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CAPÍTULO II: LITURGIA E VIDA DA IGREJA

3. Os aspectos centrais da vida litúrgica

3.2 A iniciação cristã: os sacramentos

3.2.2 A Confirmação

A Confirmação, inserida no momento litúrgico da iniciação cristã, possui ritos tão associados ao Baptismo, que se torna difícil distinguir no conjunto dos ritos os momentos que são especiais para cada um deles. Muitas vezes dizia-se «Baptismo em Espírito», o que fazia com que estivessem mais associados. Por exemplo, na Sagrada Escritura, quando se fala do Baptismo, está sempre associado à efusão do Espírito. João Baptista prometeu um Baptismo no Espírito realizado por Jesus (Mt 3,11). Por isso, distinguir a identidade teológica deste sacramento, separando-o do Baptismo, tem sido uma tarefa provocadora de grandes discussões, uma vez que «é um dos problemas mais difíceis na

170 Cf. JUSTINO, Apol. I, 61,3, SCh 507, p. 288. 171 TERTULIANO, De Baptismo, 6,1, SCh 35, p. 75.

62 teologia dos sacramentos»172. Em Act 8,4-20 e 19,1-7 fala-se da imposição das mãos

sobre os que só tinham recebido o Baptismo em nome de Jesus ou o Baptismo de penitência que João Baptista administrava, de modo a receberem os dons do Espírito Santo pela imposição das mãos. Apesar de se querer fundamentar, com base nos textos de Act 8,4-20 e 19,1-7, a existência da Confirmação como sacramento independente, segundo a opinião de vários exegetas, não pode afirmar-se de forma categórica que a imposição das mãos, mencionada nestes textos como sinal de comunicação do Espírito, depois do Baptismo, fosse já um processo regular para definir o rito da Confirmação nos primeiros séculos da Igreja173. Exceptuando os casos mencionados nos Actos dos

Apóstolos, o NT associa o dom do Espírito Santo ao Baptismo174.

Ao analisar este sacramento na antiguidade cristã, vê-se que forma uma unidade litúrgica compacta com os outros dois sacramentos da iniciação cristã, o que dificulta a sua distinção, principalmente do Baptismo. Ao falar da dificuldade em destacar a Confirmação como um sacramento, H. Küng diz que «a perplexidade da teologia no que diz respeito a este sacramento é muito grande desde há muito tempo: sua origem é enigmática, seu rito é variável e muitas vezes sua interpretação é contraditória»175. Por

causa dos problemas que têm surgido à volta disto, há uma pergunta que se coloca: «é possível distinguir do Baptismo, que já contém o Espírito Santo, um sacramento específico da comunicação do mesmo Espírito»176? Por isso, a teologia sacramental

demorou vários séculos para tomar consciência de que alguns dos ritos pós-baptismais significavam um sacramento autónomo e distinto do Baptismo. Nos primeiros séculos, o

172

JEAN-PHILIPPE REVEL, «L’achèvement du baptême», in Communio 5 (Septembre-octobre 1982), p. 13: «[…] nous devons constater que, objectivement, la confirmation est de tous les sacrements celui qui pose le plus de problèmes à la théologie».

173 Cf. IGNACIO OÑATIBIA, Bautismo y Confirmación, p. 219. Ver também H. KÜNG, «La confirmacion

como culminacion del bautismo», in Concilium 99-100/II (1974), p. 101.

174 Cf. B. NEUNHEUSER, «Confirmación», in D.P.A.C., I, p. 469. 175 H. KÜNG, «La confirmación como culminacion del bautismo», p. 100. 176 H. KÜNG, «La confirmación como culminacion del bautismo», p. 100.

63 dom do Espírito esteve sempre associado ao Baptismo, de modo que não se conseguiam distinguir ritos especiais como momentos sacramentais independentes do Baptismo. A tradição do século II, dada a sua estreita vinculação aos textos do NT, não faz distinção entre o Baptismo e a Confirmação. «Em estrita continuidade com o NT, o Baptismo de água é também, nesta época, sacramento de recepção do Espírito»177. Deste modo vemos

que a Didaqué só fala de um Baptismo em água viva178 sem mencionar ritos posteriores.

