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Capítulo 4 – Constituição Federal de 1988 e a Cidadania Feminina

1. A Constituinte

Todo um conjunto de questões importantes e de interesse vital para milhões de brasileiras carecia de uma defesa forte, para que não apenas emergissem nas discussões. Dentre essas questões estavam a conceituação de família, na qual se lutava pela igualdade entre os cônjuges, a definição de direitos e deveres, inclusive da capacidade de cada um. Havia também a demanda pela função social da maternidade, que buscava uma postura do Estado de compromisso em relação a educação e cuidado do “cidadão- criança”, compartilhando com a família - função que recai majoritariamente sobre as mulheres – a responsabilização pela primeira infância.

No conjunto diverso de 26 deputadas constituintes atuantes, havia algumas claramente identificadas com tais reivindicações, algumas delas militavam ativamente em prol delas e outras não, mas ainda assim chegaram a atuar na defesa dos direitos femininos, mesmo que menos ativamente. Isso apresentou um diferencial no Congresso Nacional e se caracterizou na busca pelo consenso constante durante os trabalhos. Essa performance pode ser percebida na fala da deputada Lídice da Mata (PC do B/ BA):

“Na Constituinte, pela primeira vez elegemos mais de duas dúzias de mulheres para o Congresso Nacional. Elegemos 26 mulheres e fizemos uma bancada feminina que se caracterizou pela unidade de ação naquele momento. Independente de legenda partidária, constituímos um fórum de mulheres que, além de articular com a consultoria e o apoio do Conselho dos Direitos da Mulher e do CFEMEA, puderam lutar para fazer avançar nossas lutas. ”

(Entrevista concedida em 28/02/2019)

Ainda assim é preciso perceber a política enquanto espaço hierarquizado que reflete estruturas desiguais de poder (BOURDIEU, 2010). Isso quer dizer que, mesmo que formalmente iguais, os deputados diferem quanto ao prestígio, influência e capacidade de gerar efeitos políticos. Portanto, uma declaração (ou projeto de lei) pode ser bem ou mal aceita dependendo de sua autoria. Dessa maneira, às mulheres que entram na política, em particular àquelas que conquistam mandatos, resta ainda o desafio de chegar às posições centrais e mais influentes do campo político.

Essa hierarquização institucional é percebida em outro trecho da entrevista concedida pela deputada constituinte Lídice da Mata (PC do B/ BA) para fins desta pesquisa:

“Enfrentamos preconceitos de todos os tipos. (...) chegamos num Congresso que não tinha sequer banheiro feminino. O plenário só tinha banheiro para homem, um banheiro único porque a presença da mulher era tão minúscula que não se fazia necessário esse tipo de equipamento. A primeira questão foi a luta pelos banheiros, por incrível que possa parecer. Terminou que se estabeleceu um acordo pelo qual as mulheres ficariam no prédio denominado Anexo IV para garantir que teriam banheiro privativo em seus gabinetes. Por conta da nossa luta, foi então feita uma reforma na Câmara dos Deputados, para garantir a colocação de banheiros femininos. Foi uma luta um tanto cultural, surda, para que a compreensão da presença das mulheres não fosse apenas ‘enfeite’”

(Entrevista concedida em 28/02/2019)

1.1) A Estrutura da Constituinte

Aqui cabe fazer o registro da arquitetura constituinte, indicando sua proposição, instalação, estrutura e aspectos inovadores que a compuseram, e como foi a presença popular. A colocação deste arcabouço é importante para compreensão do ambiente político em que se deu a representação tida enquanto objeto de análise desta pesquisa.

Com o fim do regime militar, o então presidente José Sarney deu continuidade ao compromisso de promover a redemocratização do país e para isso enviou ao congresso a Emenda Constitucional 26/85, que convocava a Assembléia Nacional Constituinte. Essa medida veio após contínua pressão da coalizão “Aliança democrática” 28, que foi vitoriosa em atingir seu compromisso imediato na convocação

da ANC.

