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Capítulo 3 – A luta por Representação das Mulheres no Brasil de 1975-1985

2. Redemocratização e a Mulher como Sujeito Político

2.2 O Conselho Nacional de Direitos da Mulher

De modo a perceber melhor a participação das mulheres dentro da redemocratização, em especial, nas eleições de 1986, se faz necessário um desdobramento da nova frente em que se colocava a relação das mulheres – Estado. Nesse momento, cresce paulatinamente a institucionalização da agenda feminista.

Em meados de 1984 a presidente do PMDB Mulher, a deputada estadual paulista Ruth Escobar20 iniciou uma articulação com o movimento feminista para negociar com o governador Tancredo Neves, agora candidato à presidência, a criação de um órgão ao nível nacional, dessa negociação foi firmado um compromisso na presença de 1600 mulheres.

Acolhendo a pressão das feministas, e seguindo o combinado com o presidente eleito em janeiro de 1985, Tancredo Neves, em agosto do mesmo ano, o presidente José Sarney21 encaminhou para o Congresso um projeto de lei propondo a criação do

Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), com autonomia administrativa, financeira e vinculado ao Ministério da Justiça.

20 Ruth Escobar – Maria Ruth dos Santos nasceu em Portugal em 1936, no seu último casamento, em

1957, adotou o sobrenome do marido e ficou consagrada no teatro brasileiro, além de atuar como empresária cultural. Foi destaque na lua política nos anos 1970 e atuou como deputada na Assembléia Legislativa de São Paulo, foi uma das responsáveis pela introdução de políticas públicas de gênero para mulheres e de gênero no país. Foi a primeira presidenta do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), faleceu em São Paulo, em 2017. (Arquivo Nacional apud MELO, 2018)

21 Na semana da posse presidencial, Tancredo Neves apresentou quadro inflamatório com dores

abdominais, diagnosticado como apendicite. Tancredo descartou qualquer internação ou intervenção cirúrgica antes da posse. Seu quadro piorou com uma infecção generalizada que acabaram por levá-lo a falecer. Em 15 de março de 1985, Sarney assumiu interinamente a presidência da República. Com o falecimento de Tancredo no dia 21 de abril, Sarney assumiu oficialmente o cargo. (CPDOC)

Essa pressão, no entanto, não era colocada e percebida dentro dos movimentos feministas e de mulheres como é ressaltado por Mª Aparecida Shcumaher e Elisabeth Vargas:

“Nesse momento, é importante ressaltar que a escolha desse modelo de órgão, cuja proposta original era de composição pluralista e pluripartidária, foi torpedeada por parcela significativa do movimento de mulheres. Havia as que se recusavam a participar de qualquer organismo governamental por temerem a descaracterização de suas reivindicações pelo Estado e a institucionalização do que havia de “radical, criativo e revolucionário” no feminismo, provocando consequentemente a perda da autonomia do movimento de mulheres. Havia também as que, militantes do PT, compreendiam o papel do Estado na conquista de algumas reivindicações do movimento, porém, por razões mais partidárias que feministas, optaram por abster-se.”

(Revista Estudos Feministas. Ano 1, 2º semestre 1993,)

Uma das primeiras iniciativas do CNDM, em outubro do mesmo ano, foi o lançamento da campanha nacional “Constituinte sem mulher fica pela metade”, cujo propósito era aumentar a participação feminina no Congresso Constituinte, a ser instalado após as eleições de 1986.

Essa campanha eleitoral se estabelece em âmbito nacional, articulando uma mobilização que se propõe a “levantar a discussão sobre a as principais reivindicações da mulher brasileira, de todas as camadas sociais, e diferentes regiões do país”. Neste período, o Conselho também “chamou a atenção para a baixa representatividade feminina em todas as instâncias do poder político em contraste com o fato de sermos quase metade do eleitorado brasileiro” (TOSCANO e GOLDENBERG,1992, p.44).

Esta campanha teve continuidade ao longo desse mesmo ano, quando o Conselho que mobilizou mulheres no país inteiro a fim de ouvir suas sugestões de mulheres de diversas camadas sociais para compor a Constituição. O debate culminou em um encontro nacional, que ocorreu em agosto de 1986, no qual foi elaborada a Carta

das Mulheres aos Constituintes, lançando a 2ª fase da campanha do CNDM, sob o

slogan “Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher”.

A Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes representa um marco na trajetória desse longo e difícil processo de advocacy. Essa Carta foi aprovada em encontro nacional promovido em 26 de agosto de 1986, pelo CNDM, no Congresso

Nacional com a participação de milhares de mulheres representando organizações diversas de todo o país.

