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2. NÃO HÁ EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS SEM O DIREITO

2.1 A EDUCAÇÃO COMO UM DIREITO

2.1.2 A Constituição Federal de 1934

Muito embora a educação tenha sido pioneiramente declarada como direito na Constituição Federal de 1934 (BRASIL, 1934, art. 149º), sua obrigatoriedade e gratuidade estavam circunscritas ao ensino primário e atrelada à assiduidade dos alunos (BRASIL, 1934, art. 150º, Parágrafo único, letra a). No que concerne à garantia da progressão dos estudos, esta Constituinte preconiza a “tendência à gratuidade do ensino educativo ulterior ao primário, a fim de o tornar mais acessível” (BRASIL, 1934, art. 150º, Parágrafo único, letra b), restringindo a matrícula “à capacidade didática do estabelecimento e seleção por meio de provas de inteligência e aproveitamento, ou por processos objetivos apropriados à finalidade do curso” (BRASIL, 1934, art. 150º, Parágrafo único, letra e).

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“Em 1º de novembro de 1932, através do Decreto 20.040, Getúlio Vargas designou uma comissão para a elaboração do anteprojeto de Constituição, a ser apresentado pelo governo provisório à Assembleia Nacional Constituinte, que deveria ser eleita em 3 de maio de 1933 (as eleições se realizaram, em 26 de julho de 1933). A Associação Brasileira de Educação (ABE), por sua vez, na Conferência Nacional de Educação realizada em 1932 [...] havia decidido pela formação de uma ‘Comissão dos 10’, que deveria elaborar um estudo sobre ‘as atribuições respectivas dos governos federal, estaduais e municipais, relativamente à educação’. Tal estudo deveria ser referendado pela ‘Comissão dos 32’, composta pelos delegados-representantes de cada estado. E assim foi feito. Anísio Teixeira, já como diretor da Instrução Pública do Distrito Federal, presidiu a ‘Comissão dos 10’. Fernando de Azevedo, como delegado de São Paulo, presidiu a ‘Comissão dos 32’. O estudo da ABE transformou-se numa proposta de anteprojeto para o capítulo sobre educação à Constituição.” (GUIRALDELLI JUNIOR, 2009, p. 72).

A Carta Constitucional de 34 não se compromete com a garantia de ascensão dos estudos, antes limita a matrícula à capacidade de atendimento das escolas, oficializando a realização de processo seletivo como condição para o ingresso; donde se conclui que esta Constituinte não estabelece a expansão da escola pública, antes preconiza a limitação da matrícula, “[...] prova de que, por parte do Governo, se cuidou de conter a expansão do ensino em limites estreitos.” (ROMANELLI, 1978, p. 153).

Deste modo, a Constituição de 34 efetivou parcialmente o direito à educação nela proclamado, pois, para que a educação pudesse ser formalmente reconhecida enquanto direito inalienável, a carta constitucional deveria garantir a “[...] continuidade do sistema de educação, organizado de forma a que todos, em igualdade de condições, possam dele participar e nele continuar até os níveis mais altos.” (TEIXEIRA, 1968b, p. 43), pois,

[...] O dever do governo – dever democrático, dever constitucional, dever imprescritível – é o de oferecer ao brasileiro uma escola primária capaz de lhe dar a formação fundamental indispensável ao seu trabalho comum, uma escola média capaz de atender à variedade de suas aptidões e das ocupações diversificadas de nível médio, e uma escola superior capaz de lhe dar a mais alta cultura e, ao mesmo tempo, a mais delicada especialização. [...] sob pena de perecermos ao peso do nosso próprio progresso. (TEIXEIRA, 1968a, p. 33).

Somente nesta perspectiva, afirma Teixeira, são admissíveis as “[...] formulações legais da identidade de direitos de todos os cidadãos. Iguais perante a lei, primeiro; depois, iguais em face das oportunidades que a nação oferece.” (TEIXEIRA, 1968b, p. 43). Entretanto, o Estado, ao eximir-se de assegurar estes princípios, consagrou a educação apenas “àqueles que tinham o ‘privilégio’ de ter acesso à escola” (DIAS, 2007, p. 445).

