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2.1 Redes sociais: conceito, teoria e métodos

2.1.4 A constituição da disciplina Análise de Redes Sociais

A constituição da disciplina Análise de Redes Sociais pode ser considerada um momento de síntese entre as tradições matemática e sociológica que deram origem ao conceito de rede social. No entanto, para além das bases colocadas por Simmel, não há um consenso em torno da origem do conceito nas ciências humanas.

Segundo Freeman (2004), o psicoterapeuta Jacob Moreno estaria entre os fundadores da disciplina análise estrutural ou de redes, cunhando, em 1934, o termo sociometria. A sociometria é descrita por Moreno como uma “técnica experimental... obtida através da aplicação de métodos quantitativos... que investiga a evolução e organização de grupos e a posição dos indivíduos dentro dele” (MORENO apud FREEMAN, 2004, p. 37). Sua principal inovação teria sido a utilização de sociogramas, “construídos de forma análoga aos desenhos

da geometria, com indivíduos representados por pontos e suas relações com outros atores, indicadas por linhas”. Tal método proposto por Moreno nos possibilitaria “observar regularidades nas práticas de sociabilidades” e “inferir padrões estruturais de organização da sociedade” (FONTES, 2012, p. 52).

O ponto de partida na construção histórica da disciplina tanto nos Estados Unidos quanto no Canadá seriam, portanto, os estudos de Moreno e um grupo de pesquisa na área de administração de empresas da Universidade de Harvard, na década de 1930.

Entre as décadas de 1940 e 1960 teria havido um declínio do interesse neste tema na América. Do outro lado do Atlântico, John Barnes teria sido o primeiro a utilizar conscientemente o termo rede social, em 1954, para analisar os laços que ultrapassam os grupos de parentesco e classes sociais em uma cidade pesqueira da Noruega.

Elizabeth Bott, por sua vez, foi quem desenvolveu a primeira medida de estrutura social – “knit” (malha), agora chamada de densidade ou conectividade – para mostrar que a dinâmica da estrutura familiar depende não apenas do comportamento de seus membros, mas também das relações que esses membros estabelecem com parentes, vizinhos, amigos e colegas (Cf. PORTUGAL, 2007, p. 5).

Em seu estudo, Bott mostrou a existência de uma estrutura relativamente estável de laços sociais tanto no núcleo familiar (pai, mãe, filhos) quanto nos círculos sociais ampliados (círculos sociais secundários em Simmel), aqueles resultantes das interações na escola, no trabalho, na vizinhança. Dependendo das posições e dos papéis exercidos por cada participante desses grupos, haveria um maior ou menor acesso a recursos e informações e diferentes tipos de sociabilização.

A antropóloga fazia parte de um grupo de antropólogos e psicólogos sociais ingleses, da escola de Manchester. Seu estudo sobre famílias de classe média da Inglaterra na década de 1950 nos “oferece, de forma sistematizada, alguns dos principais conceitos ainda hoje

utilizados entre os que trabalham com redes: densidade, centralidade, multiplexidade etc.” (FONTES, 2012, p. 55).

Teria sido a partir do trabalho de Barnes e Bott que se chegou à abordagem que hoje é conhecida como ARS. Ambos definiram a rede como um conjunto de laços ligando membros

de um sistema social através de categorias sociais e grupos delimitados (Cf. WELLMAN,

1988). Entre as características que dão unidade a essa abordagem, diz Wellman (1988), estão o foco nas relações padronizadas (cujas alterações afetam o comportamento de outros membros da rede) e a ideia de estrutura (tratada como uma rede que pode ou não ser particionada em grupos; esses grupos não são, necessariamente, os tijolos da estrutura).

Aqui, definimos rede social como uma estrutura formada por um conjunto de atores (nós) ligados uns aos outros por laços invisíveis (arestas ou links), que agem de maneira interdependente, podendo ou não formar grupos ou subgrupos. Essa estrutura é, ao mesmo tempo, rígida e elástica, e por essa última característica pode se expandir indefinidamente, incorporando novos atores ou nós.

Em 1967, Stanley Milgram mostrou que era possível conectar duas pessoas desconhecidas em 5,2 passos e que no caminho entre elas existiam poucos nós importantes (Cf. MOLINA, 2004; BARABÁSI, 2009). Seu experimento, que resultou na expressão “seis graus de separação”, consistiu em enviar uma carta, através de uma rede de contatos, a um destinatário sobre o qual havia poucas informações. Milgram mostrou que, mesmo vivendo em sociedades complexas, é possível chegar a qualquer pessoa através de seis contatos, em média.

Outra contribuição importante foi a de Granovetter (1973), com sua teoria de laços fortes e fracos, que pode nos ajudar a entender a dinâmica existente nas relações do Facebook e a lógica de acumular “contatos”. Segundo ele, a força de um laço vai depender da “quantidade de tempo, intensidade emocional, intimidade (confiança mútua) e serviços

recíprocos” (GRANOVETTER, 1973, p. 1361). A força do laço fraco (meros conhecidos, por exemplo) estaria não na intensidade ou intimidade da relação, mas no elemento estruturador. É o laço fraco que conecta os grupos. Os laços fortes seriam fontes de informações redundantes, pois todos se conhecem. Os fracos, em contraposição, trazem sempre novidades (oportunidades de emprego, por exemplo), pois sempre estão em contato com outras redes.