Este foi considerado o ato político mais importante do governo Sarney, uma vez que essa convocatória tinha a promessa de um debate representativo popular no “instrumento fundante do Estado democrático, em termos de direitos, a Constituição Federal” (SILVA, 2008).

Em uma macrovisão, o processo constituinte de 1987-1988 pode ser percebido em sete etapas, conforme a indicação a seguir:

28 Segundo Pilatti (2008) esta aliança era formada pelos partidos PMDB e PFL. Este autor afirma que “a

coalização PMDB-PFL conquistara a Presidência da República para o PMDB, através de Tancredo Neves, e o acaso a entregara a um dos próceres do campo conservador, ocupado pelo PFL”. Além destes partidos, havia na constituinte, “à direita, a oposição do PDS (e, eventualmente, do PDC e PL) e, à esquerda, a oposição do PDT, do PT e do PSB”

1. Etapa Inicial, compreendendo a instalação da ANC, a eleição do presidente e a elaboração do regimento interno provisório;

2. Etapa de Elaboração do Regimento Interno;

3. Etapas das Comissões e Subcomissões Temáticas e da Comissão de Sistematização;

4. Etapa da Reforma do Regimento; 5. Etapa do Plenário;

6. Etapa da Comissão de Redação Final;

7. Etapa Final, compreendendo a promulgação e a publicação da Carta de 1988.

Quanto à composição da Assembleia, o que se deu em um formato atípico, pois seu caráter foi congressual-unicameral, isto é, duas casas de representação ordinária (Câmara dos Deputados e Senado Federal). Ao todo eram 559 membros, formados por 487 da Câmara dos Deputados e 72 do Senado Federal e tinham sua condição igualadas enquanto constituintes. Dentre estes, Pilatti aponta que “todos os deputados e 49 senadores haviam sido eleitos em 1986, após o ato convocatório; (mas) 23 senadores haviam sido eleitos antes, em 1982” (2008, p. 23)

Em termos partidários, ao PMDB coube a maior bancada, pois juntos seus parlamentares somavam 306 constituintes. Em segundo lugar vinha o PFL, com 132, seguido do PDS, com 38. O PDT conseguiu eleger uma bancada de 26 constituintes; o PTB de 18 e o PT de 16. Já o PL contava com 7; o PDC com 6, o PCB e o PC do B tinham 3 cada um; o PSB, 2; o PMB e PSC tinha um constituinte apenas, cada um.

As comissões e subcomissões temáticas tinham o poder de iniciar e estabelecer a pauta debates, sendo responsáveis por formatar os anteprojetos que só posteriormente seriam votados em plenário. “Com sua habilidade política, o líder do PMDB [Mário Covas] conseguiu indicar para a maioria das comissões relatores comprometidos com a agenda social. Isso assegurou vantagem aos progressistas, que eram minoria na ANC”. (CPDOC, S/D).

Nas comissões e subcomissões da ANC, não houve nenhuma presidência exercida por mulher, tendo estas, ocupado três posições secundárias, dentre elas segunda vice-presidente da comissão de soberania e dos direitos e garantias do homem e da mulher, exercida pela ex-deputada Anna Maria Rattes, que em entrevista concedida

comenta como essa falta de protagonismo nas comissões e subcomissões poderia (ou não) ter influenciado de alguma forma na luta pelos direitos das mulheres:

“Não, eu acho que ajudou porque era,estrategicamente, você tinha que avaliar qual era o espaço que você poderia ter e pelo qual você poderia lutar, entendeu, naquele momento se você fosse lutar por protagonismo em comissão, você acabava batendo de frente com eles, que faziam questão de serem os tais, entendeu, de estarem na ponta das coisas. Então, se você aceitasse uma vice presidência, uma posição que pudesse parecer não tão importante, não tão protagônica, mas que pudesse ter influência, você, eu acho que, avançaria melhor, e foi isso que a gente, com tranquilidade, foi fazendo, não disputando cargos mas disputando ideias, posições e avanços”

(RATTES, entrevista, 22/01/2019)

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