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2.2 O ESVERDEAMENTO NORMATIVO

2.2.2 O Estado de Direito Ambiental

Analisado o processo de introdução do meio ambiente no direito, será visto no presente tópico como a questão ambiental ingressa na formulação teórica do Estado.

Com a superação teórica do Estado Liberal de Direito em sua forma clássica e o advento do Estado do Bem Estar Social, houve o redimensionamento da importância dos direitos fundamentais, enfatizando sua concepção multifuncional. Destarte, dado o contexto de crise ambiental, o modelo de Estado clássico não foi capaz de oferecer à sociedade uma solução condizente à proporção da degradação ambiental e da desigualdade social, criando uma crise de paradigmas entre os objetivos propostos pela Constituição Federal e a real efetivação dos

direitos constitucionais97.Neste sentido, ressalta Belchior:

97 LEITE, José Rubens Morato; PILATI, Luciana Cardoso; JAMUNDÁ, WoldemarJamundá.

Estado de direito ambiental no Brasil. In: KISHI, Sandra Akemi Shimada Kishi; SILVA, Solange Teles da; SOARES, Ines Virginia. Desafios do direito ambiental no século XXI: estudos em homenagem a Paulo Afonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005.

O que, de fato, marca a passagem para o Estado de Direito Ambiental é a crise ambiental que ora se enfrenta devido ao processo da civilização hodierna, vinculado à globalização, ao desenvolvimento em todas as esferas e à sociedade de risco. Se não existir um meio ambiente sadio, não há vida. Não há como argumentar diferente. O meio ambiente tem um peso importante, o que acaba trazendo conseqüências para o Estado e para o Direito98.

Assim, Leite99 afirma que a caracterização do direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado como fundamental, os impactos ambientais cada vez maiores oriundos de uma sociedade de risco, e a Ecologização do Direito demandam uma transformação emergencial do papel do Estado.

Visando solucionar essa crise, é proposta a ideia de um Estado de Direito Ambiental, definido por Leite como

um conceito de cunho teórico abstrato que abarca elementos jurídicos, sociais e políticos na busca de uma situação ambiental favorável à plena satisfação da dignidade humana e harmonia dos ecossistemas. Assim, é preciso que fique claro que as normas jurídicas são apenas uma faceta do complexo de realidades que se relacionam com a ideia de Estado de Direito Ambiental100.

Afirma Bianchi101 que o alicerce do Estado Ambiental é a própria

dignidade humana e a proteção da natureza que a envolve, propondo a

98 BELCHIOR, Germana Parente Neiva. Hermenêutica e meio ambiente: uma proposta de

hermenêutica jurídica ambiental para efetivação do Estado de Direito Ambiental. 2009.

241. Dissertação (Mestrado em Direito Ambiental) – Direito, Universidade Federal do Ceará, Ceará, 2007. p. 96.

99 LEITE, José Rubens Morato. AYALA, Patryck de Araújo. Dano ambiental: do individual

ao coletivo extrapatrimonial. Teoria e prática. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 35.

100LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de risco e Estado. In CANOTILHO, José Joaquim

Gomes; LEITE, José Rubens Morato. (Org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 131-204. 153.

101

BIANCHI, Patrícia Nunes Lima. A (in)Eficácia do direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado no Brasil. 2007. 513 f. Tese (Doutorado em Estado, Direito e

concretização da solidariedade econômica e social, visando sempre à sustentabilidade, à igualdade substancial entre os cidadãos e à utilização racional dos recursos naturais.

Trata-se de um conceito de difícil concretização, em vista da constatação de que os recursos minerais são finitos e incompatíveis com a evolução econômica da sociedade.

O Estado de Direito Ambiental não pode ser construído com base em um paradigma liberal do Estado, mas sim em um viés intervencionista e planificatório ancorado no direito econômico, fundado em equidade intergeracional e nas ideias do desenvolvimento duradouro. Trata-se, evidentemente, de uma mudança substancial e profunda, rompendo com as bases do pensamento jurídico tradicional. Ainda, é uma mudança nos fins do direito, que deixa de ser apenas a proteção da propriedade e o desenvolvimento econômico.

Alguns autores preferem utilizar a expressão Estado

Socioambiental, como é o caso de Sarlet e Fensterseifer, os quais ressaltam que essa nova forma de Estado agrega em um mesmo contexto as conquistas do Estado Liberal e do Estado Social, bem como as novas exigências ambientais102.

Klopfer, que prefere a denominação Estado Ambiental, afirma se tratar de um modelo estatal em que o meio ambiente passa a ser tarefa,

critério e meta procedimental do Estado103.

Canotilho ressalta que para sua configuração, é indispensável a fusão entre um Estado de direito, um Estado democrático, um Estado social e um Estado ambiental.

