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da cena à sua reversibilidade

2.1 A construção da mise-en-scène documentária

Trata-se, nesse capítulo, de problematizar o conceito de mise-en-scène no interior da tradição documentária, para, posteriormente, notar as transformações e inversões no âmbito da produção indígena. Isso implica, inicialmente, uma tentativa de circunscrever a mise-en-scène aos filmes que utilizam a câmera como dispositivo de captura e elaboração do mundo histórico, mesmo valendo-se de recursos forjados na tradição do cinema ficcional e sua construção cênica.

Buscamos, aqui, uma aproximação às representações cinematográficas que convocam a presença do outro em sua singularidade no mundo e, ao mesmo tempo, solicitam menos os modelos estabelecidos de encenação. Formas e conteúdos que revelam maneiras distintas de abordar o mundo, de colocar vidas em contato, de abrir-se ao imprevisível da existência, enfim, de colocar em cena um compartilhamento entre quem filma e o sujeito filmado sob o risco do real – conforme célebre formulação de Comolli (2008). A mise-en-scène documentária é marcada por essa relação que se estabelece entre os sujeitos, mediada pela câmera no momento da filmagem, quando o encontro sugere o desejo do outro de deixar apreender “sua imagem-realidade em seus próprios termos”, como afirmam Caixeta de Queiroz e Guimarães (2008, p.36), levando em consideração a dimensão do gesto, do corpo e das operações materiais.

Quando pensamos em documentário, somos impulsionados a relacionar forma e conteúdo fílmico às experiências de sujeitos do mundo vivido, histórico, do qual o realizador posiciona-se criticamente por meio de argumentos, utilizando-se de técnicas cinematográficas para o tratamento criativo dessas experiências de vida. Mas isso, talvez, não seja suficiente para demarcar a reivindicação de uma mise-en-

scène própria ao documentário. Seguindo o pensamento de Comolli, diríamos que a

constituição da cena cinematográfica que nos interessa é aquela em que os sujeitos envolvidos partilham a duração da tomada, de modo que o tempo do filme envolva também o tempo vivido, este que não pode ser apanhado totalmente no filme, mas que deixa rastros em sua composição visual e sonora. A isso Comolli (2008) denomina de “inscrição verdadeira”, por onde surgem as fissuras, aquilo que excede ou aquilo que falta e que não poderia ser plenamente filmado. Dessa forma, o documentarista convoca o real, mas tem consciência de que o filme é resultado de uma operação que envolve filmagem e montagem, a partir do ato de admitir um ponto de vista em relação ao mundo. Ou seja, o documentário exige, de um lado,

uma ação de elaboração por parte daquele que filma e, de outro, o desejo do sujeito filmado em “estar em cena” e permanecer no filme.

Para Comolli (2008), no entanto, essa invenção documentária está mais próxima da experimentação, de uma abertura à relação com o outro do que ao planejamento e à roteirização. Assim, o filme se faz em contato com as vidas e por isso está sempre se realizando a partir do que as pessoas filmadas colocam em cena, sujeita a imprevistos e àquilo que não pode ser absolutamente controlado. Desse modo, o que é próprio à mise-en-scène do documentário é o “lugar (no espaço e no tempo) reservado às falas, aos gestos e aos corpos do outro” (CAIXETA DE QUEIROZ e GUIMARÃES, 2008, p.48) e menos a decupagem ou organização prévia da cena.

Consideramos importante, porém, percorrer um caminho pelos diferentes modos como a mise-en-scène se cria no documentário. Daí a dificuldade em circunscrever o conceito, que vem sendo discutido sem que dele se depreenda consenso ou unidade.

Observemos, em nuance ao que foi dito acima, que um equívoco desvincula a

mise-en-scène documentária de qualquer tipo de representação ou de elaboração.

Essa suposição considera o documentário como filme que capta “a vida como ela é”, cujos registros só podem se dar no ambiente onde se encontrem personagens do mundo real. Ou seja, considera-se que o documentário é um tipo de filme feito sempre em locação, no contato da equipe de filmagem com personagens presentes em seu habitat natural, nos seus afazeres cotidianos, na busca por uma “autenticidade da vida” (GAUTHIER, 2011). No entanto, podemos identificar diferentes procedimentos de mise-en-scène na tradição documentária.

