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DIREITO, DESIGUALDADE SOCIAL E TRIBUTAÇÃO: A INTERVENÇÃO DO ESTADO NO ARRANJO SOCIAL DE DESIGUALDADE CRESCENTE ENTRE OS INDIVÍDUOS E OS EFEITOS DA TRIBUTAÇÃO NO CENÁRIO BRASILEIRO

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO

PEDRO ELPÍDIO GADELHA GUIMARÃES PINHEIRO

DIREITO, DESIGUALDADE SOCIAL E TRIBUTAÇÃO: A INTERVENÇÃO DO ESTADO NO ARRANJO SOCIAL DE DESIGUALDADE CRESCENTE ENTRE OS

INDIVÍDUOS E OS EFEITOS DA TRIBUTAÇÃO NO CENÁRIO BRASILEIRO

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PEDRO ELPÍDIO GADELHA GUIMARÃES PINHEIRO

DIREITO, DESIGUALDADE SOCIAL E TRIBUTAÇÃO: A INTERVENÇÃO DO ESTADO NO ARRANJO SOCIAL DE DESIGUALDADE CRESCENTE ENTRE OS INDIVÍDUOS E

OS EFEITOS DA TRIBUTAÇÃO NO CENÁRIO BRASILEIRO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do Título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Tributário.

Orientador: Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo.

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PEDRO ELPÍDIO GADELHA GUIMARÃES PINHEIRO

DIREITO, DESIGUALDADE SOCIAL E TRIBUTAÇÃO: A INTERVENÇÃO DO ESTADO NO ARRANJO SOCIAL DE DESIGUALDADE CRESCENTE ENTRE OS INDIVÍDUOS E

OS EFEITOS DA TRIBUTAÇÃO NO CENÁRIO BRASILEIRO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do Título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Tributário.

Orientador: Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo

Aprovada em: ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________ Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_______________________________________________ Profª. Drª. Denise Lucena Cavalcante

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_______________________________________________ Prof. Dr. Carlos César Sousa Cintra

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, antes de tudo, à minha família, por todo o esforço que despenderam na minha trajetória, a fim de que eu tivesse esta oportunidade. À minha mãe, Maria Socorro Guimarães Pinheiro, por ser mais do que palavras podem descrever e por ser a base da qual todas as minhas conquistas provêm; ao meu pai, Luiz Gonzaga Pinheiro, por ser uma inspiração diária e por tantos conselhos valiosos que me concedeu ao longo da vida; à minha irmã, Ana Beatriz Gadelha Guimarães Pinheiro, por, mesmo em tenra idade, já ser um condão de humanidade e de esforço; ao meu primo, Thiago Augusto Lima Alves, pelo suporte que ofereceu e pela sua história que me é conjunta, da qual há muito amadurecimento.

Agradeço a Roberta Policarpo Barreto, pelo constante aprendizado que me proporciona e pelo apoio que me concede nos momentos de dificuldade, sem os quais esta tarefa teria sido, certamente, mais árdua.

Agradeço à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, pelo acesso a um ensino tão primoroso e fascinante sobre o Direito, pela êxito em fornecer, aos discentes, condições adequadas de ensino, estudo e pesquisa e por dispor de tanto brilhantismo acumulado em seu corpo docente, atual e pretérito, que inspira e envaidece aqueles que frequentam a Casa.

Ao professor Hugo de Brito Machado Segundo, por ter aceitado a orientação deste trabalho e por ser um docente inspirador, tanto pela genialidade no exercício do magistério como pelo nível extraordinário de conhecimento que possui.

Aos demais membros da Banca Examinadora, profª. Denise Lucena Cavalcante e prof. Carlos César Sousa Cintra, por aceitarem avaliar o presente trabalho.

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Agradeço, também, aos servidores e funcionários da Faculdade de Direito da UFC, especialmente ao sr. Nelson, à sra. Hymia, à profª. Fernanda e ao prof. William Marques, em seu tempo de Coordenador, por todo o auxílio nas questões e nas demandas que lhes apresentei durante todos esses anos.

Agradeço, com não menos importância, a todos os meus amigos e colegas de faculdade, que tornaram inesquecíveis tantos dias e que tanto contribuíram para a minha formação.

Em especial, um salve ao Bonde e a todos que por ele passaram.

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“Do. Or do not. There is no try”. Jedi Master Yoda. “Faça. Ou não faça. Não existe tentativa”.

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RESUMO

A desigualdade humana representa uma das maiores controvérsias na filosofia e na ciência jurídica. Os atributos inatos ao ser humano, as circunstâncias exteriores e o mundo de escassez indicam que a desigualdade tende a ser perene e que, se não administrada, tende a excluir indivíduos e a lhes retirar liberdades materiais. Nesse sentido, é preciso refletir sobre as origens das desigualdades entre os indivíduos e sobre o grau em que ela se faz necessária e, simultaneamente, se mostra nociva à vida em sociedade, a fim de que se possa elaborar uma ordem jurídica comprometida com uma maior equidade entre as pessoas e com uma concorrência sustentável pelos recursos econômicos. Por meio de estudos bibliográficos, dos quais se argumenta indutiva e dedutivamente, nota-se, ademais, que o desenvolvimento dos direitos fundamentais consagrou os direitos e a justiça social como indispensáveis à dignidade da pessoa humana, enfrentando, porém, dificuldades de efetivação a partir das prestações positivas do Estado, a demandar, assim, uma crescente arrecadação de recursos para implementá-las. Aumenta-se a carga tributária, então, e torna-se mais relevante a forma como a tributação incide sobre a sociedade, uma vez que constitui a transferência de recursos dos indivíduos para o poder público. A respeito disso, torna-se fundamental estudar, analisar e refletir sobre a tributação, sua incidência e sua contribuição para o aumento ou a redução da disparidade entre os indivíduos, na medida em que a desigualdade social pode ser determinada pela forma como se arrecadam os recursos e pela forma em que estes são aplicados.

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ABSTRACT

Human inequality represents one of the greatest controversies in philosophy and law science. The innate attributes to the human being, external circumstances and the world of scarcity indicate that inequality tends to be perennial and that, if unmanaged, tends to exclude individuals and withdraw material liberties. In this sense, it is necessary to reflect about the origins of inequalities between individuals and on the degree to which they are necessary and, at the same time, to be detrimental to life in society, so that a juridical order committed to greater equity and sustainable competition for economic resources. By means of bibliographical studies, of which it is argued inductively and deductively, it is also noted that the development of fundamental rights enshrined the social rights and social justice as indispensable for the dignity of the human being, facing, however, difficulties to effect the positive benefits from the State, thus demanding a growing collection resources to implement them. The taxation burden increases, and it becomes more relevant about how taxation affects society, since it constitutes the transfer of resources from individuals to the public power. In this respect, it is essential to study, analyze and reflect on taxation, its incidence and its contribution to increasing or reducing the disparity between individuals, insofar as social inequality can be determined by the way the resources are collected and how they are applied.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Art.: Artigo

BNDES: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CRFB/88: Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

CTN: Código Tributário Nacional

CSLL: Contribuição Social sobre Lucro Líquido

ICMS: Imposto sobre Operação Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação

IPEA: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

IPI: Imposto sobre Produto Industrializado

IR: Imposto sobre Renda e Proventos de qualquer natureza

ISS: Imposto sobre Serviços de qualquer natureza

ITCMD: Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...13

1. A QUESTÃO DA DESIGUALDADE...17

1.1. Considerações sobre a desigualdade humana e a origem do Estado...18

1.2. Liberdade e as circunstâncias da desigualdade...25

1.3. Desigualdade e recursos econômicos...28

2. CONTEXTO MAIOR: A DESIGUALDADE ENTRE OS SERES HUMANOS...31

2.1. O paradoxo da desigualdade humana: a desigualdade necessária, porém destrutiva...31

2.2. Trade-offs e a materialização do paradoxo da desigualdade...38

2.3. A quebra do paradoxo: a intervenção do Direito...51

2.4. O preço da intervenção: o aumento da transferência de recursos para o Estado...58

3. RELATOS DA DESIGUALDE SOCIAL: O CENÁRIO BRASILEIRO...61

3.1. A Constituição Federal de 1988 e a perspectiva de um Brasil menos desigual...66

3.2. A efetivação dos direitos sociais e da justiça social...70

3.2.1. Orçamento e gastos públicos...71

3.2.2. O déficit orçamentário, a inflação e a desigualdade social...75

4. A TRIBUTAÇÃO E A DESIGUALDADE SOCIAL...82

4.1. O sistema tributário nacional...84

4.1.1. O imposto sobre a renda...91

4.1.2. O imposto sobre a herança...95

4.1.3. Os tributos indiretos sobre o consumo...102

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4.3. Serviços públicos e transferências diretas: a ampliação da renda para quem

precisa...114

4.4. Crescimento econômico e tributação...117

CONSIDERAÇÕES FINAIS...123

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INTRODUÇÃO

A desigualdade entre os indivíduos é um dos temas mais controversos das ciências humanas e jurídicas. Embora se possa admitir que uma das medidas da justiça é o grau de igualdade existente entre pessoas em situações idênticas, este conceito desde sempre enfrenta as mais severas contradições.

