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3.2 Instrumentos utilizados

3.2.1 Observação participante

Apesar de a Epistemologia Qualitativa de González Rey (2005b) não trabalhar com a denominação observação participante, mantivemos esse termo por ser uma forma de denominar a interação que se estabelece ao longo da pesquisa qualitativa.

Segundo Santos (2011):

...a observação participante é um método em que o pesquisador toma parte do cotidiano do grupo ou organização pesquisada, até desempenha tarefas regularmente, tudo com o intuito de entender em profundidade aquele ambiente. (p. 4)

Esse é um modo especial de observação no qual não se é um observador passivo. Ao invés disso, é possível assumir papéis dentro da situação do estudo de caso e se pode participar dos eventos que estão sendo estudados. Essa técnica é mais frequente em estudos antropológicos, podendo ser utilizada também em cenários cotidianos, como organizações ou outros pequenos grupos (Yin, 1994).

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Os materiais literários aos quais tivemos acesso foram os seguintes: três livretos de poesias escritos por uma das participantes da Associação, sendo o primeiro intitulado “Pensamentos poéticos”, o outro “De louco todos um pouco” e o terceiro “O céu de todas as partes”. Recebemos ainda um material contendo a história de vida de outra participante do grupo, denominado “Verprosando sofrendo e prosersando lutando”. E, ainda, uma terceira usuária, que inclusive lançou seu livro com o título “O patrão”, em formato digital em um evento artístico na cidade de Belo Horizonte.

Patton (2002) salienta que é impossível observar toda a realidade e que algum processo de seleção é necessário. O pesquisador deve usar da criatividade e flexibilidade em seu planejamento, bem como na sua análise dos dados coletados. Alguns aspectos importantes devem ser considerados nesse tipo de trabalho: coletar informações históricas relativas ao campo observado; observar as formas de comunicação não verbais que podem ocorrer; desenvolver a auto-observação do pesquisador (partindo de uma perspectiva reflexiva, o pesquisador deve considerar os sentimentos e impressões que teve ao realizar suas observações como forma de complementar sua análise). Ao longo da observação participante, foi feito um diário de campo com registros. Considerando a técnica de observação participante, Neves (2006) nos lembra da importância do aspecto ético que deve ser considerado ao longo do processo, de respeito aos valores e práticas do grupo pesquisado.

O processo de aproximação do grupo se deu em maio de 2011, quando fui, pela primeira vez, a uma reunião do Fórum Mineiro de Saúde Mental. Sendo essa uma reunião mensal e aberta para todos os interessados. Na ocasião, aproximei-me de algumas pessoas, apresentei-- me, e, então, fui convidada por um dos membros da ASUSSAM a ir às suas reuniões. Desde então, frequentei algumas reuniões, apresentei-me, mencionei meu objetivo e fui acolhida pelo grupo com muito respeito. Foram elaboradas cartas de aceite para que a observação participante ocorresse tanto na Associação quanto no Fórum, sendo assinadas por representantes de ambas as entidades.

O procedimento de observação participante ocorreu no período de maio de 2011 a setembro de 2012, em diversos espaços públicosfrequentados pelos membros da ASUSSAM, o que inclui as reuniões da Associação, que ocorrem quinzenalmente, as reuniões do Fórum Mineiro de Saúde Mental, com periodicidade mensal, e outros eventos nos quais os membros da Associação estavam presentes.6 González Rey (2005b) salienta que a subjetividade aparece apenas quando os sujeitos e o grupo estudado se implicam em sua expressão, de forma que a pesquisa passe a fazer sentido para eles. A entrega de suas produções literárias, os convites para eventos e o processo de escolha dos entrevistados são uma demonstração do envolvimento dos sujeitos no processo da pesquisa. A abertura do grupo ao pesquisador e do pesquisador ao grupo, possibilitando uma construção conjunta da pesquisa, pode ser evidenciada no episódio que relatamos a seguir:

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Ao todo, estive presente em 13 reuniões da ASUSSAM (de 17 de maio de 2011 a 10 de setembro de 2012), sete reuniões do FMSM (entre 7 de maio de 2011 e 2 de junho de 2012) e mais oito eventos diversos dos quais participaram os membros da ASUSSAM. Os eventos que foram acompanhados estão apresentados na Tabela 1 (Anexo).

Foi a primeira reunião do ano de 2012 na qual eu estava presente. No ano de 2011, eu havia frequentado algumas reuniões no intuito de começar a me aproximar do grupo. Ainda em 2011, o projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em pesquisa da UFMG, com os documentos necessários, inclusive um documento que solicitava a minha presença nas reuniões da entidade, explicitando os propósitos da pesquisa, assinado por um dos membros.