Na mise-en-scène construída em estúdio, os personagens estão fora do seu mundo cotidiano. A câmera estaria, assim, no centro da cena, pois a representação é construída em função dela. Na década de 1930, o documentário, sobretudo o britânico, explorou as potencialidades da construção encerrada em estúdio. Nela mantém-se uma unidade espaçotemporal demarcada pelo corte entre planos e estruturada pelo roteiro e pela montagem. Ainda hoje, a cena em estúdio aparece como opção de abordagem documental, principalmente, no registro de depoimentos e na reconstrução de fatos, porém, esteticamente mais identificada com modelos televisivos que propriamente cinematográficos.

Ao optar pela entrevista em estúdio, o diretor mantém seus personagens em total distanciamento do mundo vivido, naquilo que Ramos (2008, p.40) identifica como uma “heterogeneidade absoluta com o espaço da cena em estúdio”. No estúdio, muito é passível de controle: a luz, o enquadramento, os ângulos de tomadas, o som, sem que haja espaço para que a câmera se abra às imprevisibilidades do mundo exterior sujeito às tessituras do cotidiano.

Por outro lado, quando a mise-en-scène é construída em locação, o universo da imagem se abre em possibilidades. Isso não significa que a cena não possa ser regulada por decupagem e roteiro prévios. Mas, no corpo a corpo com o mundo vivido, há sempre fissuras por onde escorre vida. Isso o cinema já mostrara, desde seus primórdios.

Ao observarmos as tomadas do cotidiano captadas pelo cinematógrafo dos irmãos Lumière, historicamente consideradas como registros pioneiros da cena documental no cinema, já seria possível pensar ali a presença de uma mise-en-

scène. Parece-nos que essas primeiras imagens em movimento revelam como o

cinema nascente superou a delimitação do enquadramento de origens teatrais baseado no princípio do cubo cenográfico33, no qual a observação da cena dá-se a partir de um único ponto de vista, tendo a câmera como o olhar de um observador frontal fixo. Em sua tradução para o cinema, essa ideia esteve associada ao filme produzido em estúdio, no qual o estilo “teatro filmado” mantinha uma unidade espaçotemporal, como observou Xavier (2005). Assim, o desempenho do ator e a estrutura da história constituíam-se como a própria delimitação do cinema. O corte entre uma cena e outra, quando havia, justificava-se pela mudança de cenário no espaço.

No ambiente externo, ainda que a câmera se mantivesse fixa, a captação de imagens era feita com mais liberdade, aberta à duração. Filmes como A Chegada

do Trem à Estação e A Saída dos Operários da Fábrica Lumière foram feitos em

tomada única e já continham algo que seria enfatizado mais tarde nos estudos da

mise-en-scène: a duração do plano e a tomada em profundidade. Carecia-se ainda

de uma estrutura narrativa, como observa Aumont (2011). Ambos destacam figuras humanas em movimento diante da câmera estática, que funciona como observadora da paisagem urbana.

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A ação é vista pelo espectador como se passasse no interior de uma grande caixa, na qual um dos lados foi retirado para que a plateia tenha a visão da cena e cuja cobertura seria indefinida (AUMONT, 2006, p.33).

Em A Saída dos Operários da Fábrica Lumière, um imenso portão se abre para que os operários – homens e mulheres – sigam seu rumo, alguns de bicicleta, a maioria caminhando. A ação segue um fluxo contínuo, vindo do centro-direita do quadro e se espalhando para suas bordas laterais até que a maioria saia do quadro. Foram feitas várias tomadas dessa cena34, o que revela o caráter de construção que, desde os primórdios, o cinema permitiu ao realizador. Numa delas, uma criança cruza as laterais da tela, um cachorro sai e volta a entrar em quadro até que os portões sejam cerrados. A repetição da tomada – a passagem de um grupo de pessoas por um portão – já demonstra as possibilidades que a câmera ofereceria àquele que filma.

