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A Consciência Regional Estatuente e Estatuída

PERCURSO HISTÓRICO DA AUTONOMIA DOS AÇORES

4. A Consciência Regional Estatuente e Estatuída

Já dedicámos bastante espaço, na Primeira Parte deste trabalho, à Entropia do Estado Soberano, pelo que reafirmamos, agora, sumariamente, repetindo palavras de Adriano Moreira, o seu carácter histórico e contingente: «O Estado é uma criação cultural, é um produto humano para servir valores permanentes, mas um produto humano instrumental. Portanto, nós devemos olhar para esse instrumento não o deixando transformar numa criatura que se liberta do criador, pelo contrário, tentando submetê-lo ao criador – que fomos nós – para o adaptar às novas exigências355».O Estado não é, pois, um dado natural; é uma construção histórica; hoje existe; amanhã, pode ser diferente ou até não existir.

E, desde a Revolução Francesa, que o radical da Organização do Poder é a Constituição; o Estado, materialmente constitucional, é o que garante a verdade necessária dos Direitos Humanos. Quanto mais constitucionalismo, menos estatismo soberano. “O progresso constitucional está em avançar na submissão do poder ao Direito e no respeito das liberdades, assim como em dispersar ao máximo o poder, que é no que consiste, em última instância, o constitucionalismo»356. Este progresso constitucional aparece intimamente ligado às três gerações dos direitos humanos357. A primeira geração, que

354 Ibidem.

355

MOREIRA, Adriano – “Periferia e Fronteira: A Autonomia Funcional” in “A Autonomia no Plano

Político. Actas do Congresso do I Centenário da Autonomia dos Açores”. Ponta Delgada: Ed. Jornal da

Cultura, 1995, p. 15-16.

356 PEREIRA MENAUT, António Carlos – Convite ao Estudo da Constituição da União Europeia,.

Revista Jurídica da Universidade Portucalense, n.º 6, Março de 2001, p. 13.

357 O conceito de geração, neste caso dos direitos humanos, corresponde a dois critérios: um histórico e

outro temático. Trata-se de sucessivas séries ou grupos de direitos em sucessivos momentos da história contemporânea e de tal maneira que cada geração inclui direitos de uma mesma classe. VALENCIA VILLA, Hernando – Los Derechos Humanos. Madrid: Acento Editorial, 1997, p. 43.

compreende os direitos civis e políticos, surgiu na época das revoluções burguesas e das guerras da independência na Europa e povos latino- americanos entre os séculos XVIII e XIX. A segunda geração, dos direitos sociais, económicos e culturais, corresponde ao período das revoluções nacionalistas e socialistas dos princípios do século XX. Há quem fale, agora, numa terceira geração, dos direitos colectivos e dos povos, opinião que não perfilhamos, pois entendemos que os direitos políticos são direitos individuais de cada cidadão.

Portugal não ficou imune à globalização e aos sinais de entropia do Estado soberano, ainda que subliminarmente. Vão nesse sentido, entre outros: modificação, em 1947, do Estatuto dos Distritos Autónomos das Ilhas Adjacentes que tinha entrado em vigor no mês de Dezembro de 1940, pelo Decreto-Lei n.º 31095 (era a versão vigente em 1974); extinção do Acto Colonial, em 1951, e sua substituição pelo Título VII da Constituição, intitulado “Do Ultramar Português”, introduzindo-se novamente a designação “Das Províncias Ultramarinas”; revisão da Constituição, em 1959, pela lei n.º 2100 de 29 de Agosto, que suprimiu a Província como autarquia local, substituindo-a pelo Distrito; consequente actualização do Título IV do Código Administrativo, onde foram suprimidos os normativos dedicados à Província e substituídos por similares a regular o Distrito; Conflitos no Ultramar Português; sugestões de transformação do Estado Unitário Português em Estado Federal, por Humberto Delgado e Henrique Galvão, em 1960, e por Marcelo Caetano, em 1962; criação, em 1969, das regiões-plano, dentro dos objectivos do III Plano de Fomento (1968-1973); revisão da Constituição, em 1971, que introduziu o conceito de regiões autónomas, aplicado, muito embora, apenas às Províncias Ultramarinas358, etc. Excede o escopo deste trabalho apreciar a valia ou desvalia da globalização e destes sinais de entropia do Estado Soberano Português, no pós-grande guerra mundial (1939-45); não há dúvida, porém, de que se inscrevem, bem ou mal, na filosofia dos Direitos Humanos consagrada nos seis parágrafos do Preâmbulo e proclamada nos trinta artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 10 de Dezembro de 1948.

