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A constituição de identidades políticas e de políticas de identidade a partir das

Como aponta Caldeira (2008), em seu estudo sobre a participação política de jovens, a participação em espaços políticos pode contribuir nas trajetórias de reconhecimento social dos indivíduos. Assim, o reconhecimento pode ser motivação para as lutas políticas, mas também os espaços construídos de lutas políticas podem ser espaços de reconhecimento e de constituição de identidades. Porém, devemos estar atentos e observar com críticas as expectativas de que tais espaços de lutas sejam sempre espaços de emancipação.

Lima (2010) pontua que a esfera pública é a arena em que se discute a “...luta pela afirmação e pelo desenvolvimento de identidades coletivas, que tanto podem controlar as condições de vida de seus membros quanto podem mediar e potencializar o desenvolvimento de identidades políticas.” (p. 185). É importante observar que mesmo os grupos que lutam por reconhecimento de determinadas políticas de identidade podem acabar gerando situações de

opressão à identidade, “...que aparecem nos momentos em que a individualidade de

determinado sujeito é massacrada pelo grupo...” (p. 186).

Almeida citado por Lima (2010) salienta a importância de se diferenciar, por um lado, as políticas de identidade que, em algumas situações, podem obedecer a razões político- -estratégicas de determinados atores sociais, e, por outro lado, as identidades políticas, que permitem entender as metamorfoses que acontecem nesses mesmos grupos e enxergá-los como espaços democráticos que também podem se transformar, na medida em que interesses individuais mobilizam os interesses grupais. Assim, ao se referir a políticas de identidade

como instrumentos de regulação, Lima (2010) está se referindo a situações nas quais tais políticas são utilizadas de forma ideológica, para manter uma realidade instituída e que acabam impossibilitando a expressão de subjetividades individuais.

Existe, portanto, um perigo de que algumas políticas de identidade acabem por fragmentar as diversas formas de preconceito e desrespeito, negando que as lutas por reconhecimento sejam por reconhecimento da dignidade humana, e não pela valorização de grupos específicos. As políticas de identidade, portanto, podem ter tanto um sentido emancipatório, quando ampliam as possibilidades de existência na sociedade e garantem direitos, quanto um sentido regulatório, quando aprisionam indivíduos em uma única representação possível de sua identidade, através de procedimentos normativos (Lima, 2010).

Na mesma direção da crítica às políticas de identidade, Calder (2011), se referindo às políticas de identidade elaboradas em relação às pessoas com deficiências na Inglaterra, critica o modelo social de políticas de identidade que visa à mobilização de grupos de deficientes que assim se identificam. Para o autor, o apelo das políticas de identidade para a identidade de grupo e expressão coletiva pode ser problemático, na medida em que essencializa tais identidades, considerando como se fossem comuns as experiências de todas as pessoas com deficiências. Ele questiona se haveria um jeito de ser que fosse típico da pessoa com deficiência e demonstra que alguns sujeitos podem muito bem querer resistir a tal identificação.

Goffman (2004), ao tratar sobre o sujeito estigmatizado e as políticas de identidade, salienta a contradição que, muitas vezes, pode acontecer, pois, por um lado, é dito ao sujeito que ele é igual a todos e, por outro, que ele é diferente. Assim, o indivíduo é colocado em uma arena de discussões referentes ao que ele deveria pensar de si mesmo, ou seja, em relação à sua identidade do eu.

Torna-se, portanto, essencial considerar a noção de identidade para se pensar a questão do reconhecimento e das políticas elaboradas a partir das lutas por reconhecimento. Para Taylor (2000), a identidade é considerada como constituída a partir do reconhecimento ou pela ausência dele. Nesse último caso, pode levar a danos reais àquele que tem seu reconhecimento negado, gerando distorções e aprisionamentos a identidades redutoras, depreciativas, levando, portanto, a situações de opressão. O autor chega a relacionar a produção de identidade com o

sentido das aspirações humanas: “Consideremos o que queremos dizer com identidade. Trata-

-se de quem somos, „de onde viemos‟. Como tal, ela é o pano de fundo contra o qual nossos

A noção de identidade proposta por Ciampa (1989) contribui para pensarmos o

reconhecimento na perspectiva emancipatória. Para o autor, a identidade é “... considerada um

processo, ao qual o autor dá o nome de metamorfose, que descreve a constituição de uma identidade, que representa a pessoa e a engendra.” [grifo do autor] (p. 243). Sendo assim, “... a identidade é expressão de várias personagens, e a articulação dessas personagens é a expressão do Eu.” (Lima, 2010, p. 144). Nessa perspectiva, a noção de identidade tida como estabilidade é criticada e o que se propõe é que ela seja compreendida como metamorfose humana em busca de emancipação, que é, por sua vez, luta por reconhecimento. Ciampa (1994) salienta o caráter político e social da identidade, não apenas científico.

Para Ciampa (1994), a identidade como metamorfose se constitui na unidade de três categorias: atividade, consciência e identidade. Na medida em que ocorrem transformações em uma categoria, ocorrem nas outras também. A atividade está ligada à identidade na medida em que a atividade se coisifica sob a forma de uma personagem, que subsiste independente da atividade. O que pode ser observado na análise de Ciampa em relação a Severino. O uso da expressão “Severino é lavrador” em vez de “Severino lavra a terra”,

demonstra como a atividade se torna predicado e personagem: “Severino é lavrador, mas já não lavra” (p. 133). Dessa forma, a identidade é posta sob a forma de personagem. Ciampa

(1994) demonstra que, em alguns casos, o indivíduo não consegue se manter reproduzindo uma identidade ligada a uma atividade, a qual se torna algo que adquire caráter de poder para ele e, assim, ocorre o que denomina fetichismo da personagem, que oculta a natureza da identidade como metamorfose e gera a identidade-mito. O autor salienta que a identidade deve ser sempre analisada no seu contexto histórico e social. Dessa forma, observa que a sociedade capitalista na qual vivemos traz consequências para a constituição de identidades, tendendo a reduzir a identidade a personagens fetichizados que negam sua totalidade em favor do capital.

Tal cenário – de produção de identidades fetichizadas e aprisionadas, impedidas de exercer o processo de metamorfose – propicia o que Lima (2010) aponta como reconhecimento perverso, o qual “... reduz as infinitas possibilidades de criação das personagens à

representação de uma identidade fetichizada, estigmatizada.” (p. 230). O reconhecimento

perverso de identidades desconsidera a totalidade da história do indivíduo. Como salienta Lima (2010), nesses casos, as políticas de identidade podem acabar estabelecendo pontos fixos (identidades idealizadas, fetichizadas), criando critérios e orientações que os indivíduos acabam por seguir, caso queiram ser reconhecidos. Diante disso, devemos estar atentos às

formas de reconhecimento que podem se desenrolar em um espaço público, que podem ser tanto emancipatórias, quanto perversas.