Assumimos, aqui, a ideia de um “refazer”, presente nos filmes dos Lumière, que sugere o caráter de intervenção do aparato fílmico no mundo vivido, mas sempre em relação com as situações e os sujeitos filmados. Estamos distantes, portanto, da ideia de aprimoramento da atuação do ator, na busca de perfeição do que se põe em cena, algo afeito à encenação ficcional clássica. São tomadas que nos permitem pensar que não se trata do “refazer” sobre algo ensaiado e previamente estabelecido num roteiro, que garanta uma unidade espaçotemporal preocupada com marcações de luz e câmera, com o desempenho do ator e a estruturação narrativa. No caso dos Lumière, o “refazer” da cena adquire um caráter de descoberta, de exercício e experimentação com o aparato cinematógrafo que descreve um instante da vida urbana. Como afirma Aumont (2011, p.41), trata-se de filmes com “fraca carga ficcional”, realizados num momento em que o lugar de quem filma e de quem é filmado ainda se encontra fortemente marcado pela origem comum no mundo vivido.

Estaria aí já antecipada uma característica fundamental da construção cênica documental – ainda que incipiente, no período dos irmãos Lumière. Trata-se de captar a vida em seu curso cotidiano, sujeita aos imprevistos advindos da intervenção do documentarista no real, sem ensaios nem marcação cênica desses sujeitos anônimos, vistos nos filmes em plano aberto, a desfilarem diante da câmera.

Nessas ambientações externas, apesar da unidade de ponto de vista da câmera, novas possibilidades surgiam para o cinema. Elas nasceram da própria condição do espaço aberto que tendia a uma estrutura menos rígida da filmagem,

como observa Xavier (2005). Assim, a câmera podia assumir um ponto de vista diferente do frontal, dando mais liberdade para as entradas e saídas dos sujeitos em cena, que incluíam o movimento em direção à câmera e o desvendamento de um espaço atrás do aparato de filmagem. Em A Chegada do Trem à Estação, a câmera registra a aproximação do trem, surgindo pela diagonal do quadro até seu completo repouso na estação, mas, tendo parte dos vagões extrapolando os limites da tela. Os passageiros, aos poucos vão se movendo, conforme o trem se aproxima, vindo em direção à câmera. Homens, mulheres e crianças, circulando pelo acesso de embarque e desembarque, acompanham o movimento do trem, saem e entram em cena pela diagonal e pelas laterais do quadro.

Aumont (2011) observa que, nesse momento, o cinema ganha a noção de que se pode trabalhar com dois espaços, o campo e o fora de campo, atentando-se ao enquadramento como um recorte do mundo que se vincula àquilo que extrapola os limites do quadro.

Quanto ao desvendamento do espaço atrás do aparato de filmagem – denominado por Aumont como antecampo – algumas dessas cenas pioneiras flagram o sujeito filmado olhando diretamente para a câmera e ainda registram aqueles que simplesmente param diante da câmera, impedindo, mesmo que momentaneamente, a visualização da ação principal da tomada. Ainda que de modo incipiente, esses exemplos nos indicam caminhos com os quais o documentário vai efetivamente se alinhar mais adiante, entre o registro que prioriza uma construção clássica baseada nas técnicas do ilusionismo, a experimentação de linguagem e a reflexividade que expõe o artifício fílmico.

Na medida em que a linguagem cinematográfica se desenvolve, a introdução do corte na cena amplia a atuação do diretor como regente do ato de encenar uma ação para a câmera, como metteur-en-scène. Xavier (2005) pondera, no entanto, que apesar de o corte dar liberdade de escolha do ponto de vista da câmera, isso resulta, ao mesmo tempo, num modelo que orienta o olhar do espectador forçado a ver sob o olhar primeiro da câmera e pela organização da montagem.