Definir a igualdade perante a norma jurídica, por exemplo, encontrou, na Idade Contemporânea, um lugar comum entre a universalidade e a abstratividade da norma, enquanto atributos indeléveis, a pressupor que a sujeição de um indivíduo em face do mandamus legal seria sempre equivalente à de outrem em mesma condição. Contudo, persiste um problema para além da forma normativa, relativo aos efeitos da norma jurídica, isto é, à incidência da norma jurídica no plano real, que, no caso, refere-se à promoção de condições materiais equivalentes.

A preocupação com essa igualdade material consiste na compreensão de que a manifestação dos indivíduos no mundo real demanda recursos de toda espécie. Quando ausentes, há uma tendência ao prejuízo da liberdade individual, na medida em que a falta de recursos impele o indivíduo a suportar ônus exponencialmente maiores.

É quanto a essa injustiça, de ônus repassados e diluídos e concentração de bônus, que o Direito enfrenta umas de suas maiores batalhas ontológicas: a ponderação entre a medida ideal de igualdade material. O Direito, nesse sentido, guarda íntima relação com as relações em sociedade, uma vez que lhe é seu produto. De acordo com Reale Júnior (1998, p. 13) “está o direito inserido na história, e sua historicidade se manifesta por ser ele reflexo das condições sociais e culturais de uma época”.

O que se percebe, no Brasil, é o desejo, tanto institucional quanto popular, de um patamar civilizatório essencialmente equânime, se se partir do conteúdo programático da ordem constitucional brasileira. Como se depreende dos arts. 3º, III1, e 170, VII2, da CRFB/88, a norma constitucional demanda um futuro progressivamente mais igualitário. Deve-se ressaltar, não obstante, que tais objetivos não significam uma tentativa de impor a igualdade absoluta, que,

1Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

2Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim

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como se acabará demonstrando neste trabalho acadêmico, manifesta-se até antagônica aos sentimentos humanos e, desse modo, contrária à ordem humana espontânea.

A igualdade material relaciona-se à disposição e ao acesso de recursos entre os indivíduos em um mesmo âmbito referencial. Em outras palavras, é a condição média de equivalência, de fato, entre pessoas em um mesmo espaço e tempo quanto a algum aspecto pessoal da vida. Embora a igualdade material não se trate apenas da disposição de recursos econômicos, como renda ou patrimônio, uma vez que recursos outros, v. g., leis vigentes, aptidões físicas e mentais e meios socioculturais também sejam componentes da igualdade material, o presente trabalho buscará restringir-se, por razões de didática e de objetivo, à análise da distribuição de recursos econômicos, sob a influência do sistema tributário, na sociedade brasileira, que, admita-se, representa a maior influência direta na vida social e na construção da igualdade de fato.

Em complemento, veja-se, por exemplo, que duas pessoas podem ter uma renda semelhante, mas não, necessariamente, condições equivalentes. Duas pessoas podem ter rendas nominais iguais entre si, mas o consumo respectivo ou mesmo as fontes de renda podem ser tributadas de forma distinta, o que resultaria em renda real desigual. A materialidade, portanto, representa exatamente os recursos que se pode empregar para obter e satisfazer as necessidades e os desígnios pessoais, após as deduções e perdas até os recursos se tornarem disponíveis.

Nesse sentido, tem-se a desigualdade social, isto é, a disparidade entre os diferentes extratos da sociedade, que se compõem, geralmente, por pessoas de local e de caracteres semelhantes. A grande questão da desigualdade é a limitação inerente à escassez de recursos. Isto significa que a escassez impõe escolhas de perda e ganho (trade-offs) sensorialmente mais prejudiciais a quem está no lado que lhe é sujeita a perda.

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Isto não implica invariavelmente em pobreza de uns e riqueza de outros, como se pretende também esclarecer ao longo do presente trabalho. Deve-se destacar, contudo, que a concentração de riqueza possui efeitos, ainda incompreendidos, mas certamente sensíveis, sobre as condições da sociedade. Por um lado, há a tendência do poder econômico em domesticar o poder político popular, em franco descompasso com as instituições democráticas. Por outro, há o acúmulo de miséria e pobreza que, sem o auxílio de políticas públicas, obviamente demandante de recursos, dificilmente poderá ser desmanchado em plenitude, o que, sob esta condição, leva às questões sociais da penúria, da injustiça e da violência no seio social.

É certo que grandes e excelentes trabalhos de pesquisa e estudos acadêmicos têm sido realizados sobre esta problemática há tempos. Não se pretende, portanto, propor uma análise definitiva com solução derradeira, visto até que seria impossível ante a grandeza do tema. Não obstante, sob a crença da grande relevância da questão, o que se busca é acrescentar uma reflexão ao notório debate a respeito da desigualdade social no Brasil, a partir de uma perspectiva sobre a influência do Sistema Tributário Nacional na distribuição de recursos econômicos entre as pessoas, já que, de certo modo, a tributação funciona como um grande mecanismo de transferência de recursos da sociedade civil para o Estado e deste para aquela, na forma de políticas públicas e transferências próprias.

Para tanto, pretende-se debater a situação e os meandros da desigualdade social nacional, bem como seus efeitos e a necessidade de seu enfrentamento, analisar o comportamento e as razões humanas em torno da vida em sociedade, discutir a formação, o papel e o desenvolvimento das relações econômicas e do sistema econômico, analisar o Direito, suas normas e seus princípios, de forma geral e, sobretudo, em sua vertente tributária, bem como, se possível, propor algum desfecho para a questão.

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sua carga tributária, estudar seu caráter regressivo e identificar onde estão as marcas da regressividade na tributação brasileira, bem como examinar subespécies tributárias que exemplifiquem o pretendido.

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1. A QUESTÃO DA DESIGUALDADE

Como ponto de partida, a fim de tornar coerente o desenvolvimento que se pretende, convém tratar do conceito genérico de desigualdade e quais as suas implicações decorrentes.

A desigualdade, em sentido amplo, corresponde à diferença ou desproporção entre um estado de coisas. Isto implica em um ato comparativo entre dois objetos a partir de um referencial que permita avaliar as consequências de se ser igual ou desigual.

Assim, admite-se que entre dois objetos sempre haverá um grau de semelhança ou diferença, bastando, afinal, decidir que inferências resultam desta constatação. Duas pessoas, por exemplo, podem ser fisicamente diferentes, porém ter preferências semelhantes. Podem, nesse sentido, estar sujeitas a condições desiguais de vida ou de trabalho, mas possuir rendas semelhantes e, mesmo assim, patrimônios também diferentes. De qualquer forma, sempre será possível comparar as condições de desigualdade, ou igualdade, entre dois pontos, restando, afinal, qualificar as implicações das condições iguais ou desiguais.

De forma preliminar, conclui-se que o mundo de fato apresenta condições extremamente óbvias de desigualdade. É uma constatação do estado de coisas da natureza resultante da percepção sensorial. Em outras palavras, as pessoas ao nosso redor costumam ser tremendamente desiguais se comparadas ao observador, assim como as coisas, as condições de fato, os objetivos e os pensamentos.