Esse momento foi tão marcante para as mulheres à época que é lembrado por aquelas que participaram e viriam a ser eleitas nas eleições desse mesmo ano para atuar na Assembléia Nacional Constituinte, como é o caso de Lídice da Mata em fala em entrevista concedida para fins deste trabalho:

“A “Carta das Mulheres aos Constituintes”, elaborada há 30 anos pelo movimento feminista autônomo e outras organizações de mulheres de todo o País, continha as demandas das trabalhadoras, sistematizadas em um encontro nacional com a participação de duas mil mulheres, organizado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) em 26 de agosto de 1986,e cuja carta resultado foi encaminhada à sociedade civil e aos Constituintes.

(...)

Vale destacar, todavia, que não apenas as regras constitucionais referentes “aos interesses das mulheres” resultaram da efetiva participação do lobby feminino neste espaço deliberativo. Afinal, consoante consta da Carta das Mulheres aos Constituintes,questões de interesse de toda a sociedade, independente do gênero de seus membros, foram defendidas pelasparticipantes da bancada do batom.”

(Entrevista concedida em 28/02/2019)

O trabalho do CNDM foi tão significante desde sua criação até as eleições, que há quem considera que o exercício do Lobby do Batom já tenha se iniciado nessa época, como se coloca Comba Marques Porto, também em entrevista cedida:

“Na verdade eu situaria aí a gente que trabalhava lá direto no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, porque na verdade nós fizemos o Lobby a partir de quando começamos a discutir (...) e eu passei a ser nomeada pela Ruth como coordenadora da campanha da mulher e constituinte. Quando nós criamos o conselho, na legislatura de 85, logo no começo dela, o nosso foco já era a constituinte, entendeu, o conselho tomou para si esse trabalho com a constituinte, e aí a gente tinha dinheiro, porque tinha verba. A gente tinha um espaço excelente, nosso gabinete era ao lado do gabinete do ministro da justiça, na época a gente tinha 4, 5 salas no quarto andar do ministério da justiça, a equipe executiva do conselho... o conselho se reunia uma vez por mês, elas vinham de todo o Brasil, e a Ruth montou a equipe dela ali. (...)Eu comecei a percorrer o Brasil inteiro, as capitais, e as cidades onde havia algum movimento organizado. Qual era a minha missão? Fazer o levantamento dessas reivindicações, abrir a discussão com as mulheres.

(...) então foi muito lindo isso, a gente ter essa consciência e levar para o poder público, era um órgão do ministério da justiça, não era nem um governo ainda, era o governo Sarney, não era nem um governo eleito democrático, eleito pelo povo, nada! Eleição indireta!

Mas a gente levou para lá, para dentro daquele palácio da justiça a nossa voz. A gente levou com muita fidelidade ao propósito feminista. Juntou-se ali um grupo de conselheiras, que elas eram as conselheiras que autorizavam as diretrizes do conselho né, ninguém fazia nada sem ouvi-las e um time de conselheiras era o melhor possível, pegando gente de todo o Brasil”

(Entrevista realizada em 19/02/2019)

Jacqueline Pitanguy segunda presidente do CNDM22 durante o período de 1986 a 1989, também comenta sobre o período, em entrevista concedida:

“Essa campanha tem a Carta como grande marco, mas daí começa o Lobby. O CNDM era alocado no prédio do Ministério da Justiça, mas eu respondia direto ao presidente da República, nós tínhamos uma autonomia orçamentária, nosso orçamento era votado pelo Congresso. Era um órgão como se fosse um ministério.

Foi uma grande experiência de vida na qual eu aprendi muito, todos os rituais do poder, tecer estratégias políticas, e também acho que tanto eu quanto as que estavam ali, nós fomos realmente eficientes. Trabalhamos muito, com uma rapidez extraordinária, nós sabíamos que nós estávamos ali num momento histórico privilegiado, único. Que nós tínhamos que pegar aquele bonde da história, que não podia deixar passar. E eu acho que nós fizemos isso com muita inteligência, muita estratégia política”

(Entrevista realizada em 16/01/2019)

Este documento serviu de referência para muitas candidatas mulheres que estavam em campanha para cargos de todas as esferas de poder, para o debate em seus estados e na pressão para votação de propostas.

22 A Primeira presidente e uma das fundadoras do CNDM foi Ruth Escobar, que ficou no cargo durante

cinco meses e saiu para se candidatar a deputada. Como o regimento não permitia que a mesma pessoa exercesse a presidência do Conselho e outro cargo legislativo, ela deixa o primeiro.

Figura 7: Envelope da Carta das Mulheres aos Constituintes – agosto de 1986 – Brasília DF

Fonte: Biblioteca Digital do Senado Federal

Essas propostas se pautavam em categorias específicas, relacionadas aos problemas de: família, trabalho, saúde, educação, cultura e violência. Além disso, foram enunciadas questões Nacionais e Internacionais.

Apesar de todas as suspeitas das feministas em relação ao Estado e de suas múltiplas possibilidades de cooptação, o CNDM traz em seus objetivos, na sua estrutura e na composição de seus quadros (conselheiras e técnicas) a marca das proposições do movimento de mulheres.

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