Na medida em que o modelo clássico narrativo subordinado ao ilusionismo se tornou espetáculo e catalisador de espectadores, era preciso convencionar um modelo narrativo que permitisse a sensação de “ver tudo”, como afirma Aumont (2008, p.37), referindo-se a um comentário de Christian Metz, diferenciando o espectador de cinema do espectador de teatro. Desse modo, filmagem e montagem

devem propiciar o entendimento da história sem ambiguidades, garantindo certo conforto do espectador. Esse “apaziguamento” das ambiguidades é proporcionado pela técnica da continuidade espaçotemporal e suas sutilezas indiciais em favor do espectador, na busca de um rompimento com a representação teatral. A clareza nos pormenores da cena implica um modo “realista” de organização dos planos que mantenha a “impressão de realidade”, como observa Xavier (2005, p.33)

Dentro desta moldura narrativa, o interesse segundo o qual, em cada detalhe, tudo pareça real torna obrigatórios os cuidados ligados à coerência na evolução dos movimentos em sua dimensão puramente física. Se há um corte em meio a um gesto de uma personagem, toma-se todo o cuidado para que o momento do gesto correspondente ao fim do primeiro plano seja o instante inicial do segundo, resultando na tela uma apresentação contínua da ação.

O estabelecimento de regras de continuidade espaçotemporal inclui ainda cuidados com a posição de objetos em cena, as entradas e saídas de quadro e, enfaticamente, as direções de olhares dos personagens, de modo a manter uma lógica para o espectador, orientando-o mentalmente para que possa “construir uma imagem do espaço da representação em suas coordenadas básicas, mesmo que nenhum plano ofereça a totalidade do espaço numa única imagem”, destaca também Xavier (p.33).

Nesse sentido, a introdução da decupagem35 da cena é considerada a distinção por excelência entre cinema e teatro, ao proporcionar uma organização espaçotemporal própria ao cinema. A cena passa a ser organizada pelo ponto de vista da câmera e pela duração do plano. A liberação do ponto de vista é a singularidade da decupagem, que garante também a singularidade estilística de cada cineasta, de sua marca pessoal, de um olhar autoral sobre a cena. Ali, ele expressa o seu ponto de vista sobre o mundo, além de imprimir o domínio das técnicas cinematográficas. A montagem36 seria, assim, o elemento de articulação dos fragmentos, de cada unidade da filmagem, organizando a trama, proporcionando ritmo e tensão, sem perder de vista a mobilização do espectador (XAVIER, 2005).

Quando o realizador, contudo, põe em cena uma ação, é necessário organizar outros elementos internos que fazem parte da mise-en-scène. Além da

35Aumont (2008) cita Éric Rohmer que considerava a decupagem o “centro da encenação”, sem a qual o cinema

estaria condenado a ser a imitação da encenação teatral, pela impossibilidade da onipresença do ponto de vista.

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A montagem ganha uma importância crucial no cinema e vai ser apontada por muitos teóricos, a partir do pensamento dos estudiosos soviéticos como Pudovkin, nos anos 1920, como processo fundamental do cinema.

localização da câmera e da duração do plano, é preciso observar a coreografia dos corpos, a maneira de falar e suas expressões, os olhares, os deslocamentos, os movimentos, além de aspectos técnicos de filmagem como figurinos, cenários e iluminação, estes mais próximos do estilo ficcional. Portanto, não só a decupagem define a mise-en-scène clássica. Ela incorpora outros elementos com a ideia de tornar a representação tão natural que possibilite a identificação do espectador com a situação encenada, principalmente através da decupagem.

Mesmo não se utilizando de todos os procedimentos desenvolvidos pelo cinema clássico narrativo – e mesmo que venha negá-lo em muitos momentos – o documentário aprendeu a contar histórias por meio desse método, seja pela eleição de personagens individuais, a introdução de conflitos na trama, a tensão, o clímax e o desfecho da história.