Assim, sendo o Estado de Direito Ambiental um Estado Social, verifica-se que são exigíveis do Estado ações positivas, no sentido de controlar as atividades poluidoras, conservar o meio ambiente degradado e fomentar a educação ambiental. No Brasil, é o caso da exigência constitucional de realização de licenciamento antecipado de Estudo de Impacto Ambiental. Também são instrumentos de ação estatal aqueles estabelecidos na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, art. 4°, principalmente zoneamento ambiental e educação ambiental.

Ainda, este Estado Ambiental precisa ser democrático. Precisa possuir meios de participação popular no Estado, formando uma gestão

102SARLTET, Ingo; FENSTERSEIFER, Tiago. In SARLET, Ingo Wolfgang. Estado

socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. 46

103KLOEPFER, Michael. A caminho do Estado Ambiental? A transformação do sistema

político e econômico da República Federal de Alemanha através da proteção ambiental especialmente desde a perspectiva da ciência jurídica. In SARLET, Ingo Wolfgang. Estado

participativa que estimulará o exercício da cidadania. Isso porque os deveres em matéria ambiental não foram impostos somente ao Estado, como também a “todos”, cabendo a cada um de nós a obrigação de construir um Estado de Direito Ambiental.

Por fim, o Estado de Direito Ambiental é também um Estado de Direito. Daí, se mostra essencial a configuração de instrumentos de tutela jurisdicional ambiental, tais como a ação civil pública e a ação popular, que cristalizam as garantias constitucionais do devido processo legal e do amplo acesso a justiça.

Para Bianchi, dentro desse novo Estado, é essencial a evolução de uma cidadania formal para uma cidadania participativa e, finalmente, uma cidadania ambiental, voltada para a concretização da proteção ambiental, construindo-se uma sociedade mais democrática e

assegurando a dignidade de vida a seus componentes104.

Todavia, o modelo que possuímos é apenas um “esboço precário quanto ao modelo a ser seguido”, sendo que “uma consecução do Estado de Direito Ambiental só será possível a partir da tomada de consciência global da crise ambiental, em face das exigências, sob pena de esgotamento irreversível dos recursos ambientais, de uma cidadania

moderna e participativa”105

.

A constitucionalização do direito ambiental representou um grande avanço na construção de um Estado de Direito Ambiental. Embora necessário, esse avanço não foi suficiente, sendo imprescindível ainda a reformulação em diversos outros campos, como a reconstrução do conceito de propriedade, revisão do sistema de mercado e construção de uma cidadania participativa, de forma a construir uma sociedade solidária e responsável, em que Estado e sociedade estejam unidos na preservação do meio ambiente.

Para Ayala, a Constituição de um Estado Ambiental representa um consenso sobre importantes valores sociais a serem protegidos: a vida, a vida das futuras gerações e a existência duradoura de todas as formas de vida. No entanto, um Estado Ambiental deve contar também com a colaboração de forças sociais, formando uma “relação na qual, de um lado estejam instituições ecologicamente sensíveis e, de outro, forças sociais ecologicamente responsáveis.” Assim, com base na

104BIANCHI, Patrícia Nunes Lima. A (in)eficácia do direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado no Brasil. 2007. 513 f. Tese (Doutorado em Estado, Direito e

Sociedade) – Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2007. p. 19.

105

LEITE, José Rubens Morato. AYALA, Patryck de Araújo. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. Teoria e prática. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 32, 39.

verificação de um retrocesso ambiental (visto no tópico acima), Ayala chega a afirmar que vivencia-se no Brasil um Estado de Retrocesso Ambiental. Em suas palavras,

Se por um lado a ordem jurídica brasileira expõe abertamente sua aptidão para proteger as condições indispensáveis para a existência duradoura da vida, sob todas as suas formas, cada um dos compromissos que foram fixados pela Constituição e perante a sociedade internacional, tem encontrado cenário que, pelo elevado grau de violações seria capaz de propor uma transformação da imagem de Estado que tem guiado as ações públicas e privadas. No lugar de um Estado ambiental que precisa ser capaz de concretizar seus compromissos com o desenvolvimento da vida, as decisões e escolhas realizadas pelas funções públicas tem obstado tal processo de concretização por meio de consequências que melhor definiriam e identificariam a imagem de um Estado de retrocesso ambiental106.

Concluindo, afirma Ayala que o cenário que hoje se vivencia é a existência de direitos muito poderosos, mas tribunais e instituições que ainda precisam adaptar sua capacidade de promover mudanças

substanciais nas políticas ambientais e em projetos coletivos de vida107.

Assim, concretizar um Estado de Direito Ambiental significa assegurar que os Tribunais fortaleçam o direito ambiental, mediante sua

aplicação sistêmica e reiterada, concretizando os valores

constitucionalmente assegurados. Daí a importância de uma visão hermenêutica mais adequada aos anseios ecológicos, como a que propomos aqui. Apenas teremos um Estado de Direito Ambiental com tribunais fortalecidos e que compreendam a norma ambiental,

assegurando-lhe eficácia e garantindo proteção aos valores

constitucionalmente protegidos.

106 AYALA, Patryck. op. cit. p. 293. 107Ibidem. p. 295.