No que concerne ao ensino religioso, embora tenha sido aprovado “nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais” (BRASIL, 1934, art. 153º), a Constituição de 34 estabelece sua criação como disciplina de “frequência facultativa” (Idem), a ser ministrada em consonância com os “princípios da confissão religiosa do aluno manifestada pelos pais ou responsáveis” (Idem). Sobre o desfecho da Constituinte face ao ensino laico, afirma Rocha que,

O quadro ideológico da época, acrescido da atitude do Governo Provisório de se mostrar sensível às pretensões católicas, determina a estratégia de influências dos

renovadores sobre os constituintes. Ela será a de não alimentar a polêmica relativa à questão de ensino laico/ensino religioso nas escolas públicas, eximindo-se de opinar sobre tal ponto, para esforçar-se por garantir uma influência sobre a futura Constituição em outros aspectos considerados relevantes. (ROCHA, 2001, p. 131).

Cumpre-nos destacar que a Constituição de 34 acolhe as reivindicações do movimento renovador e da ABE no que concerne à elaboração do Plano Nacional de Educação, cuja concepção estaria sob o encargo do Conselho Nacional de Educação24, devendo ser promulgado sob a forma de lei. Tendo este órgão adquirido nesta Constituição “caráter executivo e técnico” (HORTA, 2001, p. 140), lhe compete “sugerir ao Governo as medidas que julgar necessárias para a melhor solução dos problemas educativos bem como a distribuição adequada dos fundos especiais.” (BRASIL, 1934, art. 152º).

A proposta de descentralização técnica e administrativa do sistema educacional preconizada tanto no Manifesto, como no anteprojeto constitucional da ABE, é igualmente contemplada nesta Constituinte (1934), que estabelece a criação dos Conselhos Estaduais de Educação (BRASIL, 1934, art. 152º, Parágrafo único), aos quais corresponderiam as funções de “[...] administrar e superintender os seus sistemas educacionais. Além disto, ao prever autonomia para estes órgãos, aqueles educadores estavam acreditando na possibilidade de livrá-los das injunções de caráter político.” (HORTA, 2001, p. 139, 140).

A especificação na Constituinte quanto à obrigatoriedade do Estado em destinar recursos públicos para a educação, com vistas à sua efetivação enquanto um direito, ainda que circunscrito ao ensino primário, se caracterizou como uma vitória para o movimento renovador, assim promulgada: “A União e os Municípios aplicarão nunca menos de dez por cento, e os Estados e o Distrito Federal nunca menos de vinte por cento, da renda resultante dos impostos na manutenção e no desenvolvimento dos sistemas educativos.” (BRASIL, 1934, art. 156º).

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“[...] Este Conselho na realidade já existia por ocasião da elaboração da Constituição de 34. Havia sido criado em abril de 1931, no bojo das chamadas Reformas Campos. No decreto que o criou, o Conselho Nacional de Educação aparece como [...] um órgão puramente consultivo, com atribuições de opinar e traçar ‘diretrizes gerais’, mas sem nenhum poder decisório. No anteprojeto do capítulo sobre educação, elaborado pela Comissão dos 32, da ABE, para a Constituição de 34, o Conselho Nacional de Educação assume forma radicalmente diferente. Ele aparece como ‘órgão executivo e técnico’ do Ministério da Educação, competindo-lhe exercer a função, que cabia à União, de [...] ‘estimular e coordenar’ a obra educacional [...].” (HORTA, 2001, p. 139, 140).

Contudo, a despeito dos inúmeros esforços envidados pelos signatários tanto do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, como do anteprojeto constitucional da ABE, no que concerne a aprovação do direito à educação na Carta Constitucional de 1934, “[...] ele sai suficientemente mutilado para que nada obrigue o Estado a um investimento maciço em educação pública.” (ROCHA, 2001, p. 126); a este respeito, afirma Teixeira que,

Nos fins da década de 20 a 30, parecia, assim, que estávamos preparados para a reconstrução de nossas escolas. A consciência dos erros se fazia cada vez mais palpitante e o ambiente de preparação revolucionária era propício à reorganização. O país iniciou a jornada de 30 com um verdadeiro programa de reforma educacional. Nas revoluções, como nas guerras, sabe-se, porém, como elas começam mas não se sabe como acabam. (TEIXEIRA, 1976, p. 26).