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Somos a história de que participamos. A memória coletiva que carregamos.

Miguel Arroyo

Após ingressar no cargo de professora efetiva, assumi duas turmas de educação infantil, novamente numa escola da periferia de São Bernardo do Campo. Acredito que a questão mais marcante dessa etapa tenha sido reconhecer a importância da formação em serviço como uma forma de melhoria da prática dos professores e do aperfeiçoamento do processo ensino-aprendizagem.

Na escola onde ingressei não havia um grupo de fato, fazendo com que eu comparasse a nova situação com a experiência vivida anteriormente. Nesse período, foi possível avaliar as diferentes formas de organização do trabalho pedagógico entre as escolas da rede e constatar as dificuldades de trabalhar numa escola que não tem um grupo de trabalho constituído, nem um projeto que norteie as ações. Novamente, pude constatar a importância do diretor para a articulação do coletivo escolar.

Por não haver, há algum tempo, concurso para diretores, a direção dessa escola foi mudada três vezes no período de dois anos, aproximadamente. As diretoras que trabalharam nessa escola, assim como a maioria das diretoras de escolas localizadas em periferia, possuía cargo de confiança24, sobretudo porque as diretoras concursadas optavam por escolas mais centrais e a periferia ficava na dependência de indicações políticas para o preenchimento do cargo de diretor. Nesse período, as diretoras que conheci envolviam-se pouco com o trabalho pedagógico, com exceção de uma que, no pouco tempo em que permaneceu nessa escola, buscou um trabalho de articulação do grupo em reuniões pedagógicas.

Trabalhando novamente na periferia, eu enfrentava os mesmos problemas da rede estadual, pois eram evidentes as dificuldades de efetivação de uma equipe em

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Na Rede Municipal de São Bernardo do Campo, cargo de confiança era o termo usado para as diretoras que não eram concursadas, e sim indicadas pela Secretaria de Educação ou por vereadores.

virtude do rodízio de diretores e professores. Cabe aqui uma pertinente reflexão de Silva Jr. (1993):

Para que as pessoas “se organizem” ou “sejam organizadas” é preciso, antes de mais nada, que elas se encontrem em seu cotidiano de trabalho. Sem a presença física do trabalhador individual, o “trabalhador coletivo” não se constitui, mas também o projeto político não se elabora (p. 17).

No ano de 1998, o Estatuto do Magistério de São Bernardo do Campo estava em fase de elaboração e a SMESBC já iniciava algumas alterações na formação contínua, como a instituição do cargo de PAP25, um professor que deveria ficar meio período na sala de aula e meio período trabalhando com a formação de professores, em parceria com o diretor. A seguir, as escolas foram autorizadas a aglutinar os horários de planejamento diário para a realização de encontros da equipe docente. Dessa forma, o papel do professor de apoio identificava-se com o da coordenação pedagógica.

A seguir, fui eleita pelas professoras da escola onde lecionava para assumir a função de coordenadora, momento em que surgiu em mim o interesse pela temática da formação de professores. Já me sentia bastante segura de meu desempenho em sala de aula como professora, contudo quando assumi, em paralelo, a nova função, as dificuldades surgiram. Tinha a sensação de que a mudança interferia sobremaneira em minha relação com o grupo de professoras, e comecei a encontrar uma série de resistências por parte das colegas.

A proposta da rede trazia a idéia de parceria entre diretor e coordenador na formação dos professores, porém a responsável pela direção na época definiu nossos papéis da seguinte forma: ela, como diretora, ficaria com a parte administrativa e eu, como coordenadora, com a parte pedagógica, apesar de a administração escolar não poder estar desvinculada da questão pedagógica. No senso comum e no cotidiano das escolas, alguns diretores não têm a clareza de que em suas ações há uma intencionalidade pedagógica, conforme aponta Paro (2001):

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Para facilitar a leitura, utilizaremos a denominação genérica coordenador, que apenas em São Bernardo do Campo é chamado de PAP (professor de apoio pedagógico).

Suposta a função social da escola, de formação para a cidadania, tanto direção escolar quanto coordenação pedagógica devem ser vistas como momentos de um mesmo processo de coordenação do trabalho na escola, tendo em vista as condições objetivas, bem como os indivíduos e grupos mediante os quais, e em benefício dos quais, se realiza a educação (p. 117).

A experiência como coordenadora dessa escola trouxe-me muitos conflitos em relação ao papel pedagógico do diretor escolar. Não havia articulação entre meu trabalho de formação dos professores e o trabalho desenvolvido pela diretora, cuja prática distanciava-se da prática dos professores, conforme pude presenciar na maioria das escolas onde havia trabalhado anteriormente.

Dessa forma, sem contar com o apoio da direção, assumia a formação em serviço sozinha. No início, acreditava ingenuamente que apenas discutir textos teóricos iria melhorar a atuação dos professores. Ora, eu não sabia formar professores; o que eu sabia era ensinar meus alunos.

O Departamento de Educação, numa tentativa de integração da equipe gestora, providenciou algumas assessorias para formação dos coordenadores e diretores da rede, a fim de que pudessem realizar a formação dos professores.

Nessa época, conforme a proposta da rede, era necessário que eu abdicasse de uma das salas de aula para assumir a nova função, porém não havia uma professora substituta que assumisse a sala, uma vez que, como a escola situava-se na periferia da cidade, havia muita dificuldade na efetivação do quadro docente, aspecto este que eu já havia observado em outras escolas de periferia da rede estadual. Posteriormente, quando uma professora substituta assumiu minha sala, comecei a participar das assessorias.

Enfrentei grandes dificuldades para lidar com o grupo, pois ser formador não é o mesmo que ser professor. Senti que, quando minha posição no grupo mudou, gerou-se uma série de conflitos entre mim e os professores. A partir desse momento, já comecei a elaborar algumas questões sobre a formação de professores, entre elas:

 Como respeitar as necessidades dos professores e, ao mesmo tempo, ajudá-los a construir uma consciência crítica a respeito da própria prática como possibilidade de melhoria do processo ensino-aprendizagem?

Trabalhei como coordenadora durante um ano e, em 1998, prestei concurso para diretor escolar da rede de São Bernardo do Campo. Aprovada, assumi, em agosto desse mesmo ano, a direção da escola onde trabalhava, quando também, em busca de algumas respostas sobre a temática da formação de professores, iniciei um curso de pós-graduação lato sensu em educação infantil na UMESP. Durante esse curso, surgiram as primeiras idéias e indagações que me levariam ao mestrado, fechando outro ciclo de minha trajetória profissional como professora e iniciando novas reflexões, agora como diretora escolar.