodos de ensino eficazes para a aquisição da escrita, anterior à aquisição da leitura. Tal fato é problematizado pelos autores que dão sustentação à presente pesquisa. Segundo os estudos, a preocupação dos educadores, em sua maioria, está em “formar leitores escolares”, alunos alfabetizados que sabem decodificar palavras e realizar as atividades escolares.

Nesta perspectiva, a palavra alfabetização tem como significado “a ação de ensinar/aprender o restrito”, assim como delimita Carvalho (2007, p. 65), que a define como “aprendizagem inicial da leitura e escrita”, que é um caráter específico da

3 Expressão usada no sentido de evidenciar que o texto na sala de aula não deve ser usado com um único objetivo, o ensino gramatical por exemplo ou independente do seu contexto (COSSON, 2014, LAJOLO,2009).

alfabetização, assim como afirma a autora, é um processo limitado de ensinar ou aprender letras, sons e códigos alfabéticos. Atrelada a tais definições é possível identificarmos o discurso presente em inúmeras instituições em que a importância maior está em alfabetizar as crianças em seu sentido restrito, cumprindo com as exigências do calendário escolar e com o planejamento proposto, e não em uma definição vinculada ao ato de letrar. Para Kleiman (2001), esta é uma concepção equivocada, vez que a leitura como decodificação é entendida por ela, como uma prática empobrecedora, que em nada modifica a visão de mundo do aluno.

Diante da discussão, surge a importância de se distinguir os conceitos de alfabetização e letramento. Essa distinção é explicada por Carvalho, ancorada na discussão de Soares:

A diferença está na extensão e na qualidade do domínio da leitura e escrita.

Uma pessoa alfabetizada conhece o código alfabético, domina as relações grafofônicas, em outras palavras, sabe que sons as letras representam, é capaz de ler textos simples, mas não necessariamente é usuário da leitura e da escrita na vida social. Pessoas alfabetizadas podem, eventualmente, ter pouca ou nenhuma familiaridade com a escrita dos jornais, revistas, documentos, e muitos outros tipos de textos; podem também encontrar dificuldade para se expressarem por escrito. Letrado, no sentido em que estamos usando esse termo, é alguém que se apropriou suficientemente da escrita e da leitura a ponto de usá-las com desenvoltura, com propriedade, para dar conta de suas atribuições sociais e profissionais (CARVALHO, 2007, p .66).

O termo letramento passou a ser utilizado no Brasil em meados dos anos de 1980. Segundo Soares (2014), a palavra letramento é originária da palavra inglesa literacy, que é o estado ou condição que assume aquele que aprendeu a ler e escrever.

Apreensão que vai além da técnica de decodificação, no sentido de compreender o significado daquilo que se escreve e se lê.

É esse, pois o sentido que tem letramento, palavra que criamos traduzindo

“ao pé da letra” o inglês literacy: Letra-, do latim littera, e o sufixo-mento, que denota o resultado de uma ação (como, por exemplo, em ferimento, resultado da ação de ferir). Letramento é, pois, o resultado de uma ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter se apropriado da escrita (SOARES, 2014, p. 18).

Assim sendo, a partir da utilização do termo nas escolas brasileiras, passa-se a exigir mais dos alunos que precisam dominar, além do código alfabético, a competência de compreensão e interpretação textual (OLIVEIRA; ANTUNES, 2013, p. 66).

Segundo Kleiman (2005) o conceito de letramento refere-se não somente aos

usos da língua escrita na escola, mas também ao uso da língua escrita em outros ambientes. Aqui, o termo será tratado como a apropriação das práticas sociais de leitura e escrita no ambiente escolar, no exercício de compreender, interpretar textos, extrair deles informações e conhecimentos, aplicáveis à realidade.