Em primeiro momento, portanto, é possível perceber que a desigualdade, em plano geral, é uma circunstância natural, que obedece a pressupostos e causas muito além da capacidade humana de interferência. Ela surge com nossos próprios atributos humanos e tende a não se encerrar, senão aumentar, à medida em que vivemos e avançamos nas relações com o mundo.

Nessa perspectiva, desde logo se tem condições insuperáveis de desigualdade. É fundamental que esta premissa seja estabelecida, a fim de demolir eventuais falácias a respeito de uma pretensão desastrosa, e, por isso, alega-se, desprovida de qualquer mérito, nula ao debate, de igualdade absoluta entre os indivíduos. Não é o que se pretende discutir ou propor neste trabalho.

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quais as intenções sobre sua incidência. Neste ponto, cabe alguma consideração a respeito da condição humana, a fim de introduzir a relevância de se discutir a desigualdade entre os indivíduos e, em sequência, as delimitações a respeito da desigualdade.

1.1. Considerações sobre a condição humana e a origem do Estado

Enquanto ser vivo, o indivíduo humano se submete ao instinto primordial de preservação da vida, que consiste na presença de necessidades indispensáveis à manutenção do organismo e na correlata satisfação dessas necessidades. Todo o primado da atividade humana, então, subsiste no ponto originário de satisfação de suas necessidades.

Esta satisfação ocorre por meio de recursos. Aqui este termo apresenta significado genérico, referente a quaisquer meios disponíveis que possam ser empreendidos em algum fim, podendo ser, portanto, um recurso natural ou artificial, transformado pela atividade humana. É algo de simples visualização, veja-se: um ser humano que consome água de um rio utiliza este e a água como recursos, bem como um indivíduo que vai ao supermercado e adquire bens também os utiliza como recursos. Disto pode-se extrair praticamente quaisquer relações humanas, de maneira que a satisfação de necessidades sempre seja a perspectiva da ação de empreender ou empregar algum recurso neste fim.

À primeira vista parece que as necessidades humanas compreendem apenas as exigências orgânicas da vida, mas esta percepção se mostra rapidamente leviana. A mente humana possui exigências tais quais o corpo físico, que precisam ser satisfeitas como um imperativo da própria vida. É o que se observa a respeito das vontades particulares, que, quando profundas, são denominadas de objetivos ou metas individuais.

Cada ser humano apresenta suas próprias peculiaridades quanto aos objetivos individuais, não havendo nenhuma autoridade natural capaz de lhes limitar. Eis a liberdade do indivíduo, de poder buscar seus próprios objetivos e de escolher dispor do que for preciso para levar a vida que julga mais valiosa. A liberdade, nesse sentido, é um corolário da preservação à vida, uma vez que as exigências da mente e do corpo humano apenas são plenamente compreensíveis a quem as suporta e, desse modo, somente podem ser plenamente satisfeitas por este.

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individual. Ainda que de planos distintos, ambas possuem a mesma condição de indispensabilidade para o pleno exercício da vida, uma vez que, prejudicadas, colocam em risco o bem-estar do ser humano.

Agora é preciso notar um aspecto adicional a ambas as necessidades humanas, sendo este de precípua relevância para o presente trabalho, que é a forma de satisfazê-las. Ora, somente é possível satisfazer as necessidades por meio dos recursos disponíveis. Embora seja mais notório isto em relação às necessidades orgânicas, evidentemente a liberdade, isto é, a faculdade de agir de acordo com a vontade particular, somente pode se manifestar a partir do controle sobre os recursos de que se dispõe. No plano abstrato, a liberdade é de exercício indefinido, mas, no plano material, é equivalente ao das necessidades orgânicas, e, desse modo, inevitavelmente demanda recursos para ser exercida.

Neste aspecto é que se manifesta toda a importância do debate a respeito da desigualdade entre as pessoas. Todas as necessidades humanas demandam recursos. As pessoas são inerentemente desiguais, e apresentam vontades distintas e pretendem exercer liberdades das mais variadas, contudo, seja como for, as pessoas precisam de recursos para tanto.

Quanto aos recursos, estes podem, também de modo meramente didático, ser (a) naturais ou (b) artificiais e (c) próprios ou (d) de terceiros. Os recursos naturais são os que se encontram à disposição na natureza, externos aos seres humanos, e, em última instância, englobam praticamente todos os outros, pois tudo, afinal, se encontram em meio à natureza em sentido amplo. Os recursos artificiais são os que passam por transformação humana e, portanto, exigem atividade produtiva. Os recursos próprios são os inerentes ao indivíduo, correspondentes, por exemplo, à força motriz humana, ao próprio corpo, ao tempo de vida e à capacidade intelectual e laboral. Os recursos de terceiros são os recursos disponíveis a partir de outros seres humanos, equivalentes aos recursos próprios, mas de fonte alheia.

Então, há basicamente quatro formas de se adquirir recursos: (I) retirando-os da natureza, seja esta em forma inanimada, como pedras, água, etc, ou em forma viva, como os animais; (II) transformando-os em novos recursos, artificialmente por meio da produção; (III) utilizando os recursos provenientes do próprio corpo; ou (IV) utilizando os recursos dos corpos alheios. Sobre todos, existe, todavia, uma circunstância indispensável: o exercício de domínio sobre eles, a fim de manter a disponibilidade de cada recurso e a garantia de seu uso.

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recursos exige sua prévia aquisição. Cada recurso, portanto, para ser utilizado, precisa ser adquirido. Esta aquisição pode surgir com a própria vida, tratando-se de recursos humanos, ou com a ação humana, tratando-se da aquisição de recursos naturais ou da produção de recursos artificiais, como já dito.

O ser humano, no decorrer de sua ação satisfativa, conquista os recursos que lhe são necessários. Essa conquista de recursos, por tal ótica, advém das relações humanas, seja em sua face violenta, por meio de guerras, saques, assaltos, etc, ou em sua face econômica, por meio de trabalho ou de trocas mútuas; enquanto o domínio sobre os recursos pode ser realizado pela força individual ou pela força coletiva. A experiência histórica demonstrou, não obstante, que o indivíduo possui maiores chances de preservar a si por meio da vida gregária, em sociedade, de maneira que tanto a conquista dos recursos como o domínio sobre eles podem ser melhor realizados por meio da coletividade.

“O seu estado de permanente dependência proporciona-lhe a inquietude. A certeza das coisas e a garantia de proteção são uma eterna procura do homem. A segurança é, portanto, uma aspiração comum aos homens” (NADER, 2001, p. 116).

Foi essa busca por segurança que levou o homem a se associar aos outros para viver em grupos. Tal costume, espontâneo como foi, garantiu uma sobrevivência cada vez mais sólida em meio às intempéries da natureza selvagem. Não se pode olvidar, entretanto, que, embora a vida grupal tenha diminuído alguns riscos que a natureza impunha ao ser humano, a convivência com seus semelhantes lhe intensificava outros riscos, como a sujeição à força e à vontade violenta dos demais. Para lidar com essa circunstância, a fim de fazer perseverar os benefícios de uma vida com os menores riscos possíveis, é que o Direito surgiu, como costumes reiterados e regras expressas de comportamento, a fim de pacificar a convivência entre os homens e de reconhecer o domínio de recursos pelos indivíduos sem ter de recorrer às forças individuais.

Esta é a condição originária do Direito, que advém da racionalização das relações humanas, para garantir a pacificidade na conquista de recursos e no domínio, por meio da propriedade3, sobre eles. Nesse sentido, “a propriedade é, historicamente, o primeiro dos direitos subjetivos” (CARNELLUTI, 2015, p. 60).

Sobre isto, Grau (2017, p. 25) afirma que “a ampliação do Estado-aparato e do

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Estado-ordenamento germina nesse clima, no qual se reafirma a vocação do Direito para a defesa da propriedade: o espírito das leis é a propriedade”.

Para as relações humanas, o Direito desenvolveu os direitos e as garantias fundamentais do indivíduo e o exercício da liberdade; para a conquista dos recursos, o Direito instituiu o cumprimento aos pactos celebrados e a previsibilidade e calculabilidade nas trocas livres; e, para o domínio sobre os recursos, o Direito engendrou a ficção da propriedade privada, que nada mais é que um vínculo reconhecido pelas normas jurídicas entre um recurso e um indivíduo, garantindo a este a posse do recurso e, em caso de perda, as formas de recuperá-la.

