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2. NÃO HÁ EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS SEM O DIREITO

2.1 A EDUCAÇÃO COMO UM DIREITO

2.1.7 A Constituição Federal de 1988 – Os direitos humanos e o direito humano à

Inserindo-se no contexto específico do estabelecimento do Estado Democrático de Direito, a educação brasileira, como direito público subjetivo, teve suas finalidades definidas na Constituição Federal de 1988 como “direito de todos e dever do Estado e da família”, voltada para o “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988, art. 205º).

Esta Constituinte igualmente preconiza a instituição da “gestão democrática do ensino público” (BRASIL, 1988, art. 206º, inciso VI) e a universalização da educação básica, obrigatória e gratuita (BRASIL, 1988, art. 208º, inc. I), sob a tutela dos poderes públicos (União, Estados e Municípios) (BRASIL, 1988, art. 211º, inc. IV), abrangendo a educação infantil e os ensinos fundamental e médio. Entretanto, segundo Sader,

[...] A principal limitação do novo governo acabou sendo que, apesar de reconstituída a democracia política – e votada uma nova Constituição -, não foi feita nenhuma reforma econômica ou social, que desse um caráter mais profundo à democratização. [...]. A democracia restringiu-se ao plano político-jurídico. (SADER, 2007, p. 79).

Segundo Teixeira (1976), a histórica propensão do poder público brasileiro em solucionar as carências da sua realidade social através da promulgação de leis e declarações oficiais, esvaziadas de uma intervenção efetiva que delas seriam decorrentes, engendrou o notório afastamento entre os direitos assegurados por lei e os direitos concretizados na prática; de acordo com este autor, “Acostumamo-nos, assim, a viver em dois planos, o real, com as suas particularidades e originalidades, e o oficial com os seus reconhecimentos convencionais de padrões inexistentes.” (TEIXEIRA, 1976, p. 38).

No que concerne especificamente à educação, não faltam elementos analíticos para demonstrar que no Brasil este ainda é um direito a ser efetivado, não obstante sua regulamentação formal. Neste sentido, as Constituições pregressas apenas lhe alteraram a forma, ampliando ou reformulando o direito à educação, mas o Estado ainda não conseguiu cumprir plenamente sua obrigação Constitucional.

A expansão da educação não se fez acompanhar de uma melhoria da qualidade do ensino, e a despeito das inúmeras legislações que para este fim foram doravante proclamadas e da execução de inúmeras políticas públicas educacionais, ainda hoje persistem graves indicadores de reprovação, evasão e distorção idade-série dos alunos matriculados no ensino público. Segundo relatório final da Conferência Nacional de Educação (BRASIL, 2010a),

[...] da população com mais de sete anos, 11,2% é analfabeto/a, dos/ das quais aproximadamente 2,5 milhões estão na faixa de escolaridade obrigatória (7 a 14 anos). Dentre os/as maiores de dez anos, 11,2% não têm escolaridade ou estiveram na escola pelo período de até um ano; 27,5% têm até três anos de escolaridade; e

mais de 2/3 da população (60,4%) não possuem o ensino fundamental completo, tendo, no máximo, sete anos de escolaridade (IBGE - PNAD 2003). [...]. (BRASIL, 2010a, p. 19).

Considerando que os sujeitos transformam-se em cidadãos apenas quando seus direitos lhes são reconhecidos e respeitados (BOBBIO, 2004), não se pode eludir da questão do direito à educação como indispensável ao desenvolvimento de uma cultura que os garanta, entretanto, “[...] no Brasil, a educação tem a marca histórica da exclusão, consubstanciada pela enorme desigualdade social que grassa no país, desde a época da colonização até os dias atuais”. (DIAS, 2007, p. 443).

Enquanto direito público subjetivo, cumpre, portanto, ao Estado brasileiro prover os meios necessários para assegurar a oferta da educação básica nos termos previstos em Lei: pública, gratuita e universal. Segundo Benevides,

[...] Isto significa que, no caso da educação, o titular deste direito é qualquer pessoa, de qualquer idade, que não tenha tido acesso à escolaridade obrigatória na idade apropriada ou não. Ele é subjetivo porque é inerente ao seu titular. E como o sujeito deste dever é o Estado, constitui-se num direito público. O direito público subjetivo deixa bem clara a vinculação substantiva e jurídica entre seu titular – a pessoa – e o sujeito do dever – o Estado. Na prática, isto significa que o titular de um direito público subjetivo tem asseguradas a defesa, a proteção e a efetivação imediata desse direito quando negado. [...]. (BENEVIDES, 2007, p. 460).

No entanto, a consciência deste direito não se faz espontaneamente. Será justamente por meio da educação que o sujeito se reconhecerá como titular deste e de outros direitos (políticos, sociais, civis, econômicos e culturais), e será através do processo educacional que se preparará para o exercício da cidadania, imprescindível para uma participação mais efetiva na condução dos destinos do seu país, ou seja, “[...] da necessidade de educação para o estabelecimento da difusão de poder, que gera, inevitavelmente, a democracia.” (TEIXEIRA, 1968a, p. 67).

A questão do direito à educação vincula-se, portanto, à questão dos direitos humanos, constituindo-se simultaneamente enquanto um direito humano fundamental e como um meio para acessar outros direitos (RAYO, 2004, p. 164), pois, é precisamente por meio da educação que se pode “[...] avançar no reconhecimento e na defesa intransigente dos direitos fundamentais para todo ser humano, na defesa e no fortalecimento da democracia.” (SILVA,

2010, p. 43); o seu não cumprimento encerra uma violação de direitos. Passados quarenta e três anos da publicação de seu livro Educação não é Privilégio (1968a), reconhecemos a atualidade do pensamento de Anísio Teixeira, ao afirmar que,

Se juntarmos ao vigor do tradicionalismo brasileiro [...], o despreparo da geração hoje dominante no país para a própria ideologia democrática, teremos as duas razões circunstanciais que tornam tão difícil, em nossa atual conjuntura, configurar de forma lúcida e convincente o problema da formação democrática do brasileiro. (TEIXEIRA, 1968a, p. 67).

Considerando que a educação em direitos humanos compreende o ato educativo a partir dos ideais e valores da cidadania, da democracia e em favor da promoção e da defesa destes direitos, sua implementação no âmbito educacional torna-se, portanto, imperiosa para a formação de sujeitos cônscios de seus deveres e dos seus direitos, capazes de exercer competentemente sua cidadania, aptos a reivindicar a efetivação do Estado democrático de direito no Brasil.