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O registro como prática da escrita

CAPÍTULO IV – É HORA DA HISTÓRIA

4.5 O registro como prática da escrita

relativas ao texto que tentamos responder ao longo da leitura” (Silva, 2014, p. 74).

Sendo assim, as crianças fizeram muitas predições da história, levantando hipóteses do suposto autor do “troca-troca”. Em uma determinada passagem, inferiram que era o menino o autor da troca dos objetos dos passageiros do trem, devido sua expressão facial. Em outro momento, em que a menina aparece sorrindo, levantaram a hipótese de ela estar causando a confusão e muitos enfatizaram ainda, que talvez poderia ser um fantasma que tivesse causando todo aquela bagunça, por tal motivo o fantasma não era visível a todos os passageiros e só agia no escuro, quando o trem passava em um túnel. No fim da história os alunos se espantaram com o desfecho da mesma, pois mesmo com todos os questionamentos e hipóteses levantadas, nenhuma se aproximou da descoberta do verdadeiro autor do troque-troque no trem. Se surpreenderam ao ver na cena da narrativa que se tratava de um macaco travesso que também estava no trem e que, até então, não havia aparecido no decorrer das cenas.

No conjunto, o processo de construção de inferência e visualização pelos alunos foi gradativo pois, conforme as leituras tornavam-se mais complexas, exigindo um maior grau compreensivo do leitor, maior a interação dos mesmos com as obras e na utilização de estratégias de leitura. Dentre as estratégias de leitura abordadas e as existentes ainda há a sumarização, a síntese e perguntas ao texto, mas não serão destacadas, pois nos atemos somente às citadas, entendendo que as conexões, inferências e visualizações são primordiais nesta etapa de escolarização da criança.

Borbopeia, Centopeia”, de Ivacy F. Oliveira e Odiléia Lindquist. A trama tem como principal personagem a centopeia Léia que, cansada de andar e comprar sapatos, decide voar e tenta, durante toda a narrativa, convencer outros animais a trocar asas por pés.

Além de exigir do aluno atividades de inferência e conexão para ser entendida, possibilita também o desenvolvimento da consciência lexical da criança, definida por Soares (2016, p. 173) como a capacidade de reconhecer “[...] na cadeia sonora da fala, unidades de língua não percebidas fonologicamente como unidades independentes, mas claramente definidas como tal pela escrita [...]”. Tal compreensão é vista como um importante conhecimento a ser adquirido no processo de alfabetização.

Nesse aspecto, a narrativa em questão possibilita a consciência lexical, ou seja, a consciência da palavra, que se insere em um nível da consciência fonológica, por explorar a formação de palavras a partir da junção dos nomes dos animais que aparecem na história, como centopeia e borboleta, também como forma de estimular as crianças a fazerem articulações do nome centopeia com outros animais que fazem parte da

narrativa.

Assim, procedemos com a transcrição do título da história na lousa, incentivando a apropriação da escrita pelas crianças, com foco na consciência lexical, da palavra fonológica e da palavra escrita e a partir dos nomes “centoleta e borpoeia”, os alunos foram instigados a refletirem sobre os sons das palavras, a palavra escrita e na segmentação das mesmas em sílabas, identificando assim a palavra real. Assim, a consciência fonológica engloba habilidades de reconhecer rimas, aliterações e segmentação de palavras em sílabas “[...] levam a criança à consciência da palavra como entidade fonológica arbitrária e, consequentemente, à compreensão do princípio alfabético.” (SOARES, 2016, p. 178).

Figura 10- Narrativa da 15ª Oficina

Em conjunto com a sensibilização da consciência lexical, a proposta da oficina foi que os alunos, a partir da ativação de seus conhecimentos prévios estivessem atentos aos detalhes da narrativa inferindo seu enredo e realizando conexões. Logo no início da leitura as crianças realizaram sua associação com a história lida na quinta oficina, “A centopeia que pensava”, de Herbert de Souza Betinho, por tratarem do mesmo personagem. Já no decorrer da mesma, quando a centopeia se depara com a formiga e a cigarra, os alunos estabeleceram conexões texto- texto com a história “A formiga e a cigarra” que foi contada pela professora regente em sala de aula.

Após a leitura do livro, os alunos foram convidados a registrarem, escrevendo ou desenhando, o que mais acharam interessante na história. Esta dinâmica trata-se também, segundo Santos e Souza (2011) de um trabalho com a estratégia de visualização, pois durante a leitura os alunos fizeram o exercício de imaginar os detalhes da história, refletindo sobre suas passagens. Após a realização da leitura, a ideia era que registrassem os detalhes da história a partir das imagens mentais que fizeram e posteriormente compartilhar com seus colegas suas impressões, contribuindo para o processo de compreensão textual da turma.