358 A Lei n.º 3/71 de 16 de Agosto previa que o Estado Português, apesar de unitário, pudesse

compreender regiões com autonomia político-administrativa e que as Províncias Ultramarinas pudessem ser designadas por Estados, com qualificação honorífica (artigo 5.º da Constituição).

Foi nossa preocupação, ao longo deste trabalho, assumir uma postura dialéctica constante entre as ideias e os factos. Logo nos dois primeiros capítulos, definimos uma série de pressupostos que, apesar de aparentemente apodícticos, tiveram a natureza de dúvida metódica e hipotética a infirmar ou confirmar com a investigação. Está, neste momento, confirmado pela investigação desenvolvida que, assim como o Estado, também a consciência regional não é um dado natural, mas uma construção humana. Se o território é molde aglutinante, como já referimos, o povo é a consciência constituinte e, progressivamente, constituída. São duas faces da região, que importa conhecer, não na perspectiva cartesiana da res extensa e res cogitans, mas sim na busca de uma entidade tão singular, que não se confunde com qualquer outra. Não é impossível identificar o seu nascimento remoto e acompanhar o seu crescimento até ao Bilhete de Identidade actual de referente político- administrativo.

Se o progresso material decorre da transferência de património, que as gerações sucessivamente legam umas às outras, privilegiando o investimento relativamente ao consumo, carácter diferente tem o progresso cultural. Quanto mais cultura consumirem as gerações, mais investimento cultural legam às gerações futuras. É que a cultura integra valores, sentimentos e ideias; não se perdem pelo facto de se transmitirem aos outros; passam a ser comuns e a constituir a consciência colectiva, que permanece ao longo do tempo.

Angra, sede do episcopado desde 1534, foi disseminando pelos cerca de 19 municípios e 124 paróquias dos Açores uma consciência comum de solidariedade vertical com os mortos, recordados nas efemérides evocativas, e horizontal com os vivos, unidos nas alegrias e na dor, sobretudo aquando das tragédias sísmicas. Na senda de irradiação cultural da metrópole eclesiástica, a criação do seminário, em 1862, marcou uma trajectória de progresso de valores e ideias que, durante um século, foram o real escondido do Instituto Açoriano de Cultura, fundado em Angra do Heroísmo, em 1955. «Nesse ano, um grupo de jovens professores do Seminário Maior de Angra marca de forma determinante a sociedade terceirense em particular e açoriana em geral, ao assumir diversas preocupações ligadas ao desenvolvimento e progresso das

ilhas açorianas» 359. O Instituto Açoriano de Cultura foi, depois, aprovado por despacho ministerial de 28 de Janeiro de 1956.

Organismo “de cultura, super-distrital e pan-açoriano” iniciou a I Semana de Estudos dos Açores, em Ponta Delgada, por Abril de 1961. No Discurso de Abertura, Monsenhor José Machado Lourenço sublinhou o super-distritalismo e pan-açorianismo do Instituto, vincando que, em prol do universalismo insular e da unidade interna do Arquipélago, começavam “a nova actividade em S. Miguel, de tão elevadas tradições culturais, berço de Gaspar Frutuoso, Antero, Teófilo Braga, Sena Freitas e tantos outros”360. A criação do Instituto Açoriano de Cultura também tem algo a ver com a entropia do Estado Soberano Português no pós-segunda Grande Guerra porque, “estando os Açores no centro da luta das grandes potências pelo domínio do Atlântico, por causa do domínio do Mundo, todos aqueles jovens intelectuais viram a sua experiência de comunidade açoriana modelada de modo muito exigente, começando pela óptica religiosa, mas obrigando-se, por implicação visual, às perspectivas cultural, social e política”361. Daí que, sob o olhar desconfiado do Poder Político, as Semanas de Estudos seguintes não tiveram vida fácil; a II e III semanas “foram alvo de suspicácias e vigilâncias menos cívicas”; a IV Semana mal conseguiu divulgar as Conclusões e Votos; “a V e a VI foram praticamente bloqueadas, mesmo ou talvez porque nelas participaram, imagine-se, entre outros, Xavier Pintado, Rogério Martins, Sedas Nunes, Correia da Cunha, sem esquecer os jovens contestatários de então (Melo Antunes, Jaime Gama, Medeiros Ferreira, Mário Mesquita, etc.)” 362. Todavia, os anos sessenta testemunharam, nitidamente, progresso da Consciência Regional por um lado, com o cultural do Instituto Açoriano, que representa uma espécie de geração Nós correspondente à galega dos anos 20 e, por outro lado, com o político-