Observe-se, porém, que o Direito apenas subsiste no plano abstrato da percepção, uma vez que provém apenas da expectativa de cada indivíduo quanto à conduta do próximo. Em sentido estrito, não existe Direito no mundo dos fatos, pois a norma jurídica não executa a si mesma. O que ocorre é a execução da norma por meio daqueles que lhe admitem. Em outras palavras, o que existe é a execução conforme as expectativas do mundo das ideias. No mundo concreto, há apenas um agir conforme o Direito, cujo desvio resulta em uma sanção. Assim, novamente, a experiência histórica mostrou que a efetividade do Direito, isto é, que a existência dos benefícios da racionalização das relações humanas, somente adviria a partir de um poder executor consistente.

Este poder executor pode se concentrar, seja como for, em comandos privados ou coletivos. Como comando privado, observa-se aquele exercido pelos próprios indivíduos, no exercício da autotutela e das próprias vontades conforme a capacidade de suas forças. Veja que não depende do número de pessoas, mas somente do fundamento de seu exercício, que, neste caso, será a própria vontade. Como comando coletivo, por outro lado, observa-se aquele exercido por um poder central, baseado na legitimidade concedida por um fundamento exterior a quem o exerce. Veja que não depende de normas jurídicas positivadas, pois estas são apenas uma pequena variante da face do Direito, mas de qualquer fundamento exterior, como a legitimidade celeste ou divina, a das tradições e dos costumes ou a legitimidade da vontade pública.

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mediante normas jurídicas prévias e compiladas e a concentração do poder coercitivo como lhe sendo prerrogativa exclusiva. Grosso modo, o poder estatal surge a partir da transfiguração e da concentração do poderio militar na figura da autoridade legítima central. Quanto ao Estado moderno, este se consolida com a limitação das monarquias absolutistas pelos direitos fundamentais civis e políticos, no século XVIII, que conseguiram alçar o indivíduo à finalidade da ação estatal, anteriormente absoluta e incontestável, e, a partir de então, submetida ao crivo das Constituições e dos códigos.

Quanto às normas jurídicas, Diniz (2012, p. 262) preleciona que:

“Somente as normas de direito podem assegurar as condições de equilíbrio imanentes à própria coexistência dos seres humanos, proporcionando a todos e a cada um o pleno desenvolvimento das suas virtualidades e a consecução e gozo de suas necessidades sociais, ao regular a possibilidade objetiva das ações humanas”.

Retornando, não obstante, à concepção geral do Estado, quando este retira dos indivíduos a legitimidade do poder de coerção, retira também a face violenta da conquista de recursos e retira o caráter perene da necessidade de se exercer domínio sobre eles. Isto não ocorre em termos absolutos, como se nunca se pudesse exercer mais nenhuma força ou violência sobre ninguém, mas de forma relativa, pois, a partir da existência estatal, nenhuma força individual ou coletiva pode enfrentar o Estado com chances de vencê-lo, a se inferir que, ainda que o domínio sobre um recurso seja perdido, é possível reivindicar ao Estado a sua recuperação.

Em proporção ao indivíduo, o Estado executor do Direito, legitimado por este a ter o monopólio da força, adquire uma proporção tão grande e torna-se tão poderoso que sua mera existência, e a ameaça que dela emana, é tão axiomática que raramente vem a ser desafiada. Eis que assim o aspecto coercitivo de que se constituiu a norma jurídica provoca nas condutas particulares a atenção a certos hábitos e costumes, certamente desejados pela norma, e extraordinariamente sujeitos a violação, sobre a qual se segue, oportunamente, a repressão.

É nesse sentido, também, que a existência do Estado garante a demolição da resistência que se poderia opor ao cumprimento dos pactos e ao respeito dos direitos, pois também não seria mais possível opor resistência maior do que o poder estatal contrário, sendo este sempre, a partir de então, um verdadeiro grande Leviatã, capaz de submeter todos ao jugo de sua vontade, que é a norma jurídica.

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“Como o ser humano encontra-se em estado convivencial, é levado a interagir; assim sendo, acha-se sob a influência de alguns homens e está sempre influenciando outros. E como toda interação perturba os indivíduos em comunicação recíproca, para que a sociedade possa conservar-se é preciso delimitar a atividade das pessoas que a compõem, mediante normas jurídica”.

Nesse período civilizatório, de consolidação do Estado como poder central, executor legítimo do Direito, sobressaem-se a face econômica da conquista de recursos, já mencionada anteriormente, através do trabalho e das trocas livres. As necessidades humanas permanecem, tanto as orgânicas, relativas à subsistência do indivíduo, como as abstratas, referentes às exigências da vontade individual, porém muda-se, então, as perspectivas de se satisfazê-las. Não se faz mais preciso as antigas caçadas ou as arcaicas batalhas, senão somente a atividade produtiva e a troca da produção excedente, conforme a expectativa do cumprimento dos pactos negociados e do respeito à liberdade individual e à integridade física pessoal, asseguradas pelo Poder estatal.

Este constitui o momento de predomínio do mercado de trocas livres, que permite a cada indivíduo que lhe ingressa buscar no outro a satisfação de suas necessidades por meio de ofertas que satisfaçam as necessidades alheias. É um fluxo ininterrupto de recursos e de produção (recursos artificiais) oriunda do trabalho que cada ser humano vem a realizar.

Sobre o mercado, Grau (2017, p. 28) afirma que:

“O mercado é uma ordem, no sentido de regularidade e previsibilidade de comportamentos, cujo funcionamento pressupõe a obediência, pelos agentes que nele atuam, de determinadas condutas. Essa uniformidade de condutas permite a cada um desses agentes desenvolver cálculos que irão informar as decisões a serem assumidas, de parte deles, no dinamismo de mercado”.

Por esse modelo teórico, de uma sociedade atomisticamente constituída por indivíduos livres e iguais, é que se percebe como se demandou a uniformidade jurídica, mediante a igualdade formal de todos perante a norma, como a única exigência para a vida coletiva e a justiça, uma vez que, por meio de trocas livres, nenhuma disparidade, desigualdade ou arbítrios seriam ilegítimos. Afinal, se se parte de uma situação a priori de igualdade, reconhecida, em forma, pela norma jurídica, então quaisquer resultados da disputa a posteriori podem ser julgados justos, legítimos e, consequentemente, incontestáveis. Consolidou-se, então, o que se precisava para impulsionar a disputa perene pelos recursos escassos, sem prejuízo à vida dos que vencessem.

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ensejando a consagração do contratualismo como princípio regulador da vida pessoal, social e econômica”.

É evidente que o monopólio do poder coercitivo pelo Estado, a fim de permanecer, em última instância, como o único executor do Direito, demanda seus próprios recursos. Ora, o Estado também representa uma ficção jurídica, isto é, reconhecida pelo Direito, de forma que suas ações correspondem às ações de fato realizadas por seus agentes. É preciso, portanto, dotar estes agentes de meios de agir e de recompensas pelo fiel cumprimento às previsões do regramento estatal e isto, obviamente, somente pode ser feito por meio de recursos.

Assim, “qualquer que seja a concepção de Estado que se venha a adotar, é inegável que ele desenvolve atividade financeira. Para alcançar seus objetivos precisa de recursos financeiros e desenvolve atividade para obter, gerir e aplicar tais recursos” (MACHADO, 2015, p. 23),

O que se observa é a percepção dos indivíduos, ao longo do tempo, de que quaisquer formas de conquista e de domínio de recursos imporia uma própria perda de recursos. Acontece que a perda de recursos para o Estado se mostra manifestamente menos prejudicial, ou, quem sabe, mais benéfica, do que a perda de recursos para manter forças próprias aptas a conquistar e dominar.

Esta percepção obviamente decorre da própria razão humana, que, graças à evolução biológica, tornou-se capaz de intuir e mesmo avaliar a probabilidade dos acontecimentos e de considerar, empiricamente, quais as melhores condições de sobrevivência. Assim, as sociedades rejeitaram, ao longo do avanço civilizatório, as formas, em geral, violentas de relações humanas, a imprevisibilidade dos pactos livremente estipulados, a inadimplência das dívidas assumidas, a anarquia das forças coercitivas e a concentração de poder na mão de seus pares sem que quaisquer limites lhes impusessem freios, em prol de um poder organizado central, previsível, calculável, controlável e racional.

