• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 1 – A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL

1.2 Evolução histórica da educação de adultos

1.2.3 A Constituição Federal de 1988 e o direito à educação pública

Segundo Haddad & Di Pierro (2000:119), o alargamento dos direitos sociais após 1985 resultou na promulgação da Constituição Federal de 1988, em que se materializou o reconhecimento social dos direitos das pessoas jovens e adultas à educação fundamental, com a consequente responsabilização do Estado por sua oferta pública, gratuita e universal. No entanto, o que se observa é que, embora se afirmasse, no plano jurídico, o direito formal da população jovem e adulta à educação básica, por outro, esse direito era negado pelas políticas públicas concretas.

Ainda em 1985, o MOBRAL, estigmatizado como modelo de educação domesticadora e de baixa qualidade, foi substituído pela Fundação Educar (Fundação

33 Nacional para Educação de Jovens e Adultos). Dessa forma, não haveria mais paralelismo, visto que a Fundação Educar seria subordinada à Secretaria de Ensino, funcionando como órgão de fomento e apoio técnico. Muitas das inovações sugeridas pela comissão que formulou suas diretrizes político-pedagógicas foram incorporadas pela fundação. Visava- se, com isso, induzir que suas atividades diretas fossem progressivamente absorvidas pelos sistemas de ensino supletivo estaduais e municipais. A promoção de eleições diretas no país e a liberdade de expressão e organização dos movimentos sociais urbanos e rurais deram abertura para a experimentação e para a inovação pedagógica na educação de jovens e adultos.

A conquista do direito ao ensino público e gratuito em qualquer idade, expressa no artigo 208 da Constituição Federal de 1988, deu ensejo ao estabelecimento de um prazo de dez anos para a erradicação do analfabetismo e a universalização do Ensino Fundamental. Embora a Organização das Nações Unidas tenha declarado 1990 como o Ano Internacional da Alfabetização e realizado, nesta data, a Conferência Mundial de Educação para Todos, a erradicação do analfabetismo não passou de uma expectativa. Em 1990, o presidente Fernando Collor de Melo extinguiu a Fundação Educar, transferindo a responsabilidade da escolarização básica de jovens e adultos da União para os municípios.

Nos dois anos que antecederam o impeachment do presidente Collor, seu governo prometeu colocar em movimento um Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania (PNAC) que, segundo Haddad & Di Pierro (2000:121), praticamente não foi colocado em prática. O PNAC, que visava substituir a atuação da extinta Fundação Educar por meio da transferência de recursos federais para que instituições públicas, privadas e comunitárias promovessem a alfabetização e a elevação dos níveis de escolaridade dos jovens e adultos, foi deixado de lado no mandato exercido pelo vice-presidente Itamar Franco.

O Plano Decenal concluído em 1994 fixou metas de prover oportunidades de acesso e progressão no Ensino Fundamental a 3,7 milhões de analfabetos e 4,6 milhões de jovens e adultos pouco escolarizados – à época, o Brasil estava entre nove países que mais contribuíam para o elevado número de analfabetos no mundo. Apesar desse fato, Fernando Henrique Cardoso, que ocupou a presidência da República de 1994 a 2002, colocou de lado o Plano Decenal.

Em 1996, a LDB 9.394 trouxe poucas inovações: apenas rebaixou as idades mínimas dos alunos do supletivo para 15 e 18 anos no Ensino Fundamental e no Ensino médio, respectivamente, e integrou a educação de jovens e adultos ao ensino básico comum. Como enfatizam Haddad & Di Pierro (2000:122), a maior integração aos sistemas

34 de ensino, de um lado, e a indeterminação do público-alvo da EJA juntamente com a diluição das especificidades psicopedagógicas, de outro, parecem ser resultados contraditórios da nova LDB sobre a configuração recente da educação básica de jovens e adultos.

A Emenda Constitucional 14/96 suprimiu das Disposições Transitórias da Constituição de 1988 o artigo que comprometia a sociedade e os governos a erradicar o analfabetismo e universalizar o Ensino Fundamental até 1998. A nova redação dada ao artigo 60 do documento criou, em cada um dos estados, o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério – FUNDEF. Conforme destacam Haddad & Di Pierro (2000:122), essa nova configuração dos encargos educacionais promoveu maior liberdade aos estados para investir no ensino médio e à União para investir no ensino superior.

Com a promulgação da Lei 9.424/96, as matrículas registradas no Ensino Fundamental presencial de jovens e adultos não poderiam ser computadas para efeito dos cálculos dos fundos. Essa medida focalizou o investimento público no ensino de crianças e adolescentes de 7 a 14 anos e desestimulou o setor público a expandir o Ensino Fundamental de jovens e adultos. Faltava, portanto, incentivo para investimento na EJA, visto que o FUNDEF priorizava o Ensino Fundamental de crianças e adolescentes.

O FUNDEF deixou parcialmente descoberto o financiamento de três segmentos da educação básica – a Educação Infantil, o Ensino Médio e a educação básica de jovens e adultos. O ensino de jovens e adultos passou a concorrer com a Educação Infantil no âmbito municipal e com o Ensino Médio no âmbito estadual pelos recursos públicos não capturados pelo FUNDEF. A expansão do financiamento da educação básica de jovens e adultos (condição para a expansão da matrícula e melhoria de qualidade) experimentou dificuldades ainda maiores que aquelas já observadas no passado.

Na década de 1990, consolidou-se a tendência à descentralização do financiamento e dos serviços e a posição marginal ocupada pela educação básica de jovens e adultos nas prioridades de política nacional (Haddad & Di Pierro, 2000:124). Foram iniciados três programas federais de formação de jovens e adultos de baixa renda e escolaridade. Nenhum deles era coordenado pelo Ministério da Educação e todos eram desenvolvidos em regime de parceria que envolvia diferentes instâncias governamentais, organizações da sociedade civil e instituições de ensino e pesquisa.

No final do século XX, como vimos, a situação da EJA permanecia problemática e não muito diferente da de uma ou duas décadas atrás, no que diz respeito ao investimento

35 governamental nessa modalidade da educação e à consolidação do direito de todos a uma educação de qualidade. Esse quadro pode ser ilustrado por meio das estatísticas sobre o nível de escolarização dos adultos no Brasil, que veremos a seguir.