359 BRUNO, Jorge – “Palavras do Presidente da Direcção do I.A.C. (Instituto Açoriano de Cultura)” in

Comunicações Apresentadas na X Semana de Estudos dos Açores. Angra do Heroísmo: I.A.C., 1992, p.

21.

360 MACHADO LOURENÇO, José – “Discurso de Abertura da I Semana de Estudos” in Livro da I

Semana de Estudos dos Açores (P.D. – Abril de 1961). Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta

Delgada, 1964, p. 4.

361 FERRAZ DA ROSA, Eduardo – “As Semanas de Estudos dos Açores: Um Projecto Solidário de

Cultura e Desenvolvimento”, in Comunicações Apresentadas na X Semana de Estudos dos Açores, op.

cit., p. 221.

362

administrativo das estruturas de planeamento regional que, igualmente, transcendia o distritalismo.

Uma revolução é como uma pedra atirada fora de mão; nunca se sabe onde vai cair. Ocorre-nos o discurso pronunciado por Passos Manuel, nas Cortes, na sessão de 21 de Janeiro de 1837, acerca da queda do Cartismo: «(…) Esta carta foi destruída por uma revolução popular. O povo quis e o povo podia… Eu não fiz a revolução, nem a aconselhei, opus-me a que ela se fizesse no Porto no dia 24 de Agosto de 1836, porque uma revolução é uma calamidade; e ninguém a pode dirigir, quando ela se desvaira ou despenha. Eu quero a ordem legal e a paz. As revoluções dissolvem toda a ordem, a liberdade e o governo da lei… Sr. Presidente, eu não tive parte alguma na revolução; o povo de Lisboa fê-la, as províncias aplaudiram e eu contribuí, depois, para que ela vencesse, fosse nobre, gloriosa, pura de sangue e de crimes».

Os militares fizeram a revolução de Abril; o povo aplaudiu-a, em nome da defesa primária dos Direitos Humanos, de que falámos. Todavia, a Revolução “desvairou”. «Nos Açores, apareceu imediatamente o MAPA (Movimento para a Auto-determinação do Povo Açoriano), que se propunha conseguir uma autonomia alargada para os três distritos açorianos. Uma pequena minoria, de influência comunista, combateu o MAPA, cujas instalações foram encerradas e cujos membros foram perseguidos. Surgiu então a FLA (Frente de Liberdade dos Açores), sem estatutos, sem legalidade, mas toda voltada para a acção directa. Em Junho de 1975, eram presos vários açorianos simpatizantes deste movimento. Houvera eleições em Abril e, apesar dos seus resultados, a escalada comunista não desarmava… Desenhava-se a noção de que a revolução comunista estava a dar-se no Continente português»363.

Com algumas manifestações de violência à mistura, a Força da Razão Regional impôs-se ao Governo de Lisboa que, “em 22 de Agosto de 1975, pelo decreto-lei n.º 458-B/75, criou uma Junta Administrativa e de Desenvolvimento Regional, abreviadamente também chamada Junta Regional dos Açores”364. Entre as manifestações de violência, lembra-se que: «Em 6 de Junho, um

363 MONJARDINO, Álvaro (Presidente da Assembleia Regional dos Açores) - “1980 Cinco Momentos”.

Assembleia Regional dos Açores. Conferência proferida na Universidade de Rhode Island, Providence Extension Campus, 28 de Março de 1980.