“O ser humano é gregário por natureza, não só pelo seu instinto sociável, mas também por força de sua inteligência, que lhe demonstra que é melhor viver em sociedade para atingir seus objetivos”. (DINIZ, 2012, p. 260)

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recursos disponíveis para cada extrato da sociedade, quais os níveis de concentração de recurso e como a desigualdade de recursos interfere na satisfação das necessidades individuais, no caso, mais propriamente, a liberdade individual, e no desenvolvimento social, bem como qual é o incremento que a transferência de recursos dos indivíduos para o Estado provoca nos níveis de desigualdade entre as pessoas.

1.2. Liberdade e as circunstâncias da desigualdade

Como se procurou demonstrar, a relevância da distribuição e da disposição de recursos consiste na indispensabilidade destes para a satisfação das necessidades individuais e para o provimento da própria liberdade, bem como na representação das formas modernas de aquisição dos próprios recursos, através do trabalho e das trocas livres, que promovem o desenvolvimento da sociedade.

Ensina Sen (2010, p. 18) que a liberdade representa a medida primordial do processo de desenvolvimento, sendo que tal circunstância decorre, primeiramente, em razão de a liberdade servir como parâmetro para se averiguar o cumprimento da finalidade última do desenvolvimento, que é a melhora da condição humana; e, em segundo, de ser fundamental que se exista liberdade para que o agir humano possa provocar o desenvolvimento. Assim, “a condição de agente livre e sustentável emerge como um motor fundamental do desenvolvimento” (SEN, 2010, p. 18).

Por agente livre entende-se o ser humano dotado dos meios de efetivar suas ações. Acontece, como já descrito, que a ação humana depende dos recursos que seu agente venha a dispor, pois, para si, deve saciar as necessidades básicas, e, para os outros, deve possuir capacidade de ofertar algo que satisfaça o desejo alheio para que seja satisfeito, dada a troca, o seu.

Quanto ao desenvolvimento, Sen (2010, p. 119) considera, no caso, o subdesenvolvimento como algo “visto amplamente na forma de privação de liberdade” enquanto o desenvolvimento é “visto como um processo de eliminação de privações de liberdades e de ampliação das liberdades substantivas de diferentes tipos que as pessoas têm razão para valorizar”.

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elementos de ação. Estes podem ser, individualmente, a energia, a força ou a intelectualidade próprias, porém, entre relações sociais, geralmente também incluem outros recursos, como se observa no processo de trocas privadas.

A liberdade, portanto, é uma gradação do interior do ser humano para o que lhe é exterior, de maneira que surge das necessidades individuais, sejam oriundas das demandas orgânicas da vida ou da vontade autônoma da mente, projeta-se na capacidade de agir daquele que lhe invoca e limita-se nos recursos disponíveis para suprir o que lhe é necessário. Se o homem pudesse a tudo realizar, ele seria absolutamente livre. Porém, como ele somente existe entre impérios da natureza, quase sempre superiores às suas forças individuais, depende do que lhe estiver ao alcance para concretizar sua ação. Assim, depende de si, depende dos outros seres e depende do que lhe cerca.

Na dependência de outros seres, o ser humano realiza trocas voluntárias, para satisfazer a si na medida em que satisfaz ao outro, enquanto este lhe devolve uma satisfação equivalente, diluindo, dessa forma, a incapacidade geral do homem de a tudo fazer nas pequenas capacidades humanas individuais, se comparadas à grandeza das forças naturais, circunstância que não ocorreria se não houvesse a possibilidade de cada indivíduo interagir com os demais e, espontaneamente, oferecer-lhes e demandar-lhes recursos que até então não poderiam obter. Não obstante, para realizar trocas é preciso ter algo para se trocar, o que inclui, neste ponto, algum recurso disponível que possa ser ofertado. Frustrada a posse de recursos, pois existente um domínio prévio de todos pelas propriedades privadas instituídas, pelo que se vê, resta ao indivíduo apenas a liberdade no mundo das ideias, ante à prisão metafórica no mundo dos fatos, dada a ausência de meios para tornar fáticas as suas pretensões abstratas.

Destaque-se que, apesar de tanto se remeter a recursos variados, a relevância destes consiste unicamente em materializar as necessidades e vontades individuais, que são a projeção da liberdade do ser humano. Assim, a questão não é apenas o acesso, o consumo ou o acúmulo de recursos, mas o que isto torna possível, quer dizer, a liberdade que tais oportunidades possibilitam. Recursos e oportunidades como meios; liberdade como fim.

Como afirma Sem (2010, p.98):

“Usamos rendas e mercadorias como a base material de nosso bem-estar. Mas o uso que podemos dar a um dado pacote de mercadorias ou, de um modo mais geral, a um dado nível de renda, depende crucialmente de várias circunstâncias contingentes, tanto pessoais como sociais”.

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cercam. Eis o que, novamente, Sen (2010, p. 26) discorre sobre o benefício de se ter liberdade:

“[...] essa concepção da economia e do processo de desenvolvimento centrada na liberdade é em grande medida uma visão orientada para o agente. Com oportunidades sociais adequadas, os indivíduos podem efetivamente moldar seu próprio destino e ajudar uns aos outros. Não precisam ser vistos sobretudo como beneficiários passivos de engenhosos programas de desenvolvimento. Existe, de fato, uma sólida base racional para reconhecermos o papel positivo da condição de agente livre e sustentável - e até mesmo o papel positivo da impaciência construtiva”.

Neste ponto, Sen reconhece que a ocupação desta posição ativa depende não apenas das capacidades individuais de quem pretende ser agente, mas, ainda, dos meios de que dispõe o indivíduo para agir.

Ele parte da percepção de que existe um papel ativo que cada indivíduo pode ocupar no benefício geral da comunidade humana, não sendo a distribuição de recursos uma benevolente escolha pública em prol de humanos excluídos e passivos, mas sim uma decisão política de prover a todos a oportunidade real de contribuir para o desenvolvimento e para a salvaguarda à sustentabilidade dos arranjos sociais, por meio do exercício efetivo da liberdade intrínseca à vida humana.

Deve-se destacar, em tempo, que o acesso aos recursos não representa uma vontade imperiosa de viver opulências desgarradas, mas, simplesmente, como bem escreveu Sen (p. 27 e 28, 2010):

“A questão não é a possibilidade de viver para sempre, na qual Maitreyee4 - que a terra

lhe seja leve - por acaso se concentrou, mas a possibilidade de viver realmente bastante tempo (sem morrer na flor da idade) e de levar uma vida boa enquanto ela durar (em vez de levar uma vida de miséria e privações de liberdade)”.

Nesse sentido, parece que se pensa ser a vontade geral da humanidade a de se viver em condições cujo esforço seja comum à grande maioria das pessoas, que, em outras palavras, nada mais significa do que viver com acesso a recursos suficientes às necessidades básicas da vida e com direito efetivo à dignidade humana, sem ter, dessa maneira, de se sujeitar a obrigações impostas pela força da necessidade e da escassez. Quer-se viver, enfim, sob o primado da dignidade e da justiça, ideias que, embora aparentemente difusas, são

4É uma personagem de um conto, narrado no texto em sânscrito Brihadaranyaka Upanishad, no qual vem a

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inegavelmente sentidas por todos aqueles que vivem e raciocinam sobre a vida.

1.3. Desigualdade e recursos econômicos

A partir de então, convém afastar o conceito genérico de recursos para admitir um conceito mais específico, qual seja o de recurso econômico, na forma de renda e riqueza. Antes de explicar os conceitos de renda e de riqueza, deve-se explicar que a sociedade atual realiza suas trocas livres por meio de um bem universal de troca, isto é, um bem específico que é transacionável por qualquer outro, sendo, no caso, a moeda, genericamente chamada de dinheiro. Veja-se, desse modo, que o meio moderno de se conseguir recursos é pelo dinheiro, que, em si, é um bem.

