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3. RELATOS DA DESIGUALDE SOCIAL: O CENÁRIO BRASILEIRO

3.1. A Constituição Federal de 1988 e a perspectiva de um Brasil menos desigual

A ordem constitucional inaugurada em 5 de outubro de 1988 pretendeu, notoriamente, tornar o Brasil um país menos desigual. Diversas normas constitucionais programáticas foram inseridas na Carta constitucional, a fim de instituir, com o passar dos anos a partir de então, uma orientação para as políticas públicas nacionais e para as ações interventivas do Estado brasileiro de primar pela construção de um patamar civilizatório de maior igualdade entre as pessoas, de menor pobreza e miséria e, assim, de menores

26 Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/22/politica/1506096531_079176.amp.html, acesso

desigualdades sociais.

Como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, portanto, está definido expressamente a redução das desigualdades sociais e regionais e a erradicação da pobreza e da miséria, sob a disposição constitucional instituída no art. 3º, III, da Constituição Federal de 198827.

É claro que para tornar indubitável o compromisso da ordem constitucional brasileira com a superação das desigualdades sociais a Constituição Federal de 1988 precisou dispor, em diversos outros pontos de sua parte dogmática, sobre esta intenção. E assim o fez quando estabeleceu a justiça social e o bem-estar, sob o primado do trabalho, na ordem social28 do país. Reconheceu, dessa forma, que o acesso aos recursos econômicos tem de ser oferecido sobretudo pelo trabalho produtivo, cuja consequência imediata, no mercado de trocas livres, é a possibilidade de auferir renda, isto é, um fluxo de recursos.

Sobre a constitucionalização da ordem social, Silva (2005, p. 285) ensina que:

“A ordem social, como a ordem econômica, adquiriu dimensão jurídica a partir do momento em que as constituições passaram a discipliná-la sistematicamente, o que teve início com a Constituição mexicana de 1917. No Brasil, a primeira Constituição a inscrever um título sobre a ordem econômica e social foi a de 1934, sob a influência da Constituição alemã de Weimar, o que continuou nas constituições posteriores”.

Por outro lado, quando institui como objetivo da ordem social o bem-estar e justiça social, é porque reconhece que a vida em sociedade, quando ausentes as medidas interventivas, levam a uma concorrência excludente, provocadora de injustiças e penúrias.

É como entende Silva (2005, p. 285), por exemplo, ao afirmar que;

“Os direitos sociais disciplinam situações subjetivas pessoais ou grupais de caráter concreto. Em certo sentido, pode-se admitir que os direitos econômicos29 constituirão pressupostos da existência dos direitos sociais, pois, sem uma política econômica orientada para a intervenção e participação estatal na economia, não se comporão as premissas necessárias ao surgimento de um regime democrático de conteúdo tutelar dos fracos e mais numerosos”.

É para o trato em meio à ordem social que se concebe, evidentemente, os direitos

27 Art. 3, CRFB/88. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

28 Art. 193, CRFB/88. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a

justiça sociais.

29“Não é fácil estremar, com nitidez, os direitos sociais dos direitos econômicos. Basta ver que alguns colocam os direitos dos trabalhadores entre os direitos econômicos, e não há nisso motivo de censura, porque, em verdade, o trabalho é um componente das relações de produção e, nesse sentido, tem dimensão econômica indiscutível” (SILVA, 2005, p. 285).

sociais. São estes um conjunto de direitos fundamentais que visa oferecer ao indivíduo e à coletividade um perfil básico de existência, consubstanciando a progressão a uma maior igualdade de fato e, como intuito derradeiro, o princípio da dignidade da pessoa humana.

Neste sentido, Silva (2005, p. 286) continua a discorrer:

“Assim, podemos dizer que os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade”.

A igualdade a que se refere indica a uma proximidade entre condições materiais, isto é, um maior acesso a recursos econômicos disponíveis, ou pelo menos uma menor disparidade das condições econômicas dentro da sociedade, que implique, verdadeiramente, em uma diminuição da pobreza e da escassez para aqueles que costumam, historicamente, vivenciá- las.

A Constituição Federal de 1988 prevê os direitos sociais na ordem constitucional

brasileira em seu art. 6º30, elencando, dentre eles, o trabalho, a alimentação, a saúde e a

educação. Representa, em sentido claro, uma intenção de prover aos indivíduos um acesso a um mínimo existencial de recursos, a serviço da efetiva liberdade humana.

Sobre esses direitos, Bonavides (2004, p. 564) elenca que:

“São os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividade, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social, pois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal do século XX. Nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula”.

Todavia, foram direitos que “passaram por um ciclo de baixa normatividade ou tiveram eficácia duvidosa, em virtude de sua própria natureza de direitos que exigem do Estado determinadas prestações materiais nem sempre resguardáveis por exiguidade, carência ou limitação essencial de meios e recursos” (BONAVIDES, 2004, p. 564).

É atrelada a todos esses princípios e direitos que a Constituição Federal de 1988

formulou a ordem econômica nacional, prevista em seu art. 17031. Nela destacou que haveria

30 Art. 6º, CRFB/88. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o

lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

31 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim

de subsistir mediante o trabalho humano, a livre iniciativa e, em seus princípios, na propriedade privada e na livre concorrência. Como não poderia deixar de ser, consagrou o mercado das trocas livres e a concorrência geral pelos recursos, de maneira que não pretendeu revolucionar o que espontaneamente a ação humana desenvolveu.

Todavia, ante à evolução histórica do Direito e o reconhecimento de que a ordem econômica integralmente dominada pela concorrência liberal provoca exclusão social, tratou a Constituição Federal de 1988 de introduzir elementos principiológicos dos direitos sociais dentro da realidade econômica nacional. Assim, tornou exigível que as relações privadas, quando de suas consequências, respeitem a dignidade do ser humano e o primado da justiça social.

Sobre a justiça social, Silva (2005, p. 789) afirma que:

“Assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, não será tarefa fácil num sistema de base capitalista e, pois, essencialmente individualista. É que a justiça social só se realiza mediante equitativa distribuição de riqueza. Um regime de acumulação ou de concentração do capital e da renda nacional, que resulta da apropriação privada dos meios de produção, não propicia efetiva justiça social, porque nele sempre se manifesta grande diversidade de classe social, com amplas camadas de população carente ao lado de minoria afortunada. A história mostra que a injustiça é inerente ao modo de produção capitalista, mormente do capitalismo periférico”.

Dentro da Constituição Federal de 1988 os direitos sociais, que são os grandes responsáveis pela promoção da justiça social, estão inclusos como direitos fundamentais da pessoa humana, como consta segundo Título constitucional – Dos Direitos e das Garantias Fundamentais. Diz-se isto porque o art. 5º, § 1º32, da Carta constitucional traz ainda a norma que determina aplicação imediata aos direitos e garantias fundamentais, o que sugere um compromisso inafastável do Estado de promover a efetividade destes direitos.

Ao que parece, e como se percebe pelo cenário brasileiro, superar as mazelas da sociedade, sobretudo a enorme desigualdade social que tanta penúria e sofrer impõe a grande

[..]

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade; IV - livre concorrência;

[...]

VII - redução das desigualdades regionais e sociais; [...]

32 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

parte da população, e efetivar os direitos fundamentais é que representam os enormes desafios da Constituição Federal de 1988, visto que não restam dúvidas quanto aos interesses e aos mandamentos da ordem constitucional que foi instituída de remover e demolir esses problemas.