O documentário clássico é construído com base nesse modelo, como observamos nos filmes, também pioneiros, de Robert Flaherty. Da-Rin (2006) destaca que, diferentemente dos filmes de viagem, nos quais a câmera se coloca como observadora do mundo, em Flaherty a estrutura narrativa segue os procedimentos da narrativa clássica ficcional, empregando técnicas de decupagem de planos e montagem. Em seus filmes, encontramos personagens que vivem situações narrativas como não se havia explorado nos filmes de viagem. Ele se vale de sua experiência no convívio com os personagens – com traços do método da observação participante, pois viveu longos períodos com aqueles que filmava – para criar as situações que quer encenar. Muitas vezes, sabemos, retratam-se e retomam-se nos filmes práticas já abandonadas pelos sujeitos filmados.

Em Nanook of the North (1922), cada cena é decupada em planos abertos e fechados que se articulam para a construção espacial, ainda que sua estrutura narrativa dependa dos intertítulos explicativos justapostos entre um plano e outro. As variações do ponto de vista somam-se organicamente ao intuito de permitir ao espectador o envolvimento com as atividades dos personagens para o entendimento do argumento que sustenta a história: trata-se de mostrar o embate do homem com a natureza, por meio da família de esquimós que enfrenta a hostilidade de uma região gelada, na Baía de Hudson.

Na mise-en-scène utilizada por Flaherty, recorrendo a procedimentos da narrativa clássica ficcional, a câmera aparece também como um dispositivo que procura captar com naturalismo a atuação dos sujeitos filmados. Em O Homem de

Aran (1934), percebemos um avanço no emprego da técnica narrativa clássica, com

ênfase na articulação de planos, raccord de olhar e da exploração da montagem – a contraposição entre natureza hostil (o mar bravio) e a luta pela sobrevivência. O resultado é um aumento da força dramática construída pela continuidade espaçotemporal da história aos moldes do filme de ficção.

Interessante observar que a mise-en-scène dos filmes de Flaherty não se baseia num ideal de verdade, de um mundo real capturado pela câmera. Da-Rin nos lembra que a ênfase na construção cênica permite que ele escolha seus personagens entre os habitantes das comunidades onde viveu e filmou para interpretar situações vivenciadas no presente ou no passado daquelas regiões. Se seus personagens representam uma família, isso não significa que o são no mundo vivido. Mas é do próprio ambiente do cotidiano dos sujeitos filmados que ele extrai os elementos essenciais para a narrativa. É nesse sentido que os filmes de Flaherty caminham, exaltando modos de vida distantes e exóticos, às vezes procurando certo tom poético nas imagens.

Ao observarmos sua tradição, no entanto, percebemos que o cinema se desenvolveu por meio de variados estilos de constituição da cena, nem sempre moldados pela predominância da representação naturalista/decupagem clássica.

Um exemplo nos é dado por Gauthier (2011) tomado do cinema de Dziga Vertov. O cineasta russo propunha, em contrapartida ao ilusionismo cinematográfico, a desconstrução do método naturalista clássico. Para ele, a realidade que o documentário poderia revelar estava na capacidade de o cinema articular registros do mundo autêntico em combinações complexas de montagem para a produção de sentidos. A câmera em contato com as vidas em seu cotidiano será a primeira etapa daquilo que as técnicas cinematográficas poderiam construir por meio da montagem. Suas experiências nas primeiras décadas do século XX, situadas no período da consolidação do estado socialista soviético, pregam um distanciamento do ilusionismo proporcionado pelas técnicas de continuidade e dramatização, assim como o filme feito em estúdio. Desse modo, a essência da mise-en-scène em Vertov estava no uso da câmera como instrumento de captura da “vida de improviso” nas ruas, sem atores, sem encenações, valorizando o registro espontâneo das ações diante da câmera, como declarou em seu manifesto em defesa do “cine-olho” (VERTOV apud PERNISA JUNIOR, 2009, p.27).

[...] o cine-olho é entendido como “aquilo que o olho não vê”, como o microscópio e o telescópio do tempo [...] como a “vida de improviso” [...] não é “filmar a vida de improviso” pelo próprio improviso, mas a fim de mostrar as pessoas sem máscaras, sem maquiagem, para pegá-las no olhar da câmera em um momento no qual elas não estão atuando, para ler seus pensamentos, descobertos pela câmera.