Ao bem que o Direito reconhece como sendo de propriedade de determinado indivíduo se dá o nome de patrimônio. A renda, nessa perspectiva, é um fluxo de patrimônio, quer dizer, é a movimentação de dinheiro que aufere um certo indivíduo, seja por meio da atividade produtiva remunerada (uma forma de trabalho) ou seja por meio da atividade empreendedora (uma forma de, em escala final, trocar livremente bens obtendo-se margem de ganho). A riqueza, por outro lado, é um estoque de patrimônio, isto é, um acúmulo de bens, seja dinheiro ou qualquer outro bem.

Nesse sentido, é possível verificar tendências na distribuição e na disposição de recursos econômicos dentro dos diferentes extratos da sociedade, de maneira que certas parcelas costumam ter menos acesso e, em corolário, menos disposição de recursos do que outras, sendo que estas, ao contrário, costumam usufruir de abundância de recursos, fartamente distribuídos para si.

A simples oferta de dinheiro por algo, quando aceita e entregue o que se quer pela quantia que se oferece, constitui a ação de comprar, enquanto aquele que recebe o dinheiro e entrega o bem realiza a ação de vender. Quaisquer que sejam as ações, pelo que se percebe, necessita-se de prévios recursos econômicos.

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Ressalte-se, entretanto, a impossibilidade de se traçar as ramificações hereditárias da desigualdade de recursos econômicos durante toda a História, o que, se possível fosse, determinaria na íntegra qual o grau de privilégio que cada indivíduo obteve ao longo do tempo, posição que o alçou adiante em detrimentos de outros, bem como qual o grau de injustiça que cada indivíduo sofreu com a perda arbitrária ou indevida de recursos em benefício de outros.

Diz-se isto porque há evidentes interferências históricas nas nossas próprias circunstâncias dentro da sociedade. Nossos antepassados construíram o que hoje presenciamos e vivemos, assim como nós construiremos o que as futuras gerações presenciarão e viverão. Isto não significa, necessariamente, que tudo advém da simples capacidade de cada um em determinar o próprio futuro e o dos que lhe são dependentes. A teia humana e suas relações, como dito, é de impossível rastreamento, o que implica em incontáveis influências, das quais se observa privilégios e injustiças indevidas, que, embora superáveis, podem, quando em excesso, comprometer a legitimidade dos arranjos sociais.

Se verificarmos, por exemplo, nossas próprias situações e as adjacentes, poderemos observar que, muitas vezes, ocupamos posições muito díspares na sociedade. Muitos estão em condições tão mais fáceis que os demais, com meios fartos de manter a própria subsistência e de acumular mais e mais riqueza, enquanto outros precisam oferecer seus recursos próprios, referentes à força física individual e ao próprio corpo, no labor cotidiano, em atividades produtivas desgastantes e de baixo rendimento, com pequenas chances de acúmulo patrimonial relevante.

Veja que muitas vezes não é o marco da quantidade de esforço e de trabalho oferecidos que determina o acesso aos recursos e à disponibilidade deles, mas sim as posições originalmente ocupadas, em franca obstrução à mobilidade social e à justa recompensa pelas capacidades e pelos esforços individuais empreendidos na busca das satisfações.

Conta-se também com a transferência de recursos econômicos que a existência do Estado exige, na forma da tributação. Inevitavelmente os tributos extrairão recursos de cada indivíduo e, se essa extração recai em demasia sobre quem já dispõe de menos recursos ao mesmo tempo em que disponibiliza recursos para quem já possui vasto acesso a eles, então o próprio executor legítimo do Direito opera uma injustiça ontológica.

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2. CONTEXTO MAIOR: A DESIGUALDADE ENTRE OS SERES HUMANOS

É certo que a condição de um indivíduo em sociedade, isto é, sua condição social, compreende muito mais do que a sua condição econômica. Envolve, por exemplo, sua condição escolar, profissional, familiar, regional, domiciliar, etc. Nesse sentido, o ser humano se insere no meio social através de incontáveis relações interpessoais nos mais distintos âmbitos que a vida em sociedade pode lhe proporcionar.

Simultaneamente a essas posições e consequentes influências sociais, advindas das relações com seus semelhantes, o ser humano manifesta uma individualidade imanente, perene e, não raramente, volúvel. São as anteriormente citadas peculiaridades e necessidades individuais, que projetam comportamentos variáveis a cada ser, desde o início até o fim da vida.

Em primeiro momento, percebe-se um influxo de desigualdade humana entre os atributos próprios do indivíduo e dos seus comportamentos, que o fazem navegar pelas correntes formadas a partir das relações com os demais indivíduos no agrupamento social. Em segundo momento, todavia, constata-se que a desigualdade humana não surge apenas das condições naturais dos indivíduos, mas também da interação destes com o ambiente e, sobretudo, com os recursos econômicos disponíveis em volta, de maneira que os aspectos individuais inicialmente encontrados costumam ser modificados em consonância às experiências sociais.

Assim, convém partir do pressuposto de que as condições econômicas são ponto originário adicional na construção da posição social do indivíduo, visto que, se por sociedade se tem um conjunto de relações humanas e se estas são compostas com vistas a satisfazer necessidades humanas por meio de recursos, então a disposição dos recursos é fator preponderante e primário.

2.1. O paradoxo da desigualdade humana: a desigualdade necessária, porém destrutiva

Previamente à problemática da desigualdade social maléfica, que aduz à disparidade econômica excessiva e, em última análise, insustentável, deve-se destacar um ponto relevante do debate sobre a desigualdade na sociedade, que é o nível necessário em que ela deve existir.

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inerentemente particulares, relativos tanto a capacidades próprias de agir e de moldar a realidade próxima como à própria realidade que lhe cerca. Estes termos particulares indicam recursos próprios (capacidades individuais), de terceiros (referentes a recursos familiares e de pessoas afins) e externos (relativos ao ambiente circundante, às oportunidades e aos auxílios disponíveis, etc), que justamente implicam os meios acessíveis ao indivíduo de buscar satisfazer suas necessidades, sejam elas vitais, indispensáveis à sobrevivência de fato, ou abstratas, conforme seus objetivos particulares e sua liberdade.

Ora, as capacidades individuais são naturalmente distintas, conforme os caracteres biológicos de cada ser humano. Esta é uma condição impassível de superação, uma vez que as pessoas nascem com aptidões específicas que não podem ser suprimidas totalmente.

Notoriamente, as capacidades individuais formulam forças díspares nas relações entre os seres humanos. O resultado é exatamente a anarquia no domínio sobre os recursos disponíveis, como já ressaltado. O confronto das forças desiguais representa a natureza selvagem dos seres vivos, que, em meio a um mundo escasso, tendem a disputar cada recurso disponível a fim de preservar a vida.

O fator revolucionário em meio à luta selvagem do animal-homem foi a construção da vida gregária pautada em regras de coexistência, conhecidas como Direito. A formação de grupos humanos permitiu um melhor enfrentamento da natureza adversa e escassa e somente foi possível com a constituição de regras, tácitas ou expressas, que controlassem o uso das forças individuais. A partir de então, passam a conviver as desigualdades humanas insuperáveis.

Destarte, se não é possível tornar equânimes os atributos de cada ser humano, é ainda mais inviável negar-lhes a contribuição ao desenvolvimento das sociedades como as conhecemos. Foram as diferenças inatas a cada ser humano que proporcionaram a complexa divisão do trabalho produtivo, fenômeno das relações humanas cuja existência demandava o suporte do regramento jurídico eficiente, capaz, como já dito, de consolidar as trocas livres entre os seres humanos e racionalizar o tratamento das relações sociais.

Nesse sentido, “o aparecimento do Estado ocorre com a divisão do trabalho e o monopólio da tributação e da violência” (GRAU, 2017, p. 14).

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conjunto de trocas mútuas, por meio das quais se destinam os resultados do trabalho individual a quem os deseje, em troca da satisfação dos próprios desejos mediante o trabalho alheio.

Não é, como se observa, um arranjo projetado por um comando central, mas tão somente a consequência empírica dos distintos atributos que estão presentes em cada ser humano. A origem, nesse sentido, da sociedade humana como se conhece começa nas distinções entre os seres humanos, que os leva a buscar auxílio entre si, distribuindo atividades produtivas que, sozinhos, não conseguiriam realizar e trocando os méritos alheios com os próprios, a fim de atingir os seus objetivos particulares.