Com essa teoria, Granovetter inspiraria o desenvolvimento de uma teoria mais geral de capital social – a ideia segundo a qual a conexão existente entre as pessoas possibilita o acesso a recursos tais como um emprego melhor ou promoções (Cf. BORGATTI et al, 2009).

É a partir da década de 1970 que a ARS ressurge com força total, devido a dois fatores basicamente: o desenvolvimento da informática e o surgimento e a expansão da internet (Cf. FREEMAN, 2004, p. 139-141). Os recursos da informática teriam facilitado o acesso ao tratamento de dados e ao processamento de bases de dados mais amplas, além da simulação de modelos. Naquela década surgiram, por exemplo, os primeiros softwares específicos para a ARS, embora ainda muito complicados de usar. Aqueles com interfaces mais amigáveis, a exemplo do Ucinet, surgiriam somente a partir da década de 1980. Já a internet, segundo Freeman (2004), permitiu o estabelecimento de conexões entre acadêmicos estudiosos da ARS espalhados por diversas partes do planeta.

Apesar de todas essas contribuições salutares, segundo Wellman (1988), a análise estrutural (ou de redes), não possuía um programa ou manual até pelos menos a década de 1980. Até então, tentava-se unir princípios parciais a conclusões de estudos empíricos e tradição oral, seguindo-se modelos diferentes com semelhanças compartilhadas.

No fim dos anos 1990 e início dos anos 2000, os estudos na área de análise de redes começaram a receber uma atenção renovada a partir de um elemento novo – a Web –, sobretudo após a publicação dos trabalhos do próprio Wellman (2001a; 2001b; ver também WELLMAN & GULIA, 1999) e de Barabási (2009).

Albert-László Barabási (2009) introduziu o conceito de redes sem escala (scale free

network), em contraposição ao modelo de redes randômicas ou aleatórias trabalhado por Paul

Erdós e Alfréd Rényi e ao modelo dos mundos pequenos, elaborado por Duncan Watts e Steven Strogats.

O desafio assumido por Erdós e Rényi foi descobrir um modelo que descrevesse sistemas tão diferentes entre si. Como se formam as redes? Surge daí o clássico exemplo da festa: dez convidados, situação em que nenhum conhece o outro, começam a conversar formando pequenos grupos. Inicialmente, os grupos estão isolados, mas quando convidados começam a se deslocar para outros grupos a rede social começa a ser formada aleatoriamente, tornando possível encontrar um caminho (link) por entre dois convidados quaisquer. Nos grafos randômicos, os links são distribuídos aleatoriamente e todos os nós teriam a mesma chance de obter um link.

Segundo Barabási (2009, p. 12), a solução que Erdós e Rényi propuseram determinou profundamente o que ainda hoje pensamos acerca das redes. Esse modelo aleatório influenciou, por exemplo, a teoria de mundos pequenos de Watts e Strogats. Porém, de acordo com essa outra teoria, haveria uma maior chance de conexão entre aqueles nós que estão mais próximos. O coeficiente de clusterização seria capaz de explicar porque alguns de meus amigos podem não ser amigos uns dos outros. Assim, esse coeficiente indicaria o grau de coesão de um determinado grupo, isto é, o quanto seus membros estão interconectados. No modelo de Erdós e Rényi, pelo contrário, um brasileiro e um esquimó teriam a mesma chance de estabelecer uma conexão um com o outro do que meus dois melhores amigos.

Já nas redes sem escala, proposto por Barabási (2009), alguns nós são mais conectados do que outros e esse processo não ocorre de forma aleatória, como se propunha anteriormente. Significa que os nós são diferentes entre si e por isso têm chances diferentes de obter um link. O autor argumenta que a ordem real não é aleatória, sendo regida por leis fundamentais.

Quanto maior o número de conexões de um nó, maior a probabilidade de aquisição de novas ligações, enquanto que os nós com menos conexões terão menos chance de ampliar seus laços – o modelo Power Law, ou a ideia de que “os ricos ficam mais ricos” (rich get richer) e os “pobres mais pobres”. São muitos nós com poucas conexões e poucos nós com muitas conexões. Além disso, a própria rede também cresce, evolui e se adapta constantemente, seguindo uma dinâmica de imitação, isto é, alguns nós preferenciais atraem outros.

Barabási elaborou esse novo modelo partindo da teoria dos grafos de Euler no intuito de explicar a ampla emergência dessas redes em sistemas naturais, tecnológicos e sociais, indo do celular à internet e às comunidades virtuais. As redes são complexas e dinâmicas. No universo nada ocorreria isoladamente – muitos fenômenos estariam interconectados, o que leva o autor a postular que as redes “são a chave para compreendermos o complexo mundo que nos rodeia” (BARABÁSI, 2009, p. 11).

Segundo Barabási, que propõe a criação de uma nova disciplina (a ciência das redes), a internet seria um exemplo de rede sem escalas porque, enquanto alguns sites recebem muitas hiperligações, outros não recebem nenhuma. As ideias do autor fazem todo o sentido quando consideramos não apenas sites, mas, sobretudo, indivíduos. Indivíduos e suas redes sociais na internet, com todas as possibilidades de expressão e sociabilização proporcionadas pela comunicação mediada por computador (CMC).