364

movimento reivindicativo de agricultores de São Miguel, em que se incrustaram forças autonomistas e vertigens do separatismo, levava o Governador do Distrito de Ponta Delgada a renunciar publicamente ao seu cargo. A 17 de Agosto, em Angra do Heroísmo, alguns milhares de pessoas assaltavam e destruíam centros e sedes de movimentos comunistas e cripto-comunistas. Violência do mesmo teor estalou, dias depois, em Ponta Delgada. Na Graciosa a ocupação fez-se pacificamente… O equipamento da sede do Partido foi retirado e entregue a um asilo. As Forças Armadas sofriam vexames públicos, como sucedeu em Ponta Delgada com a Marinha e, na Terceira, com a Polícia Aérea. Nos Estados Unidos, cujas cadeias de Televisão reportavam diariamente sobre Portugal marcado já com foice e martelo, movimentavam-se os imigrantes açorianos, anunciava-se a criação de um governo dos Açores no exílio. Esboçavam-se compromissos internacionais, faziam-se reuniões separatistas em Paris, em Londres e nas Ilhas Canárias, estabeleciam-se abertamente contactos com fornecedores de armas» 365.

A luta comum dos Açorianos dos três Distritos, no Verão de 1975, contra o inimigo vermelho da liberdade, estreitou as consciências; só os abalos telúricos, com os seus rastos de dor, geravam semelhante solidariedade. Constituída a Junta Regional, logo em Outubro de 1975 se criou uma comissão encarregue de elaborar um anteprojecto do Estatuto Autonómico. A Comissão estabeleceu um plano de trabalhos, onde se incluía o estudo do Direito Autonómico comparado, sobretudo no que dissesse respeito a territórios ou regiões insulares. As nove pessoas, que integravam a Comissão, estudaram os princípios e as modalidades possíveis de autonomia insular e apresentaram o seu trabalho à discussão pública na Região. “Houve muita gente que interveio – pelos jornais, pela rádio, pela TV, por cartas que a Comissão recebeu – de forma activa e, por vezes decisiva, na preparação do projecto”, que foi apresentado pela Junta Regional, em Janeiro de 1976, ao Governo Português366.

O Projecto dos Açores foi emprestado, depois, à Junta Regional da Madeira, que o assumiu, com poucas alterações367. Uma vez recebido o

365 Ibidem, p. 106.

366 Ibidem, p. 108.

367

Projecto de Estatuto Provisório pelo VI Governo Provisório, presidido pelo Almirante Pinheiro de Azevedo, e pelo Conselho de Revolução, presidido pelo General Costa Gomes, foi nomeada uma comissão de revisão, constituída por Vitorino Nemésio, Álvaro Monjardino, Manuel Meneses, Mota Pinto, Carlos Bettencourt, Henrique Granadeiro, João Salgueiro e Miguel Galvão Teles368. Simultaneamente, o articulado sobre as Regiões Autónomas era discutido na Assembleia Constituinte pela Comissão para as Regiões Autónomas, que teve um funcionamento muito irregular desde 12 de Novembro de 1975 até 10 de Março de 1976. O resultado dos trabalhos foi apresentado ao Plenário da Assembleia em 17 de Março de 1976, tendo decorrido as discussões nas sessões de 18, 20, 24 e 26 do mesmo mês.

Aprovada a Constituição da República Portuguesa em 2 de Abril de 1976, foi preciso adaptar-lhe e aos seus limites o projecto do Estatuto. Formou-se, então, outra Comissão que veio a chamar-se Comissão de Análises, com representantes da Junta Regional, do Conselho da Revolução e ainda juristas e economistas nomeados pela Presidência da República369. O texto emanado da Comissão de Análises, apesar de mal recebido por um número restrito de ministros do Governo, acabou por configurar o Estatuto Provisório370.

O Estatuto Provisório e a regulamentação eleitoral correspondente, permitiram que se formasse, após as eleições de Junho de 1976, uma Assembleia Regional. Com base no resultado dessas eleições, foi designado um Presidente do Governo Regional, que constituiu a sua equipa governativa

371

. A Região dos Açores ficou dividida em 9 círculos, um em cada ilha. Aglutinando o sistema norte-americano (dois senadores por cada Estado e representantes proporcionais ao número de eleitores), cada ilha elegia dois deputados e mais um por cada 3.500 eleitores ou fracção superior a 1.000, ao todo 43. A Assembleia Regional reunia na cidade da Horta. O Governo Regional, constituído pelo Presidente e vários Secretários, repartiu-se pelas três cidades da Região, transcendendo, assim, as fricções distritalistas, agora

368 MEDEIROS FERREIRA, José – “A Autonomia na Percepção Espacial da Comunidade Portuguesa” in

A Autonomia no Plano Sócio-Cultural. Actas do Congresso do I Centenário da Autonomia dos Açores.

Ponta Delgada: Jornal de Cultura, pp. 53-54.