A escassez de recursos próprios, como a incapacidade de a tudo produzir, o tempo limitado e a ausência de força e energia suficientes, bem como a falta de recursos naturais em determinado espaço, espontaneamente impeliram os seres humanos a se apoiarem uns nos outros na tentativa de preencher as deficiências imanentes à condição individual.

Assim, a capacidade de cada pessoa em produzir aquilo que outros desejam conseguiu alocar, espontaneamente, os indivíduos nas posições produtivas que mais lhe são eficientes. O cerne da vida em sociedade, portanto, é justamente a diferença natural entre cada ser humano, assim como a sociedade é a otimização da vida humana. E esta, não se pode negar, se mostra cada vez mais dependente da própria distinção e especificidade dos indivíduos.

O vertiginoso aumento do conhecimento humano, visto no desenvolvimento das ciências de toda monta, exigiu um grau elevado de especialização e qualificação dos indivíduos, o que atrai as pessoas respectivamente afins às mais variadas áreas do saber ou da ciência. Essas afinidades nada mais são que o arranjo natural das diferenças humanas, que leva, ao final, a sociedade a incontáveis produções, disseminando, a partir da imensidão da teia produtiva, um aumento no padrão de vida humano.

A partir desse ponto já se pode visualizar que a concorrência e a inovação representam corolários da correlação entre a quantidade de seres humanos, os diferentes atributos em cada um deles, os inimagináveis desejos humanos pendentes de satisfação e a escassez de recursos. Quando encarrilhadas na vida social, estas condições necessariamente engendram uma disputa, tão natural quanto a seleção das espécies na natureza, pelas posições produtivas disponíveis e pelo acesso aos recursos que cada uma concede, tendo em vista a transferência ininterrupta deles por meio das trocas livres.

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oferta e de demanda quando competem pelos nichos de mercado. Cada ser humano busca aquilo que melhor lhe apetece daquilo que menos custo lhe impõe, o que promove, obviamente, uma seleção entre as opções disponíveis. Estas opções são justamente as posições produtivas disponíveis. Cada indivíduo seleciona posições para os demais, que as disputam a fim de obter os recursos que o indivíduo optante pode lhes oferecer. É uma teia ininterrupta e inevitável, que, embora aparentemente imperceptível, ocorre em cada mínima relação entre dois ou mais seres humanos.

Deve-se destacar que esta concorrência formula, dentro das relações entre os indivíduos, uma retomada ao uso das forças díspares humanas, que, em primeiro momento, haviam sido adormecidas mediante o regramento de coexistência social. É inevitável, contudo, que cada ser humano utilize de suas capacidades individuais para suplantar aqueles que querem lhe privar de seus objetivos ou que lhe oferecem resistência, uma vez que se segue a tendência natural de cada ser vivo de tutelar a própria incolumidade. Tratando-se do ser humano, há uma tendência inafastável de preservar sua liberdade, que lhe é necessidade intrínseca, como já demonstrado.

Ocorre que as forças individuais também tendem a negar àqueles que lhes são mais fracos o acesso às posições e aos recursos de que necessitam ou desejam e, se não demolidas, tendem a introduzir conflitos dentro da sociedade. Neste ponto se concentram os esforços do Direito em retirar dos indivíduos o uso das forças próprias e em depositar no seu legítimo executor, o Estado, o monopólio da força. É claro que isto não ocorre de forma absoluta e estática, mas sim em um processo ininterrupto, gradual e simultâneo de todas as ações conforme o Direito, desenvolvidas dentro da sociedade.

Já a inovação, por outro lado, é uma capacidade individual não conflituosa de superar a concorrência. Consiste na produção por formas novas ou de novas formas, capazes de oferecer uma opção mais satisfativa das necessidades alheias. É consequência da criatividade humana, que representa, por sua vez, uma espécie de atributo humano relativo à mente e suas maneiras de raciocinar e perceber o mundo, indiscutivelmente distintas em cada ser. A inovação permite o uso variado de recursos, dando aproveitamento e vazão a possibilidades cada vez mais vastas, e perpetuando o ciclo virtuoso da atividade humana.

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terceiros e, assim, trocá-los por recursos que sejam necessários a quem oferta. Cada recurso pode ser empreendido de uma forma distinta, conforme a capacidade humana de arquitetar os fatores de produção e de prever as demandas do mercado, que é o ambiente de trocas privadas, o que indica ser esse tipo de avaliação, quando realizadas de diferentes maneiras, uma fundamental utilidade à vida social.

Não se pode esperar, nessa perspectiva, uma proposta de reversão a esse tipo de desigualdade humana. O benefício geral da vida em sociedade sustenta-se precipuamente na distinção entre as capacidades de cada indivíduo, na medida em que as limitações individuais se tornam superáveis pelo uso das capacidades alheias, a partir de uma troca de auxílio entre si. Tanta distinção selecionou e aperfeiçoou, inescapavelmente, os próprios institutos da sociedade, como as normas de coexistência pacífica entre os membros sociais (direito civil) e o depósito de seu cumprimento em uma figura executora central e racional (Estado), refinando a vida humana e levando a preservação da vida a patamares inéditos (civilização moderna), se comparados à vida na natureza selvagem.

É de se admitir, portanto, que todo o fundamento da vida social persiste na desigualdade entre os seres humanos e em seu agir controlado pelas regras jurídicas.

Não obstante, embora pareça que a desigualdade humana resta, pelo que se viu até aqui, indomável e desejável, bem como se queira, se há benefício geral nisso, que a desigualdade seja ilimitada, é preciso compreender que a complexidade das relações humanas e das próprias diferenças humanas engendram um surpreendente paradoxo: apesar de tanto benefício ao padrão de vida humano, quando não administradas, as desigualdades entre os seres humanos resultam em efeitos extremamente destrutivos à vida em sociedade.

Destarte, é certo que a desigualdade entre os indivíduos permite a satisfação das suas necessidades na medida em que outorgam uns aos outros, conforme suas capacidades, as atividades produtivas capazes de suprir os desejos particulares. Também é certo que a concorrência entre os indivíduos, dada a escassez do mundo de fato, promove um empenho mais eficiente das próprias capacidades e seleciona as opções racionalmente mais benéficas. Contudo, paradoxalmente, este mesmo processo de relação humana que garante a preservação da vida e eleva o padrão geral da vida humana também causa danos terríveis e cumulativos à própria vida social que tende a criar.

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em frente à escassez de recursos, promove a exclusão dos indivíduos que, por qualquer razão, não obtiverem sucesso em meio à teia produtiva e ao jogo de forças sociais. Esta exclusão nada mais é do que o corolário da seleção anteriormente realizada, no mercado, entre as opções disponíveis. Como dito, a escassez de recursos impele a escolhas entre maiores benefícios e menores custos, o que, quando selecionadas, excluem as opções restantes. Acontece que essas opções representam exatamente os indivíduos ocupantes das posições ofertantes em meio às trocas livres, que incorrem, quando preteridos pelo demandante, em perda da posição e, gradualmente, em exclusão. Não se quer dizer com isso que as escolhas são em si nocivas e devem, nessa perspectiva, ser impedidas, mas somente demonstrar que a otimização dos recursos guarda, em si, um efeito excludente, que implica em efeitos nocivos, como se pretende demonstrar, aos indivíduos afetados.

Assim como as forças individuais díspares, que dizem respeito, por exemplo, aos recursos próprios, como a força bruta humana e as habilidades individuais, seja de pensamento ou de disputa física, destroem aqueles que lhes são mais fracos, as forças sociais, consideradas aqui como os poderes oriundos das combinações entre conjuntos de recursos econômicos, também tendem a subjugar os grupos da sociedade que lhes são mais desprovidos.

Se cada ser humano representa uma fonte em si de recursos, e se os recursos orbitam, por de trás da ação humana, em meio à escassez generalizada, não é difícil notar que há uma tendência à exploração de uns indivíduos pelos outros, de modo que aquele que consegue extrair mais recursos do outro obtém uma posição mais privilegiada no seio da concorrência, visto que a abundância, além de destituir a necessidade, também torna mais controlável, por meio da oferta e da demanda, os outros indivíduos.

