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Eucaristia, partilha de dons e comunhão fraterna

CAPÍTULO III: CELEBRAÇÃO DA FÉ E VIDA ECLESIAL E SOCIAL

3. Eucaristia e vida cristã

3.1 Eucaristia, partilha de dons e comunhão fraterna

Se é verdade que a vida cristã se exprime no cumprimento do maior mandamento, ou seja, no amor de Deus e do próximo, este amor tem a sua fonte exactamente no Santíssimo Sacramento que comumente é chamado Sacramento do Amor369. Realmente a

Eucaristia, como Sacramento do Amor (caridade), é a principal forma de partilha de dons com os que têm mais necessidade, assim como é o centro para a realização da comunhão fraterna. A participação neste grande mistério leva os cristãos a sentirem-se mais

368 TA 21, p. 94.

369 Cf. IOANNES PAULUS PP. II, «Dominicae Cenae»: De SS. Eucharistiae Mysterio et Cultu, nº 5, p.

123 corresponsáveis com os irmãos. Constitui um sinal de unidade e vínculo de unidade onde o amor ao próximo e a partilha de bens alcança a sua plena eficácia.

As primeiras comunidades cristãs, ao se reunirem sob a presidência dos Apóstolos, tinham sempre presente a comunhão fraterna e partilha de dons. O livro dos Actos, ao falar da comunidade dos cristãos, procura mostrar a comunhão que reinava entre os irmãos. Os elementos característicos dessas comunidades eram a unidade, a oração e a partilha de bens (Act 2,42). A comunidade reunia «como se tivessem uma só alma» (Act 2,46), o que indica a forma como agiam entre si. Como sinal de comunhão e de fraternidade entre eles, estava também o facto de terem tudo em comum e de ninguém chamar seu o que lhe pertencia (Act 4,32-34). Encontramos a mesma experiência de reunião e fracção do pão em Act 20,7, com a particularidade de dizer que era no primeiro dia da semana, o que alude mais claramente ao rito eucarístico.

Também o Apóstolo Paulo, antes de descrever o rito da instituição da Eucaristia (1Cor 11,23-25), chama a atenção dos membros da comunidade por causa da falta de unidade e comunhão fraterna que não subsistia entre eles. Quando se reuniam em assembleia, havendo divisões entre eles (1Cor 11,18), não era a ceia do Senhor que comiam, mas cada um a sua própria comida (11,20-21). Isto significa que a falta de comunhão e partilha com os que não tinham com que saciar a fome desprestigiava o verdadeiro sentido da ceia do Senhor.

Para estas comunidades cristãs, o que devia caracterizar os seus encontros era a comunhão e partilha de bens. Através destas passagens percebemos que os três elementos característicos destas comunidades eram a união caritativa, juntamente com a oração e a fracção do pão. Por terem a mesma fé em Cristo, a união os levava a uma vida em comum, inclusive à comunhão de bens materiais.

124 A Didaqué, ao falar da vida da comunidade, diz que o povo deve reunir-se, no “dia do Senhor”, para a fracção do pão e a acção de graças. Mas só podem reunir os que não estiverem em desavença com os irmãos370.

Em Clemente de Roma, mesmo que de uma forma indirecta, podemos destacar a importância da comunhão fraterna nas oferendas que, oferecidas em tempo determinado, são agradáveis ao Senhor. Aqueles que as apresentam são abençoados, porque seguem as determinações do Senhor371.

S. Justino, na sua primeira Apologia, dá-nos o verdadeiro significado da comunhão fraterna e partilha de bens entre os membros da comunidade. Quando fala da liturgia dominical e cuidado dos pobres diz o seguinte: «[…]; e os que possuem bens socorrem os que têm necessidades, e preservaremos sempre unidos uns aos outros»372.

Numa alusão ao que faziam as comunidades no tempo dos Apóstolos (cf. Act. 4,32-37), S. Justino fala da partilha dos que possuíam bens em abundância com aqueles que passavam necessidade. Diz o seguinte:

«Os que vivem em abundância e querem repartir, dão, cada um o que lhe apraz e parece bem. E o que se recolhe é deposto aos pés daquele que preside, e ele, por seu turno, presta assistência aos órfãos, às viúvas, aos pobres, aos prisioneiros, aos estrangeiros de passagem, numa palavra, à todos os que sofrem necessidades»373.

A TA fala desta comunhão e partilha de dons, principalmente na Eucaristia presidida pelo bispo. Ao descrever esta Eucaristia, logo após a ordenação, o documento faz menção dos dons que são oferecidos durante a celebração e que serão usados posteriormente para várias causas. Ao estarem reunidos em assembleia, durante a

370

Cf. Did., 14, 1-2, SCh 248, p. 192.

371 CLEMENTE DE ROMA, Epistula ad Corinthios, 40,4, SCh 167, p. 166. 372 JUSTINO, Apol. I, 67,1, SCh 507, p. 308.

125 celebração, os fiéis apresentam as suas oferendas, para serem benzidas pelo bispo. O texto descreve a oferenda do azeite, do queijo e das azeitonas374.

Quanto à oferenda do azeite, depois de apresentado ao bispo e esse o ter benzido, será posto ao serviço da comunidade para a cura dos enfermos. Diz a oração da bênção proferida pelo bispo: «ut oleum hoc santificans das, Deus, sanitatem utentibus et percipientibus, unde unxisti reges, sacerdotes et profetas, sic et omnibus gustantibus confortationem et sanitatem utentibus illud praebeat»375. Isto indica a preocupação dos

crentes para com os enfermos da comunidade.

Na oferenda e bênção do queijo e das azeitonas376, destaca-se a importância da

caridade. A comunidade une a sua caridade à do Senhor: «sanctifica lac hoc quod quoagulatum est, et nos conquagulans tuae caritati»377. A caridade que a comunidade

exerce com os irmãos não está separada da que o Senhor exerce para com ela. Por isso, na bênção o bispo diz: «nos conquagulans, (Domine), tuae caritati».

Toda a Eucaristia significa esta caridade, que os cristãos exercem uns com os outros. Estando presente na celebração a fonte do amor (Jesus Cristo), as oferendas significam a experiência de fraternidade e de comunhão de bens. E isso fazia com que a comunidade cristã fosse diferente no seio da sociedade.

Guardando a fidelidade à Tradição, a Igreja nunca deixou de seguir esses princípios. Deste modo, vemos que a Eucaristia sempre foi, e continua sendo, o Sacramento do Amor, onde a comunhão fraterna e a partilha de dons constituem elementos essenciais. É «pela sagrada Eucaristia que se comunica e se alimenta aquela caridade para com Deus e para com os homens, que é a alma de todo o apostolado» (LG

374 Cf. TA 5-6, p. 54. 375 TA 5, p. 54. 376 Cf. TA 6, p. 54. 377 TA 6, p. 54.

126 33). Também neste mesmo sentido, o Catecismo diz que «desde o princípio, com o pão e o vinho para a Eucaristia, os cristãos trazem as suas ofertas para a partilha com os necessitados»378