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Capítulo 2 – PANORAMA TEÓRICO E ESTADO DA ARTE SOBRE A CONCORDÂNCIA

2.1 Panorama teórico

2.1.1 A teoria do bilinguismo universal

Segundo Roeper (1999:7), os falantes têm um conjunto de minigramáticas para diferentes domínios, de modo que, de fato, todos os falantes são bilíngues. O autor argumenta que a checagem de tempo verbal e de concordância, entre outros, leva a representações bilíngues. Essa perspectiva sobre o bilinguismo teórico sugere que a opcionalidade (a variação) e os estágios na aquisição de uma gramática inicial também devem ser caracterizados como uma forma de bilinguismo.

16 De acordo com a UNESCO (2008:87), “Não existe uma definição unívoca do que seja ‘ensino regular’. O

entendimento corrente refere-se ao ensino caracterizado pela relação pedagógica face a face entre professores e alunos, com exigência de frequência mínima obrigatória, o que inclui o ensino presencial dos jovens e adultos, conforme os artigos 4 (incisos VI e VII) e 38 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9.394, de 1996, e sua interpretação pelo Parecer nº 11/2000, da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, que instituiu Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Entretanto, existe quem ainda interprete a expressão ‘ensino regular’ em oposição ao ‘ensino supletivo’ (com o qual a educação de jovens e adultos é erroneamente identificada), reportando-se à legislação já revogada, como a Lei nº 5.692, de 1971.”. Dadas as finalidades deste trabalho, adotamos uma distinção simplista das duas modalidades de ensino aqui mencionadas. Chamaremos de ensino regular a modalidade de ensino voltada ao público infantil e juvenil (que cursa a série considerada adequada para a idade) e de EJA a modalidade de ensino voltada ao público jovem e adulto (que não frequentou ou que pouco frequentou a escola durante a infância).

49 De acordo com Roeper (1999:8), existem em uma língua duas propriedades que não são “formuláveis” dentro de uma mesma gramática. A esse fenômeno o autor chama de Bilinguismo Teórico. Roeper afirma que a noção social de bilinguismo, que consiste no domínio de duas línguas, por ser muito forte, pode dificultar a percepção de que pequenas variações gramaticais (que revelam a profundidade das propriedades da estrutura mental) também são formas de bilinguismo.

Roeper (1999:4) usa o conceito de Bilinguismo Teórico para captar aspectos da aquisição da linguagem (especificamente, a opcionalidade e a variação lexical) e usa o Minimalismo para definir em que contextos o bilinguismo é previsível, em termos de economia. Ele inicia a discussão distinguindo língua e gramática, nos termos de Chomsky (1986). Chomsky (1986, apud Roeper, 1999:4) faz uma distinção entre a língua internalizada (a gramática) e a língua externalizada (conjunto de enunciados que podem ser produzidos), e argumenta que a língua externalizada, em última análise, pode não ser coerente, visto que pode apresentar escolhas “contraditórias”.

Roeper (1999:4-5) afirma que todas as línguas, quando vistas de perto, envolvem certos domínios que exibem escolhas “contraditórias”, de forma que ambas as opções de um parâmetro mutuamente exclusivo são escolhidas. Esse fato, segundo o autor, sugere que existe um bilinguismo oculto. Isso, ele afirma, tem implicações para duas assunções correntes em pesquisas sobre aquisição.

A primeira assunção é a de que a criança passa por estágios de aquisição. Na perspectiva do Bilinguismo Teórico, uma criança aparentemente “entre estágios” está usando duas ou mais gramáticas (uma das quais irá desaparecer). Isso significa que uma criança pode usar, simultaneamente, traços gramaticais incompatíveis.

A segunda assunção é a de que certas regras são opcionais. De acordo com o Bilinguismo Teórico, a noção de opcionalidade pode ser eliminada. Segundo Roeper (1999:5), nenhuma gramática consistente pode apresentar regras contraditórias. Deve-se, nesse caso, postular que há duas gramáticas, ainda que elas difiram apenas em uma única regra.