É claro que não se pretende alegar uma deliberada e maliciosa exploração a ser imposta, de forma absoluta, por quem tem muito a quem tem pouco. Se houvesse tal pretensão, apenas se incorreria em um maniqueísmo pouco ou nada esclarecedor. Na verdade, a tendência à exploração, alegada anteriormente, significa nada mais do que a percepção de que a necessidade humana torna aceitável ao indivíduo suportar ônus nocivos. Para aqueles que foram derrotados na concorrência geral pelos recursos disponíveis somente sobra a escassez, a qual, por sua vez, provocará uma miséria de recursos e um consequente jugo das necessidades inerentes à vida. É nesta situação que, quando irrefreável, o poder econômico, isto é, a posse de recursos, consegue submeter outras pessoas a ônus alheios.

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invariavelmente, transferências de ônus entre os indivíduos, de maneira que isto pode ser constatado em toda parte, vide até mesmo nos graus mais irrisórios. Por exemplo: um filho que solicita à mãe que prepare sua comida, quando atendido, transfere-lhe o ônus de ter que prepará-la; um pai que protege o filho, quando efetivo, suporta-lhe o ônus do risco que venha a sofrer; um aluno que presta a um outro um resumo sobre dada matéria da faculdade retira do amigo o ônus de ter que estudá-la mais a fundo; e assim por diante.

Nas atividades laborais, ainda se visualiza exemplos mais claros: um empregado que exerce, por exemplo, força braçal para carregar mercadorias suporta o ônus do empreendedor de ter que ele mesmo carregá-las, se quiser realizar seu empreendimento; um médico que estuda anos a fio para dominar a ciência da medicina suporta o ônus do tempo despendido neste aprendizado e retira dos outros o ônus de ter que aprender tais conhecimentos e técnicas ou, ainda, o ônus de ter de suportar as enfermidades que vem a curar; um jurista retira o ônus dos demais de ter que se submeter a injustiças terrenas, mas também suporta o ônus de ter de enfrentar as resistências opostas nos processos. Enfim, as relações entre os seres humanos tendem a implicar em transferências de ônus, que nada mais são do que recursos: tempo de vida, força física, capacidade intelectual, bens consumíveis, etc.

Não obstante, quaisquer destas relações citadas, e quaisquer outras, podem ser justificadas e admitidas como justas e coerentes. Seja por amor, por amizade, por trocas de recursos ou de remunerações, enfim, essas transferências ocorrem por alguma razão e podem muito bem ser desejadas por aqueles que as operam. Assim, a liberdade de troca torna quase que evidente a justiça nas transferências, quando espontâneas. Acontece que, em determinadas situações, essa liberdade é apenas aparente, enquanto essa espontaneidade parece ser mais o resultado do império da necessidade do que do desejo real de agir dessa forma.

A correlação entre a propriedade5 sobre os recursos e a escassez destes engendra limitações aos indivíduos em sociedade. Como as necessidades humanas são impérios da própria vida, a disputa por recursos persiste a qualquer tempo e, como esses recursos ou são escassos ou estão em posse de outrem, dada a propriedade, somente restará a franca competição pelos recursos que vierem a ser ofertados. O que se verifica, de forma indutiva, é que aquele indivíduo desprovido de recursos desejará, por incidência de sua condição parca, aproveitar oportunidades que lhe concedam algum acesso à satisfação de suas necessidades, ainda que

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estas lhe imponham gravames.

Nenhum ser vivo pode fugir das próprias necessidades intrínsecas. Esta condição natural promove uma circunstância: quanto mais desprovido de recursos for um ser vivo, mais impelido ele ficará a aceitar oportunidades deletérias para adquiri-los. Um animal faminto, por exemplo, pode se sujeitar a um confronto mortal com um outro, na tentativa de dominar uma fonte de subsistência. Um ser humano, por outro lado, ante à sociedade moderna, pode aceitar inúmeras humilhações em atividades precárias e nocivas, por meio de negócios francamente prejudiciais, no intuito de obter um mínimo de recursos, a fim de fazer sobreviver a si ou aos seus dependentes.

Nesse sentido, um poder sobre as coisas engendra um poder sobre as pessoas. O instituto jurídico da propriedade privada concedeu tal poder sobre os recursos. O Direito, como um todo, todavia, buscou justamente retirar o poder de um indivíduo sobre o outro. “A propriedade, assim, de mero título para dispor de objetos materiais, se converte em título de poder sobre as pessoas e, enquanto possibilita o exercício do poder no interesse privado, converte-se em um título de domínio” (GRAU, 2017, p. 23).

O Direito, em seu fim de preservar a vida humana, terminou por se chocar contra esse paradoxo que o arranjo entre o mundo de escassez, a ação humana e a racionalidade formulou. Assim é que, tragicamente, em meio ao auxílio generalizado que cada ser humano presta um ao outro, na ideia abstrata das trocas livres, cada ser humano, em meio à concorrência, também se torna algoz um do outro, pois impelido está à satisfação dos próprios desejos, sempre a repassar quaisquer ônus, se possível, aos demais, ante à escassez insuperável do mundo dos fatos.

2.2. Trade-offs e a materialização do paradoxo da desigualdade

O paradoxo da desigualdade consiste justamente na incoerência entre a necessária existência de desigualdade e a capacidade desta de instabilizar as sociedades. Ainda que a desigualdade humana tenha formulado a vida social como a conhecemos e elevado gradualmente o padrão de vida humano ao longo do tempo, mediante a divisão do trabalho e a economia de trocas livres, ela também leva à margem da sociedade grande parte dos indivíduos que, em meio à corrida voraz pelos recursos, por alguma razão não obtiverem sucesso na conquista destes.

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da concorrência, pois o mero fracasso pode ser superado por um sucesso futuro, quando corrigidos os erros iniciais e empregados esforços na reviravolta. O ponto fundamental, na verdade, é que, estando à margem da abundância de recursos, o indivíduo encontra-se continuamente sujeito a óbices de difícil superação pela mera capacidade própria, pois o ambiente marginal circundante, isto é, as zonas mais precárias de recursos, tendem a ofertar em grande demasia escolhas cujas perdas são bem maiores do que os ganhos.

Neste ponto, deve-se destacar que essas escolhas que envolvem ganho e perda simultâneos são denominadas, na economia, de “trade-offs”6. Um trade-off, portanto, vem a ser qualquer escolha em que um ganho implica necessariamente em uma perda, criando um dilema para quem deseja ou tem de escolher.

A desigualdade entre os seres humanos provoca, portanto, dentro do mundo de escassez, escolhas envolvendo a concorrência pelos recursos satisfativos das necessidades particulares. Se não é possível ter tudo e também não é viável ficar sem nada, é preciso agir para se obter algo. A ação humana, nessa perspectiva de disputar recursos disponíveis, implicará em escolhas quanto aos recursos próprios que já se tem e o empreendimento destes na obtenção de outros.

Quanto menos se tem, mais a escolha da ação tende a impor perdas maiores e ganhos menores, uma vez que o arranjo entre oferta e necessidade cria, para aquele cuja escolha é indispensável, um leque quase ou de fato inexistente de opções, ao tempo em que cria, para aquele que oferece com ampla margem de imposição, a oportunidade de obter muito com quase nenhuma perda.

Visualize, por exemplo, que uma criança cuja família sobrevive com valores inferiores ao salário-mínimo, em alguma favela brasileira, provavelmente terá de trabalhar para suprir o rendimento familiar. O trabalho impõe a essa criança um trade-off: a perda de tempo e o desgaste físico em troca de renda, isto é, de um fluxo de recursos. E mais: a perda de tempo quase sempre impõe o ônus à criança de ter de se abster da qualificação ou pelo menos de ter que enfrentar enorme dificuldade para adquirir conhecimento qualificado, o que resulta no esforço acima da média para conseguir se qualificar ou na perda efetiva da qualificação. Se esta se perde, então a criança oriunda de uma família à margem naufraga na concorrência pela aquisição de recursos, uma vez que, na sociedade hodierna, os trabalhos de melhor remuneração

Referências

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