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No meu caso, o ingresso na direção pode ser caracterizado, especialmente, por uma crise de identidade, uma vez que, sem deixar de ser educadora, já não era mais professora. Pensando nos ciclos de vida propostos por Huberman (In Candau,

1997, p. 63), acredito que essa fase pode ser dimensionada como uma etapa de “sobrevivência” e “descoberta”, porque pressupõe os desafios desse período. Assumir a direção em agosto de 1998 implicou adaptação e conhecimento das exigências do novo cargo.

Antes de assumir o cargo, participei, durante uma semana, do treinamento realizado pela SMESBC, num total de 20 horas. Confesso que fiquei empolgada, acreditando que o curso viesse ao encontro de minhas dúvidas e ansiedades. O “treinamento”, porém, não atendeu a minhas expectativas, resumindo-se, num primeiro momento, à apresentação das chefias e de toda a documentação burocrática existente no cotidiano escolar. Num segundo momento, foi contratada uma assessoria particular para trabalhar a temática do diretor escolar como gestor, entretanto, tratava-se de uma proposta fechada, na qual não havia espaço para reflexões e indagações dos diretores. Num terceiro momento, foi apresentada a proposta de formação da rede26, que tinha como idéia central o diretor como formador dos professores em serviço em parceria com o coordenador.

Após esse período de treinamento, assumi o cargo na mesma escola onde trabalhei como professora e coordenadora. Os três principais motivos que me levaram a escolher a mesma unidade escolar foram:

 Conhecia o grupo, a estrutura e o funcionamento da escola, o que me deixava mais segura em relação ao novo cargo;

 Quando estava no cargo de coordenadora, havia iniciado um trabalho pedagógico com o grupo de professoras no HTPC;

 Tratava-se de uma unidade escolar de periferia e quase toda minha trajetória profissional havia sido marcada pelas experiências e desafios incorporados ao trabalho em escolas com esse perfil, onde havia observado atentamente a cultura escolar e sua relação com muitos dos problemas presentes no cotidiano do sistema de ensino público.

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Desde o início acreditei na possibilidade de intervir nessas questões por meio da formação reflexiva da equipe escolar. Isso porque, durante toda minha formação construí um ideal que me permite acreditar que toda escola, independentemente do local e da comunidade, tem o direito e a possibilidade à construção de um projeto pedagógico de qualidade.

O principal desafio enfrentado naquele primeiro semestre como diretora escolar foi a tentativa de constituir um grupo de formação e encontrar um papel nesse grupo. Como coordenadora, apesar do pouco tempo em que permaneci no cargo, foi possível elaborar alguns questionamentos sobre as relações entre formador e professor, que se ampliaram no exercício do cargo de diretora. Dessa forma, a mudança de cargo provocara mudanças na visão das professoras acerca de meu papel e minha pessoa; qualquer comentário ou decisão minha tinha peso e influência diferentes no grupo. Qual seria, então, o papel do diretor escolar?

Nesse momento profissional, sentia-me muito solitária. Devido ao problema crônico da falta de professores nas escolas periféricas, não tinha PAD 27 nem coordenador trabalhando comigo, por não haver substitutas que assumissem as salas. O isolamento a que me referi anteriormente no cargo de professora estagiária tomara proporções ainda mais amplas na direção; tinha a sensação de que a mudança de cargo havia me excluído do grupo de professores. Fullan e Hargreaves (2000) analisam essa questão em seus estudos sobre o diretor escolar:

Os diretores são pessoas também. Assim como ser professor significa ser um solitário, os diretores são ainda mais solitários. Falta de tempo, sobrecarga de responsabilidades, incerteza quanto a seus papéis na mudança de liderança, medo de parecer ignorante, tudo isto acompanhado do estresse de tentar equilibrar a vida pessoal e profissional coloca o diretor em uma posição difícil para satisfazer expectativas (p. 101).