A lógica da teoria da aprendizagem, segundo Roeper (1999:5), é que regras opcionais não podem ser eliminadas durante a aquisição, já que nenhum input positivo mostra que a regra opcional é incorreta. Em outras palavras, regras opcionais incorretas criam um superconjunto que deve ser restrito a um subconjunto, e não há mecanismo

50 disponível para essa derivação17. Por outro lado, o movimento em sentido contrário, do subconjunto para o superconjunto, é claramente motivado pela evidência do input: se uma nova sentença não se conforma à gramática existente, isso força a gramática a ser revisada. Segundo Roeper (1999:5), a eliminação das regras opcionais pode ser um passo adiante em termos de aprendizado, mas, por outro lado, novas questões surgem sobre a relação entre as gramáticas sob o pressuposto de que todos os falantes são bilíngues.

Uma extrapolação natural desse pressuposto é a afirmação de que uma pessoa tem inúmeras gramáticas, já que todas as classes lexicais com regras incompatíveis com as de outra classe devem constituir uma gramática separada. Para Roeper (1999:6), embora pareça pesado e implausível argumentar que uma pessoa tem uma dúzia de gramáticas, a essência dessa afirmação pode ser verdadeira, e isso implica que a noção de gramática deve mudar para uma concepção mais local.18

De acordo com Roeper (1999:6), não há problemas no fato de que as “exceções” existam, pois elas podem ser todas vistas como “minigramáticas”. Interessa, sim, como e por que as exceções são eliminadas em favor de um extensa sistematicidade em gramática. Para o autor, onde duas gramáticas estão presentes, pode-se representar uma Minimal Default Grammar definível em termos de economia.

Roeper afirma que a noção de Bilinguismo Teórico pode ser definida dentro da Teoria Minimalista da sintaxe, tal como apresentado por Chomsky (1995, apud Roeper 1999:6), e apresenta algumas observações empíricas.

Segundo Roeper (1999:7), as crianças passam por um período em que dizem, simultaneamente, “I want” e “me want” (ou “him want” e “he wants”). Para explicar esse fenômeno, o autor apresenta diferentes abordagens:

(1)

a. Cada forma (“I want” e “me want”) representa estruturas diferentes da mesma gramática.

b. Cada forma tem uma função temática diferente na gramática. c. Cada forma representa um estágio diferente na gramática da criança.

17 No texto original: “incorrect optional rules create a superset which must be restricted to a subset” (Roeper,

1999:5).

18 No texto original: “A natural extrapolation of this claim is to assert that a person has numerous grammars:

every lexical class with rules that are incompatible with another class should constitute a separate grammar. It sounds unwieldy and implausible to argue that a person has a dozen grammars. The essence of this assertion may, nonetheless, be true. It implies that the notion of a grammar should change to a more local conception.” (Roeper, 1999:6).

51 d. As duas formas ocorrem em razão de a marcação de concordância ser

opcional na gramática da criança.

No lugar dessas abordagens, a que Roeper (1999:7) propõe é a seguinte:

(2) Bilinguismo: a criança tem duas gramáticas, uma com e outra sem concordância:

G1: sintagma de tempo = +/- tempo, +/- concordância G2: sintagma de tempo = +/- tempo

Roeper e Rohrbacher19 (apud Roeper 1999:8) argumentam que a GU admite gramáticas de adultos sem AGR, como em G2. Para Chomsky (1995, apud Roeper, 1999:8), AGR é traço do sintagma de tempo. Isso significa que o que falta à criança é simplesmente um traço formal, e não um nó inteiro. Uma possibilidade, segundo Roeper, é que a criança falante de inglês abandone a G2 (sem concordância) por razões sociais, portanto externas a qualquer gramática particular. Nesse caso, a gramática (no caso, a sem concordância) permanece, mas simplesmente não é usada.

A hipótese de Roeper (1999:22) é que as crianças estabelecem conjuntos de vocabulário que são derivados de princípios independentes da GU, e cada conjunto de subvocabulários segue suas próprias regras. A consequência disso é que dois conjuntos lexicais constituem duas gramáticas distintas.

Em suma, o que Roeper (1999:50) postula é que a Gramática Universal está disponível não só para a projeção de formas de L2 totalmente novas, mas também em um determinado idioma para criar ilhas radicalmente diferentes de variação de gramática.20