A maioria argumentou não saber ler e que por esse motivo preferia desenhar, mas foram incentivados a escreverem, mesmo que fosse preciso auxílio da pesquisadora ou professora regente. Os poucos que arriscaram na escrita não o fizeram sozinhos,

pedindo ajuda para formar palavras e frases referentes ao texto lido, como no registro em destaque:

Figura 11- Registro de uma criança na15ª Oficina

Em seu registro, a criança deu ênfase à passagem que a centopeia vá até a formiga fazer-lhe uma proposta e, com o auxílio da professora, registra o momento do diálogo com suas palavras. Nos dizeres de Marcelo: “A centopeia diz: - Você quer trocar cem pés por asas? E a formiga respondeu: - Deixei minhas asas em casa e estou trabalhando muito!” (Diário de Bordo, 31, maio, 2017).

O aluno Marcelo havia feito a conexão texto-texto com a história “A cigarra e a formiga” e em seu registro destacou esse fragmento, comprovando que houve compreensão da mesma à medida que a associou com o que já trazia de experiência situadas em outras leituras, enfatizando o que nos diz kleiman (2002) que após a leitura não nos lembramos da história na integra, o que ficará registrado na nossa memória são as inferências que fizemos durante a mesma. Portanto, é possível afirmar que os alunos registraram o que de fato foi determinado pelos seus conhecimentos prévios, inferidos na narrativa como construção de sentidos, pois no que tange ao registro das crianças, principalmente focado nas passagens que se assemelhavam com as histórias que já conheciam, afirmamos que houve compreensão.

O registro como prática da escrita foi destaque também na oficina posterior onde à narrativa escolhida foi “O rei sapo”, dos irmãos Grimm, seguindo a mesma dinâmica da anterior, onde os alunos registrariam a parte da história que mais acharam interessante, ficando a critério dos mesmos a forma de registro que quisessem destacar,

por escrito ou ilustrativo. Nesta oficina, diferentemente da anterior, mais alunos optaram por um registro misto, muitos pediram auxílio para escrever determinadas palavras e em geral os registros tratavam dos momentos de diálogo da princesa com o sapo, como demonstrado nos registros reproduzidos a seguir:

Figura 12- Registros da 16ª Oficina

Esses registros demarcam a sequência dos fatos da narrativa lida, tendo em destaque passagens que os alunos acharam importante serem evidenciadas. No primeiro desenho, Nuno evidencia o encontro inicial dos personagens, momento em que a bola da moça cai no fundo do poço e o sapo se propõe resgatá-la a partir de alguns combinados que estabelece com a princesa. De acordo com o aluno, “a princesa disse: – Vá buscar a bola. E o sapo respondeu: – Só se deixar dormi na sua cama.”(Diário de Bordo, 7 jun., 2017). Concomitante à sequência da história, Aurora enfatiza a passagem em que o sapo já está no quarto da menina, mas sendo ignorado por ela, que não o deixa deitar em sua cama. Nos dizeres da aluna “disse o sapo: – Você é má!” (Diário de Bordo, 7 jun., 2017). Por sua vez, o último registro em destaque demarca a passagem em que a princesa rejeita o sapo, a partir da escrita de Gepeto o sapo responde a princesa à altura, embora a ordem das falas dos personagens apareça trocada na imagem. Quando questionado, o aluno ressalta primeiramente a fala da princesa e posteriormente a do sapo como resposta à soberba da princesa que diz: “– É grande meu reino. E o sapo responde: – Eu não sou 1 sapo qualquer.” (Diário de Bordo, 7 jun.,

2017).

Nesse sentido, analisando os registros e as falas dos alunos mediante a explicação dos mesmos, pudemos perceber que estes compreenderam a história, identificaram a trapaça da menina que fez uma promessa e não a cumpriu, perceberam que ela ignorou quem tanto a ajudou e que a todo momento demonstrava-se superior, mas foi surpreendida, pois o sapo não era um sapo qualquer. Deste modo, as crianças

demonstram com suas palavras a interpretação que construíram.

Assim, a ressignificação do texto pelas crianças comprova que de fato compreenderam o texto, vez que interagiram com o mesmo (BRITTO, 2012). Deste modo, “todo leitor traz para o texto seu repertório de saber prévio e vai, com isso, realizando inferências ou interpretando os elementos não explicitados no texto; e vai assim, compreendendo-o” (ANTUNES, 2003, p. 84).