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A constitucionalização do direito ambiental

2.2 O ESVERDEAMENTO NORMATIVO

2.2.1 A positivação do direito ambiental no Brasil

2.2.1.1 A constitucionalização do direito ambiental

A constitucionalização do direito ao meio ambiente foi, indubitavelmente, uma evolução sem precedentes para o direito ambiental brasileiro, pois, conforme salienta Silva, “as Constituições Brasileiras anteriores a 1988 nada traziam especificamente sobre a

proteção do meio ambiente natural”70.

Trata-se da instituição de um novo paradigma, superando o individualismo e instituindo um espírito de solidariedade e cooperação, como salienta Herman Benjamin, que sintetiza o fenômeno da ecologização das Constituições ao redor do mundo, com ênfase no direito brasileiro:

69 CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato. (Org.). Direito

constitucional ambiental brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

70 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 4. ed. São Paulo: Malheiros.

Coube à Constituição – do Brasil, mas também de muitos outros países – repreender e retificar o velho paradigma civilístico, substituindo-o, em boa hora, por outro mais sensível à saúde das pessoas (enxergadas coletivamente), às expectativas das futuras gerações, à manutenção das funções ecológicas, aos efeitos negativos a longo prazo da exploração predatória dos recursos naturais, bem como aos benefícios tangíveis e intangíveis do seu uso limitado (e até não-uso). O universo dessas novas ordens constitucionais, afastando-se das estruturas normativas do passado recente, não ignora nem despreza a natureza, nem é a ela hostil.

Muito ao contrário, na Constituição, inicia-se uma jornada fora do comum, que permite propor, defender e edificar uma nova ordem pública, como será visto adiante, centrada na valorização da responsabilidade de todos para com as verdadeiras bases da vida, a Terra71.

Cabe salientar que, ainda que o direito ao meio ambiente equilibrado goze de um capítulo próprio na Constituição, este é apenas o ápice de todo um sistema jurídico que se encontra difuso na Constituição, o qual busca assegurar e viabilizar a proteção ambiental através de diversos dispositivos em seu texto (função social da propriedade, ação civil pública, direito à saúde, proteção de biomas frágeis...).

O constituinte de 1988 utilizou-se de diversos mecanismos de proteção ambiental, formando um feixe complexo de direitos materiais e instrumentos que visam efetivar a garantia a um meio ambiente equilibrado, como forma indispensável ao direito a uma vida com dignidade72.

Para Benjamin, “vê-se facilmente que o legislador inclinou-se por um desenho constitucional pluriinstrumental, rico em possibilidades

71 BENJAMIN, Antônio Herman. Constitucionalização do ambiente e ecologização da

Constituição Brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato. (Org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 57-130. p. 66.

72 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 4. ed. São Paulo: Malheiros.

dogmáticas e práticas, embora heterogêneo na perspectiva de seu real

valor no plano da eficácia. (sic)”73

.

O direito ao meio ambiente encontra-se disposto no artigo 225 da

CF. Mirra74 ressalta tratar-se de um direito fundamental da pessoa

humana, indispensável à efetivação da vida com saúde e dignidade, fator de transformação social. Assim, é considerado pelo autor um direito de terceira geração fundado na solidariedade.

Bello Filho salienta ainda que a fundamentalidade do direito prescrito no artigo 225 emana de sua estreita ligação com princípios fundamentais do Estado brasileiro, sejam eles explícitos (cidadania,

dignidade, soberania...) ou implícitos (igualdade, liberdade,

anterioridade) na carta constitucional75.

Seguindo essa linha de entendimento, o Supremo Tribunal Federal entendeu, por ocasião do julgamento doMS 22.164, ser o meio ambiente um direito metaindividual de terceira geração, que consagra o princípio da solidariedade. Ainda, concluiu que é um direito indisponível e inexorável76.

Trata-se de um direito fundamental exercível tanto como uma defesa (proibindo intervenções estatais indevidas na plena realização desse direito), como um direito prestacional, exigindo do poder público uma atuação positiva. Nessa última acepção, o direito fundamental ao meio ambiente ainda se subdivide em direitos sociais, direito a organização e procedimento e direito a proteção contra ameaças e perigos. As funções de defesa e prestacional inter-relacionam-se,

configurando um novo papel estatal77.

Instrumentalizando o direito ambiental, também previu a Constituição Federal (CF) diversos mecanismos de tutela jurisdicional, de forma a tornar também o Poder Judiciário responsável pela proteção ambiental. São eles: mandado de segurança coletivo (LXX), ação popular (art. 5, LXXII), ação civil pública (art. 129, III) e controle de

73 BENJAMIN, Antônio Herman.op. cit. p. 82.

74 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Fundamentos do Direito Ambiental no Brasil. Revista dos

Tribunais, São Paulo, v. 706, p. 07-29, 1994.

75 BELLO FILHO, Ney de Barros.Pressupostos sociológicos e dogmáticos da

fundamentalidade do direito ao ambiente sadio e ecologicamente equilibrado.2006. Tese

(Doutorado em Direito) - Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2006.p. 42-43

76 BRASIL. STF, Supremo Tribunal Federal. MS 22.164, Brasília, DF, j. 30.out.1995, Rel.

Min. Celso de Mello. Disponível em:

<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=85691>. Acesso em: 24 set. 2013.