No momento dos informes da referida reunião, fiz minha inscrição para falar sobre a pesquisa. Dentro da estrutura das reuniões, sempre há um momento no qual os participantes se inscrevem para dar informes, de modo a organizar o processo comunicativo. Informei, dando um retorno aos membros da Associação, sobre o andamento da pesquisa, que o projeto havia passado pela avaliação do Comitê de Ética da UFMG e que havia sido aprovado. A intenção era mantê-los informados sobre o andamento da pesquisa, da qual eles faziam parte. Nesse momento, o presidente pediu a palavra, incomodado por não haver compreendido, na ocasião em que comecei a frequentar as reuniões, em 2011, que se tratava de uma pesquisa de mestrado. Tendo em vista a visibilidade que um trabalho de mestrado pode proporcionar, ele sugeriu que fosse votado pelos membros da Associação a continuidade ou não da pesquisa. Os membros demonstraram sua preocupação em relação às informações que seriam transmitidas sobre a Associação. Preocupação pertinente. Eles comentaram sobre outras pesquisas acadêmicas que cometeram equívocos em relação a referências históricas do movimento de luta antimanicomial e esclareceram que gostariam que não houvesse equívocos na apresentação da Associação ao público leitor do trabalho.

Esclareci ao grupo que a pesquisa visava conhecer o sentido da participação política para as pessoas envolvidas, e que a Associação não era propriamente o objeto de estudo, mas o contexto no qual o estudo se desenvolveria, e que eu pretendia estar próxima do grupo justamente para evitar, o quanto fosse possível, distorções de informações. A assembleia decidiu pela continuação da pesquisa, com a ressalva de a pesquisadora estar atenta aos eventos históricos, não repassando informações equivocadas sobre a Associação. Tal discussão não se passou de forma neutra, o conflito de opiniões se estendeu, alguns membros afirmavam que a questão da pesquisa já estava esclarecida e que não precisava ser questionada mais, outros falavam da importância de maiores esclarecimentos. Escutei atentamente, obviamente também senti a tensão do momento de conflito, que foi de extrema importância para o estabelecimento de uma comunicação clara entre todos, possibilitando a observação da necessidade do estabelecimento de uma relação de confiança no processo de pesquisa.

Esse episódio possibilitou a aproximação e construção conjunta do conhecimento sobre a realidade empírica estudada. A elaboração do texto que faz uma descrição da Associação, em seu aspecto estrutural, histórico e organizacional, foi lido pelo presidente, que, representando os colegas, contribuiu na escrita do texto, o qual está no quinto capítulo dessa dissertação.

O contato com os membros da Associação durante todo o período da observação participante foi de intenso aprendizado e as relações estabelecidas com as pessoas do grupo foram diversas. Além das presenças nas reuniões quinzenais da diretoria da ASUSSAM, também participamos de outros eventos nos quais os membros estavam presentes, fizemos visitas domiciliares, trocamos e-mails.

O envolvimento dos membros da Associação com a pesquisa foi espontâneo e, como era de se esperar, algumas pessoas se mostraram mais interessadas em participar. Uma delas, inclusive, enviou alguns e-mails para a pesquisadora com informações que complementavam as informações dadas durante a dinâmica conversacional. No último de seus e-mails, a entrevistada, a qual chamamos pelo nome fictício de Anastácia, quis finalizar sua participação na pesquisa dando sua opinião em relação à presença da pesquisadora na Associação durante

os últimos meses. Transcrevemos aqui sua mensagem, inclusive mantendo a sua peculiaridade na escrita, mantendo sempre a letra maiúscula no início de cada palavra:

Finalizamos Aqui Nossa Participação Em Sua Pesquisa. Deixo Registrado Que Você Não "Existiu". Realizamos As Reuniões Da ASUSSAM Desinibidamente, Sem Constrangimento Algum. Ficamos A Vontade. Parabéns!

Fico Grata Se Isto Fizê Parte Da Entrevista.

Felicidades! (Email enviado em 27 de Setembro de 2012)

Dessa forma, Anastácia contribuiu nos dando um retorno, com sua opinião, sobre nossa participação no grupo durante o período da pesquisa de campo. Realmente essa foi a postura com a qual procurei me manter nas reuniões, buscando estar em contato com os membros, porém com a menor intervenção possível durante seus processos deliberativos de trocas argumentativas e conflitos de opiniões.