369 MONJARDINO, Álvaro – “1980 Cinco Momentos”. Assembleia Regional dos Açores. Conferência

proferida na Universidade de Rhode Island, op. cit., p. 111.

370

Ibidem.

adormecidas, em 1975-76, mas não moribundas. Em Ponta Delgada, ficaram a Presidência do Governo e as Secretarias das Finanças, do Trabalho, do Comércio e Indústria e do Equipamento Social. Na Horta, ficaram as da Agricultura e Pescas e dos Transportes e Turismo. Em Angra, ficaram as da Administração Pública, da Educação e dos Assuntos Sociais, além do Departamento Regional de Estudos e Planeamento, directamente dependente da Presidência.

Esta repartição horizontal do governo marcou o princípio de uma nova era nos Açores – a era da Razão Regional estatuente – que, decorridos quatro anos, se manifestou Estatuída na Lei n.º 39/80 de 5 de Agosto (Estatuto definitivo da Autonomia) e continuou progressivamente estatuída, com as alterações introduzidas pela lei n.º 9/87 de 26 de Março e pela lei n.º 61/98 de 27 de Agosto. As alterações irão continuar, porque a ratio scripta nos textos formais quedará atrasada relativamente à razão regional constituinte de novo modo de estar e de convívio dos Açorianos.

Os últimos 30 anos têm sido de intensa actividade de gnose dos Açores. O mundo da experiência ou dos fenómenos é apenas o reflexo do mundo inteligível, cujas entidades racionais se realizam nele mais ou menos imperfeitamente; a razão domina o mundo fenomenal na medida em que nele encontra as imagens dessas entidades conceptuais que são o seu domínio próprio. Pois a intelectualidade açoriana dos três distritos tem-se unido e conjugado esforços, em busca da ontologia regional, estudando todas as faces do arquipélago. A ipseidade cultural da região debate-se: na universidade, desde 1976; nas semanas de Estudo do Instituto Açoriano da Cultura desde a década de 60; na Televisão (as emissões da RTP – Açores iniciaram-se a 10 de Agosto de 1975); nos Congressos; no Fórum Açoriano; nos jornais da região; nas Casas dos Açores; nas escolas, etc. São inúmeros os trabalhos literários, de investigação histórica, etnográfica, antropológica, económica, oceânica, geo-humana, geo-estratégica, jurídico-política, já publicados e em curso.

Pela sua especificidade cultural e regional, esta presente geração, mesmo sem o apelido de Nós, é bem homóloga da Galega que conduziu ao advento da Consciência Regional Estatuída. Só que esta precedeu o Estatuto da Autonomia, de acordo com a História da Galiza; nos Açores, o Estatuto da

Autonomia, precedeu a Primeira Geração Regional, também de acordo com a sua história.

Como referimos, ao longo do trabalho, e agora repetimos, com palavras de José Adelino Maltez, “as nações são feitas da comunidade para o Estado, da res publica para o principado, ou melhor dizendo, do Estado-Comunidade para o Estado-Aparelho-de-Poder”372. Quanto mais autonomia tiverem as regiões, mais autonomia têm as nações; no caso concreto, Portugal e a Espanha. Terminamos, finalmente, com uma prevenção, também de Adelino Maltez: “Um dos principais vícios que afecta a linguagem política está em certo normativismo dominante que utiliza uma cortina dogmática para ocultar a realidade, que utiliza muitos diáfanos mantos de cientificidades para disfarçar a nudez forte da verdade” 373. Os Estatutos Regionais não são Cartas de Privilégio prodigalizadas pelo Poder do Centro; simbolizam, antes, a devolução do Poder às Comunidades, onde, realmente, reside a soberania. Urge hipostasiar o “Estado – Comunidade” com o “Estado-Aparelho-de-O Poder”, enfrentando o clássico discurso jurídico-político positivista e formal, que aparenta um mundo inteligível dotado de poder de se encarnar.

372 MALTEZ, José Adelino – “A Autonomia das Regiões como Forma de Reforço das Liberdades

Nacionais” in A Autonomia no Plano Político. Actas do Congresso do I Centenário da Autonomia dos

Açores. Ponta Delgada: Jornal de Cultura, 1995, p. 109.

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CAPÍTULO VII

PRECEDENTES HISTÓRICO-TEÓRICOS DOS AÇORES E DA