77AYALA, Patryck de Araújo. Devido processo ambiental e o direito fundamental ao meio

constitucionalidade. Trata-se de mecanismos imprescindíveis, pois a Constituição configuraria letra morta caso o cidadão não tivesse a possibilidade de judicialmente questionar seus direitos.

Visando a integralidade e a efetividade da proteção ambiental, além de estabelecer o direito ao meio ambiente como um direito fundamental, a Carta Magna ainda estabeleceu deveres fundamentais, a serem cumpridos tanto ao Poder Público (assim entendido os três poderes da República) e a coletividade (composta pelas associações e fundações ambientais, indivíduos e organizações da sociedade civil de

interesse público), conforme salienta Machado78.

Conforme salienta Bello Filho, a norma fundamental prevista no artigo 225 deve ser entendida tanto em uma visão subjetiva e em uma

visão objetiva79. Falar em direito subjetivo ao meio ambiente quer dizer

afirmar uma posição jurídica do indivíduo que tem direito a algo e pode exigir judicialmente o seu cumprimento, gerando os mais diversos efeitos, como proibir condutas estatais lesivas do Estado e obrigar o Estado a proteger o meio ambiente.

Já o direito ambiental em uma visão objetiva, significa um feixe de deveres que são impostos aos particulares para proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, tendo por base os princípios da cooperação e da solidariedade.

Como salienta Benjamin, “além de ditar o que o Estado não deve fazer (=dever negativo) ou o que lhe cabe empreender (=dever positivo), a norma constitucional estende seus tentáculos a todos os cidadãos, parceiros do pacto democrático, convencida de que só assim chegará à

sustentabilidade ecológica”80.

Assim, o cidadão sai de uma posição de mero espectador da proteção ambiental para ser corresponsável por sua concretização, em um compromisso de solidariedade não apenas com o meio ambiente e outros seres humanos, mas também com as futuras gerações, dentro da ideia de uma ética de responsabilidade.

Por derradeiro, quanto à constitucionalização do direito ambiental, cabe a menção a um modelo constitucional revolucionário no que tange à proteção ambiental no direito comparado. Trata-se da Constituição do Equador, que destina um capítulo inteiro aos “derechos delbuenvivir” e outro ao “regimendelbuenvivir”. São outros direitos

78 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 13. ed. São Paulo:

Malheiros, 2005. p. 113.

79 BELLO FILHO, Ney de Barros.op. cit. p. 75. 80 BENJAMIN, Antônio Herman. op. cit. p. 113.

destacados da constituição equatoriana: a natureza (ou pacha mama) é colocada como sujeito de direito (art.71); vedação de utilização de agrotóxicos contaminantes e de organismos geneticamente modificados prejudiciais à saúde (art.15); previsão expressa do princípio in dubio pro

natura (art. 395, 4); previsão expressa da responsabilidade objetiva e

solidária por danos ambientais (396); proteção de bens específicos,

como água, solo e biodiversidade81.

Para Gudynas, a Constituição equatoriana representa um giro ecocêntrico sem precedentes, eis que ao invés de incluir o direito ambiental como um direito fundamental de 3 geração, propugna por uma natureza como sujeito de direitos. Esse giro apresenta três

componentes: ético, moral e político82.

Especificamente quanto ao conceito de “buenvivir”, representa um novo paradigma de sociedade. Baseia-se na noção indígena de “sumakkawsay”, ou vida plena, um conceito eminentemente coletivo, relacionado a uma cosmovisão do mundo e que tem por objetivo chegar

a um estado de harmonia com a comunidade e com o cosmos83.Assim,

não se baseia em conceitos eminentemente ocidentais como progresso e desenvolvimento, mas uma somatória de práticas ancestrais baseadas em uma nova lógica ecológica, econômica e política, baseada na cosmologia. Ainda, o Equador estabeleceu um Plano relacionado ao

buenvivir, apresentado meras e indicadores, representando um primeiro

passo para a consolidação da proposta84.

Trata-se de uma interessante proposta de regulação do meio ambiente, eis que baseada primordialmente em elementos latino- americanos.

81 ECUADOR. Constituición del Ecuador. Quito: [S.n.], 2010. Disponível em:

<http://www.asambleanacional.gov.ec/documentos/constitucion_de_bolsillo.pdf>. Acessoem: 28 jan. 2014.

82 GUDYNAS, Eduardo. La ecología política del giro biocéntrico en la nueva Constitución de

Ecuador. Revista de Estudios Sociales [On-line], Colombia, n. 32, p. 34-46, abr. 2009. Disponível em:<http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=81511766003> Acesso em: 31 jan. 2014.

83 Maiores informações podem ser obtidas no seguinte endereço eletrônico: ECUADOR.

GOBIERNO NACIONAL DE LA REPUBLICA DEL ECUADOR. Plan nacional para el

buen vivir. 2014. Disponível em: <http://plan.senplades.gob.ec/web/guest>. Acesso em: 31

jan. 2014.

84 SALVE, SamanthaDotto. La superación del paradigma del desarrollo: convergencias y

divergencias entre el postdesarrollo, el Buen Vivir y el decrecimiento. 2012. 67 f.

Monografia (Especialização) - Curso de Máster En Cooperacion Internacional Descentralizada, Universidad del Pais Vasco, Bilbao, 2012. p. 32 e ss.