Nesse processo, o indivíduo pode não saber ler e escrever (ser analfabeto), mas pode atribuir significado naquilo que ouve (ser letrado):

Assim um adulto pode ser analfabeto, porque marginalizado social e economicamente, mas, se vive em um meio que a leitura e a escrita têm presença forte, se se interessa em ouvir a leitura de jornais feita por um alfabetizado, se recebe cartas que outros leem para ele, se dita cartas para que um alfabetizado as escreva (e é significativo que, em geral, dita usando vocabulário e estruturas próprios da língua escrita), se pede a alguém que lhe leia avisos ou indicações afixados em algum lugar, esse analfabeto é, de certa forma, letrado, porque faz uso da escrita, envolve-se em práticas sociais de leitura e de escrita. Da mesma forma, a criança que ainda não se alfabetizou, mas já folheia livros, finge lê-los, brinca de escrever, ouve histórias que lhe são lidas, está rodeada de material escrito e percebe seu uso e função, essa criança é ainda “analfabeta”, porque não aprendeu a ler e escrever, mas penetrou no mundo do letramento, já é, de certa forma, letrada. Esses exemplos evidenciam a existência deste fenômeno a que temos chamado de letramento e sua diferença deste outro fenômeno a que chamamos alfabetização, e apontam a importância e necessidade de se partir, nos processos educativos de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita voltados seja para crianças, seja para adultos, de uma clara concepção desses fenômenos e de suas diferenças e relações (SOARES, 2014, p. 24).

Partindo do termo letramento como apropriação dos usos e funções da leitura e da escrita, surge o termo letramento literário que se relaciona com a interação com o livro. O letramento literário é uma prática social em que a literatura assume o papel humanizador, sendo fundamental no processo educativo, pois estabelece ações comunicativas que vão além da simples leitura. (COSSON, 2007).

Paulino e Cosson (2009, p. 67), definem o letramento literário como “o processo de apropriação da leitura enquanto construção literária de sentidos”. Enquanto processo de apropriação da língua escrita, o letramento literário é percebido como uma ação que se renova a cada experiência de leitura, não se limitando a uma mera habilidade adquirida em um determinado espaço.

Dessa forma, para desenvolver nas series iniciais, trabalhos relacionados ao letramento literário, faz-se necessário que o aluno tenha o contato direto com o livro, pois este permitirá a experiência com diversos aspectos que vão desde a percepção da característica da capa até o diálogo entre imagens e texto verbal. Tais aspectos não são contemplados por fragmentos xerocopiados do texto ou escritos na lousa para uma

atividade de cópia realizada pelos alunos (PAIVA; RODRIGUES 2008).

Dando seguimento às discussões, Cosson (2007) nos apresenta três elementos na compreensão da leitura e aquisição do letramento literário: antecipação, decifração e interpretação. Antecipação é a predição que fazemos antes e durante a leitura, levantando hipóteses, através de seus aspectos textuais, capa, título, dentre outros. A decifração é a capacidade de reconhecer letras e palavras num determinado contexto, fase em que o leitor inexperiente encontra maior dificuldade, pois se atém somente à técnica e muitas vezes não compreende aquilo que lê, diferentemente do leitor maduro.

Já a interpretação, é definida como etapa em que o leitor ativa suas inferências para construir um sentido para o texto, relacionando-o com seu conhecimento de mundo.

Sendo assim, é função da escola inserir o aluno nas práticas letradas e para que isso ocorra, faz-se necessário uma formação cultural ampla do professor. Este deve estar diretamente envolvido com a leitura literária como fruição e apreciação estética, pois a formação do leitor, no âmbito do letramento literário, advém de um processo de apropriação que precisa ser exercitado continuamente (ROSSI; PERES, 2015).

Destacamos que a pesquisa se direciona a práticas de leituras significativas, no sentido de estimular o letramento literário com crianças de seis anos de idade, a partir da mediação do professor e através de estratégias de leitura, na busca de problematizar como se dá o processo contínuo de construção de diversas habilidades e competências leitoras, numa relação dialógica entre pesquisador-texto-aluno.