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7 SUBJETIVIDADE E PRODUÇÃO DE SENTIDOS SUBJETIVOS

7.1 Produção de sentidos

A Teoria do Reconhecimento em Honneth (2009), como vimos no capítulo anterior, trabalha com a noção de identidade, salientando que não se trata de algo estático e definitivo, mas sim de algo processual, que se constrói constantemente durante as interações sociais. A noção de identidade como metamorfose, como proposto por Ciampa (1989), também nos auxilia no entendimento dessa concepção. Para tratarmos da ideia de identidade na perspectiva do Reconhecimento e dos aspectos subjetivos de uma experiência sociopolítica, como é nossa proposta, torna-se necessário escolhermos uma visão de sujeito, de subjetividade e de produção de sentidos. Optamos por trabalhar com a perspectiva da Teoria da Subjetividade, elaborada por González Rey (2005a), destacando sua concepção de sentidos subjetivos.

A produção de sentidos pode ser considera a partir de perspectivas teóricas diversas. Uma das quais salientamos é a perspectiva utilizada por Spink e Medrado (2004), que se apoia no construcionismo social. Em seus estudos sobre produção de sentidos e práticas discursivas, Spink e Medrado (2004) apresentam o conceito de sentido como:

... uma construção social, um empreendimento coletivo, mais precisamente interativo, por meio do qual as pessoas – na dinâmica das relações sociais historicamente datadas e culturalmente localizadas – constroem os termos a partir dos quais compreendem e lidam com as situações e fenômenos a sua volta (p. 41).

Tal perspectiva considera três dimensões fundamentais para a pesquisa em produção de sentidos no cotidiano e análises de práticas discursivas: linguagem, história e pessoa. A concepção de linguagem adotada por Spink e Medrado (2004) é a linguagem em uso, entendendo-a como prática social. O discurso é um conceito que remete ao uso institucionalizado da linguagem, que pode ser usado de diversas formas por diferentes grupos sociais. O discurso aponta para uma estrutura de reprodução social, apesar de considerar também as diversidades. Já a prática discursiva são momentos de ressignificações, rupturas e produção de sentidos, sendo definidas como linguagem em ação, isto é: “... maneira a partir das quais as pessoas produzem sentidos e se posicionam em relações sociais cotidianas” (p. 45). Os autores apontam que a compreensão de sentidos é sempre um confronto entre inúmeras vozes, sendo as vozes os interlocutores, ou seja, as pessoas presentes no diálogo,

que podem estar “presentes” também em cada sujeito através da sua memória. Além disso, o sentido decorre do uso que é feito de repertórios interpretativos, sendo esses as unidades de construção das práticas discursivas. É por meio deles que é possível a compreensão da estabilidade e da variabilidade das produções linguísticas humanas.

Acrescente-se a essa perspectiva que o sentido é dado pelo contexto em que é utilizado, dentro de relações estabelecidas convencionalmente. Álvaro e Garrido (2006) exemplificam com o uso da expressão “bom dia”. Ela é utilizada em um contexto, como forma de saudação. Se utilizada fora do estabelecido, ela perde seu significado, as regras de seu uso são estabelecidas pelos jogos de linguagem. Os autores ainda salientam que, quando um indivíduo reclama para si um ponto de vista, como sendo sua crença, não devemos interpretá-lo como um discernimento introspectivo, mas como um posicionamento resultado de um determinado momento e de determinados processos de interação (Álvaro & Garrido, 2006).

Nessa perspectiva, a compreensão de como os sentidos circulam na sociedade depende também da compreensão das interfaces entre tempo longo, tempo vivido e tempo curto, sendo a pesquisa em produção de sentidos um empreendimento necessariamente sócio-histórico. O tempo longo compreende o domínio das relações culturais que formam os discursos de uma dada época, antecedem a vivência da pessoa e se faz presente através das instituições, convenções e normas. Já o tempo vivido possibilita a ressignificação desses conteúdos históricos e culturais a partir dos processos de socialização, nas experiências pessoais. Por fim, o tempo curto é aquele que possibilita o entendimento da dinâmica da produção de sentidos, pois é o momento concreto da vida social, em que estão presentes a combinação das vozes ativadas pela memória cultural de tempo longo e as vozes da memória afetiva do tempo vivido.

A perspectiva construcionista utiliza o termo “pessoa”, pois busca enfatizar a dialogia e pensar em pessoa a partir da noção de relação, o que é coerente com a discussão anteriormente feita acerca de reconhecimento. Como afirmam Spink e Medrado (2004): “A pessoa, no jogo das relações sociais, está inserida em um constante processo de negociação, desenvolvendo trocas simbólicas, em um espaço de intersubjetividade ou, mais precisamente,

de interpessoalidade.” (p. 55). O construcionismo social busca identificar os processos pelos

quais as pessoas descrevem, explicam e/ou compreendem o mundo em que vivem. O foco da produção de conhecimento está na interanimação dialógica, no espaço da interpessoalidade, da relação com o outro. (Spink & Medrado, 2004).

Sob óptica contrastante daquela do construcionismo, encontramos em González Rey (2005a) uma noção de produção de sentidos calcada na psicologia com enfoque histórico-

-cultural e na perspectiva da complexidade (González Rey, 2005a). O enfoque histórico- -cultural apresenta uma compreensão dialética da relação entre o sujeito individual e a vida social. A dialética favoreceu a superação da dicotomia entre indivíduo e sociedade ao explicar que os sistemas evoluem dentro de contradições geradas por eles. Já a proposta da complexidade visa a demonstrar o caráter contraditório, irracional e dinâmico dos processos subjetivos (Silva, 2008)23.

O autor levanta críticas à perspectiva do construcionismo social, salientando a complexidade de tal tarefa. González Rey (2005a) coloca que, tanto nas narrativas, que são coconstruídas, quanto nas expressões discursivas (advindas do discurso, que é prévio ao sujeito, de natureza ideológica e que condiciona tais narrativas), o sujeito aparece sem história constitutiva própria, a ideia de subjetividade desaparece. Assim, o sujeito é determinado, sem

capacidade generativa dentro do contexto de sua ação. “Os autores construcionistas negam a

subjetividade como forma de organização que não se reduz às práticas discursivas atuais nas quais o sujeito está implicado.... O sujeito fica atrelado ao domínio das narrativas...” (González Rey, 2005a, p. 156). A subjetividade é entendida pelo autor como “... sistema de sentidos subjetivos e significações, com suas formas de organização articuladas permanentemente na dimensão processual das formas de atividade do sujeito e das

organizações e instituições sociais nas quais atua em diversos contextos culturais.” (p. 155).