Precisava encontrar meu novo espaço nesse grupo, e havia ainda as responsabilidades e sobrecargas do novo cargo, além do desafio de me tornar uma diretora formadora dentro de uma proposta reflexiva de formação. Assim, buscava construir uma identidade que contemplasse a dimensão pedagógica do cargo.

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Para facilitar a leitura, utilizarei a denominação genérica vice-diretor, que apenas em São Bernardo do Campo é chamado de PAD (professor de apoio à direção).

O único momento possível para compartilhar minhas dúvidas e anseios de ingresso no cargo eram as reuniões, que ocorriam semanalmente (às vezes, mais de uma vez na semana) por meio das assessorias de formação para os diretores e professores coordenadores. O aspecto negativo disso estava na quantidade de reuniões realizadas, pois elas aconteciam fora da escola, na Secretaria de Educação, ocasionando, assim, a saída constante dos diretores de suas respectivas unidades escolares.

A partir de então é que puder perceber a dimensão do trabalho na realidade escolar e constatar as muitas responsabilidades do diretor: há a rotina escolar e seu significado para funcionários e professores, referente à cultura da escola; as questões éticas entre funcionários, professores e alunos; a manutenção da escola e os trâmites burocráticos; a comunidade; a APM; merenda; limpeza; documentação de alunos e funcionários; e, é claro, a responsabilidade da formação em serviço. Além disso, há outros problemas que se referem à estrutura do sistema, como a falta de vagas, funcionários, manutenção e materiais.

Consciente de que esta pesquisa não pode estender suas análises a todas as atribuições do cargo, delimitarei minha reflexão sobre o papel do diretor como formador do coletivo escolar, principalmente como formador de professores em serviço, numa perspectiva crítico-reflexiva amalgamada ao projeto pedagógico. Isso, porém, sem perder de vista as dimensões do cargo, para não correr o risco de cair numa certa tendência de supervalorizar o diretor escolar como único responsável pela formação em serviço, especialmente porque, devido à política em curso, nem sempre este profissional está com o quadro de apoio escolar completo, nem com apoio pedagógico para tanto.

Nesse percurso, fui percebendo que a formação contínua no município de São Bernardo do Campo estava baseada em temas e textos teóricos definidos previamente pelos agentes formadores, sem se considerar a vida, o trabalho e as necessidades reais dos professores. Portanto, naquele momento, era possível observar uma contradição entre o discurso de formação de professores numa proposta reflexiva e as ações realizadas.

Assim, foi possível perceber que estive muito mais centrada em minhas próprias questões de ingresso no cargo do que nas necessidades formativas dos professores, uma vez que não me sentia parte do grupo, não ouvia os professores e

o único apoio com que contava para realizar a formação na escola eram as assessorias do Departamento de Educação, já que o quadro de funcionários da escola não tinha PAD. Nesse momento, ao analisar criticamente a formação realizada e vivenciada, compreendi a falta de entusiasmo do grupo em relação à formação que eu desenvolvia na escola, uma vez que esse processo não envolve apenas os professores, mas se dá nas relações entre o formador e os professores. Por isso, na formação contínua é importante pensar em dois elementos que compõem esse processo: a formação dos professores e a formação dos formadores, expresso em Alarcão (1996):

As relações entre o formador e o formando, em muitos casos, começam por ser relações de defesa de parte a parte. No início, o formador sente uma tremenda confusão. A profissão em que está a iniciar-se aparece-lhe misteriosa, o mundo em que está a entrar é para ele um caos kafkiano. Não sabe como agir e tem a sensação de que o profissional lhe está a esconder informação em vez de o estar a ajudar; coloca-se numa posição de desconfiança e defesa. O formador, por sua vez, encontra-se perante o dilema de ter de pedir ao formando que confie nele (p. 23).

Nesse sentido, as assessorias do Departamento de Educação foram determinantes para meu avanço como formadora de professores em serviço, pois me levou a refletir sobre minha própria atuação nas ações formativas desenvolvidas na escola.