S. Justino também não fala de ritos pós-baptismais. Apenas menciona a eucaristia em que devem participar os que receberam o Baptismo179. O selo do Espírito confere-se mediante

a imersão na água e não por uma imposição de mãos posterior a esse rito.

É no século III que aparece uma distinção mais clara dos diversos “ritos” dentro da estrutura do conjunto da celebração baptismal: o banho baptismal (tríplice imersão), unção com o óleo consagrado e a imposição das mãos que invoca o Espírito Santo.180 É

sobretudo com Tertuliano e Hipólito que começam a aparecer os ritos pós-baptismais que, mais tarde, formaram a estrutura do rito da Confirmação.

«No que diz respeito à Confirmação, podemos remontar, com certeza, a meados do século III (mesmo que a palavra “Confirmação” não era usada nesta época). No mesmo período, Origenes em Alexandria e Tertuliano em África mencionam, claramente, a existência de ritos pós-baptismais análogos ao que chamamos Confirmação. Mas é, sobretudo, o testemunho de Hipólito de Roma, na TA, que apresenta esses ritos com mais precisão e clareza»181.

177 H. KÜNG, «La confirmación como culminacion del bautismo», p. 102. 178

Cf. Did. 7,1, SCh 248, p. 170.

179 JUSTINO, Apol. I, 65,1, SCh 507, p. 302.

180 Cf. B.NEUNHEUSER, «Confirmación», in D.P.A.C., I, p. 469. 181 JEAN-PHILIPPE REVEL, «L’achèvement du baptême», p. 16.

64 Mesmo que os ritos pós-baptismais apareçam na TA como sendo partes integrantes do Baptismo, como um único sacramento de iniciação182, é possível destacar

nestes ritos os elementos essenciais da Confirmação. E, neste sentido, este documento ostenta um esquema ritual quase organizado:

- A imposição das mãos pelo bispo, que é acompanhada de uma fórmula epiclética deprecatória: «Episcopus imponat manum suam super eos in magno desiderio dicens: Domine Deus, sicut fecisti illos dignos accipere remisionem pecatorum

[…] gloria patri et filio cum spiritu sancto, in sancta ecclesia, nunc et semper et in

saecula saeculorum»183;

- A unção com o óleo de acção de graças, acompanhada da fórmula trinitária: «Et effundit oleum gratiarum actionis […] ungo te oleo sancto in Deo Patre omnipotenti et Iesu Christo et Spiritu Sancto»184;

- A consignação na fronte: «Et consignabit in fronte eius […]»185;

- O rito termina com o beijo santo da paz, acompanhado da saudação: «[…] et dabit osculum et dicet: Dominus tecum […] Et cum spiritu tuo»186.

A recepção dos dons do Espírito Santo faz com que os fiéis se coloquem ao serviço da comunidade. Recebem a graça de se tornarem filhos de Deus e de lhes serem perdoados os pecados, mas esta graça também os lança no serviço. É isso que diz o bispo na oração de imposição das mãos: «mitte super eos gratiam tuam ut tibi serviant secundum voluntatem tuam»187. Este serviço é frequentemente identificado com a oração,

182 Cf. H. KÜNG, «La confirmación como culminacion del bautismo», p. 103. 183 TA 21, p. 88.

184 TA 21, p. 88. 185

TA 21, p. 88.

186 TA 21, p. 90. Cf. ARTURO ELBERTI, La Confirmazione nella tradizione della chiesa latina, 31,

Milano, San Paolo, 2003, p. 205.

65 o serviço litúrgico, a oferenda de sacrifícios, na qual se cumpre a vontade do Pai188.

Incorporados no corpo de Cristo que é a Igreja, os fiéis que receberam o Baptismo e a Confirmação189 ficam prontos para rezarem com o povo e dar o ósculo da paz.