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O Advento da Consciência Regional Estatuída

PERCURSO HISTÓRICO DA AUTONOMIA DA GALIZA

6. O Advento da Consciência Regional Estatuída

A II República resultou das eleições municipais de Abril de 1931, em que saíram vencedoras as candidaturas monárquicas, mas deram um golpe de estado as candidaturas republicanas, que ganharam nas grandes cidades. Na Galiza, os republicanos venceram, folgadamente, nas cidades da Corunha, Ferrol e Santiago, conseguindo importante representação em Pontevedra e Vigo. Com o pluralismo político do regime republicano, surgiram, pela primeira vez na História da Galiza, partidos de âmbito galego. Embora alguns dos principais partidos tivessem já tradição na Galiza, interessa destacar a Organização Republicana Galega Autónoma (ORGA), fundada na cidade da Corunha, em 1929, e o Partido Galeguista, criado em Dezembro de 1931. A ORGA tinha sido fundada por republicanos com mérito reconhecido, como Casares Quiroga, e por nacionalistas afectos às Irmandades, como A. Villar Ponte e L. Peña Novo. A afinidade sociológica e doutrinal da ORGA com os partidos republicanos espanhóis levou à incorporação, em 1934, na Izquierda Republicana de Azaña. Devido a esta orientação, já patente nas Cortes

263 O Seminário de Estudos Galegos, instituição cultural e científica, foi criado em 1923, tendo sido

relevante a publicação de uma revista de investigação denominada Arquivos e o estudo monográfico de várias localidades da Galiza. A polémica acerca da formalização gráfica da língua iniciou-se nesta época; as Irmandades da Fala defendiam uma cada vez maior aproximação ao Português, enquanto o Seminário

de Estudos Galegos mantinha uma postura castelhanizante e dialectal. Cf. BRÉA HERNÁNDEZ, Ângelo

José – Seminário de Estudos Galegos: Algunhas normas para a unificación do idioma. Santiago: Nós, Publicacións Galegas e Imprenta, 1933; Vocabulário castellano – gallego de las Irmandades da Fala, 1.ª ed., Coruña: Imprenta Moret, 1933.

Constituintes de 1931, os nacionalistas A. Villar Ponte e Suárez Picallo abandonaram a Organização.

A consciência regional adensara-se, profundamente ligada à tradição doutrinal e nacionalista das Irmandades e da Geração Nós; o sentido da continuidade, agora com expressão política e eficácia na II República, impunha a necessidade da sua organização em partido, o que aconteceu numa Asemblea reunida em Pontevedra em 1931, donde saiu o Partido Galeguista. Além do grupo de Pontevedra, onde pontificavam Castelao e Alexandre Bóveda, foi importante a participação do Partido Nazonalista Republicán Galego, agrupante de várias tendências que tinham por denominador comum a afirmação do nacionalismo galego 264.

Rapidamente, o Partido Galeguista se tornou um partido interclassista”, com certa implantação social e territorial. Continuavam nele, porém, as disputas pela supremacia, entre a orientação política e a cultural, que já tinham agitado a Assembleia reunida no ano de 1922 em Monforte de Lemos. Castelao liderava a orientação política, acabando integrado na Frente Popular; a orientação cultural liderada por Vicente Risco organizou-se na Direita Galeguista.

A elaboração do Estatuto da Autonomia começou logo em 1931, no quadro do Estado Integral, definido na Constituição, que, como vimos, era uma solução de compromisso entre os partidários do federalismo e os partidários do unitarismo. Segundo o texto da Constituição de 1931 (artigo 8.º e ss.) o Projecto de Estatuto devia ser proposto pela maioria dos ajuntamentos da região ou, pelo menos, por aqueles que representassem 2/3 da população; depois, tinha de ser aceite por 2/3 dos eleitores e, sendo recusado, não podia apresentar-se um novo projecto antes de decorridos 5 anos. O primeiro passo foi dado em 1932, a instâncias do Concelho de Compostela. Reunidos em assembleia, 77% dos concelhos Galegos aprovaram o texto. A consulta aos eleitores, embora solicitada a licença ao Governo logo em 1933, é que tardou a fazer-se, por vicissitudes várias. Em 1936, a vitória eleitoral da Frente Popular proporcionou a celebração do plebiscito estatutário (consciência regional estatuída),em28 de Junho de 1936265. O texto do Estatuto foi apresentado às

264 Cf. VILARES, Ramón – Historia de Galicia, op. cit., p. 127.

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instâncias Republicanas por Castelao e outros galeguistas, mas o Governo impediu a sua discussão nas Cortes.

Seguiu-se o Regime do General Franco, com sorte diferente para os líderes galeguistas: uns ficaram no interior (Risco, Otero Pedrayo, Filgueira Valverde) outros partiram para o exílio (Castelao, Suárez Picallo, Martínez Lopez) e alguns foram fuzilados (Bóveda, Ánxel Casal). No ano de 1950, dissolveu-se o Partido Galeguista e os membros mais novos do galeguismo da época republicana (Ramón Piñeiro, Francisco Fernández del Riego, etc.) e os sobreviventes da Geração Nós (Risco, Cuevillas, Otero Pedrayo, etc.) lançaram-se numa luta cultural, com uma intensa actividade editorial,266 em defesa do nacionalismo galego.

Após 1950, não estagnaram os esforços pela reconstrução do nacionalismo, aparecendo, nos princípios dos anos sessenta, o Consello da Mocidade, e novos partidos políticos se apresentaram como nacionalistas: em 1963, o Partido Socialista Galego (PSG) e, em 1964, a Unión do Pobo Galego (UPG). Foram, porém, um real escondido na clandestinidade até ao final da ditadura de Franco, isto é, até à Lei de Reforma Política de Nadal de 1976, que “liquidou as Cortes franquistas e abriu a porta para a convocatória das eleições democráticas de Junho de 1977”.

Uma das primeiras medidas tomadas foi a constituição de uma Asemblea de Parlamentarios da Galicia, em Julho de 1977, a fim de tratar da autonomia da Galiza no âmbito do “Estado das Autonomias”. Seguidamente, preparou-se um anteprojecto do Estatuto de Autonomia, que foi obra de uma comissão, conhecida pela designação de Comisión dos Dezasseis, por ser constituída por 16 representantes dos partidos políticos (12 parlamentares e 4 não parlamentares). O texto do anteprojecto sofreu modificações em 1979, no decurso da sua tramitação no parlamento, que não agradaram e suscitaram uma grande reacção. Em 1980, fez-se uma revisão do Estatuto, na consequência das conversas conhecidas como Pactos do Hostal, sendo submetido a referendo eleitoral no fim do mesmo ano 267. A Autonomia, definida no Estatuto, foi aprovada pela Lei Orgânica 1/1981, de 6 de Abril. Foi o

266 A editorial Galáxia foi fundada, em 1950, pelos membros do grupo.

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terminus de um processo estatuente268, isto é, de uma exigência necessitante da verdade imutável da nacionalidade galega.

Em conclusão, o Estatuto da Autonomia representa tão somente um compromisso político de princípios, valores e instituições, característico de uma mentalidade e de uma época, ou seja, sempre renovável e nunca acabado, entre as exigências da verdade necessária e eterna da Galiza e as contingências históricas.

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CAPÍTULO VI