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3. Fundamentação teórica

3.2 A construção de sentido

A noção de sentido pode ser definida como o conjunto de elementos que formam a produção do discurso. Estes elementos são estabelecidos pelo locutor ou enunciador do conteúdo, que apostam em formas específicas de organização do discurso para dar sentido a ele através dos textos e suas estruturas.

Estes elementos são dispersos no conteúdo de forma que produzam sentidos. Margibel Adriana de Oliveira (2014), com base nos conhecimentos de Patrick Charaudeau (2008), as define como “faces do discurso” e expõe as noções que estabelecem os procedimentos linguísticos e discursivos presentes nas enunciações, descrições, narrações e argumentações.

A primeira forma de discurso é a enunciativa. O modo tem a função de identificar a posição do locutor em relação ao interlocutor, entre si, com outros indivíduos e outros discursos. O modo descritivo busca identificar, localizar no espaço e no tempo e nomear personagens e acontecimentos. A terceira forma constrói uma sucessão de acontecimentos, que resultam no relato narrativo. Por último, o modo argumentativo busca expor as ideias e os fatos para provar os acontecimentos. Em outras palavras, argumentando para construir.

Todas essas formas, bem como o modo de organização do discurso sofrem influências sociais e ideológicas sobre o uso da língua.

A análise do discurso também parte do princípio do uso da linguagem, que varia de acordo com o meio social daquele que escreve. “A língua varia de acordo com a natureza da relação entre os participantes em interação, o tipo de evento social [e] os propósitos sociais das pessoas na interação” (DOWNES, 1984 apud FAIRCLOUGH, 2001, p. 90). Essa linguagem se apresenta em três funções, segundo Norman Fairclough (2001, p. 92), que se interagem ao decorrer de todo o discurso. A função identitária relaciona-se com as identidades sociais estabelecidas no discurso. A função relacional representa as relações sociais entre os participantes que interagem no discurso e a função ideacional apresenta a relação de mundo, processos, entidades e relações. Portanto, a linguagem é pré-estabelecida pelo locutor ou enunciador do discurso a partir de sua identidade, ideologia e relação com os sujeitos e o meio social em que estão inseridos.

A produção do discurso é definida por um conjunto de elementos, que permanecem dispersos no meio do texto. O discurso jornalístico é um discurso polifônico, o que em outras palavras quer dizer que nele circulam várias vozes que são passíveis de conceituação para o entendimento do papel do enunciador e locutor de um discurso. Estas vozes, segundo Marcia Benetti (2007, p. 116-120), podem ser sujeitos entre fontes, jornalistas assinantes ou

jornalista-produtor, que produz o conteúdo noticioso e jornalistas instituições, quando o texto não é assinado e carrega como autor o veículo de comunicação. No primeiro nível das vozes permanecem o locutor, que seria “não apenas o falante, mas os sujeitos que falam por meio dele”, o alocutário “para quem o texto se dirige” e o delocutário “de quem se fala” (BENETTI, 2007, p. 116).

No segundo nível das vozes estão o locutor e o enunciador. Este nível de estudo é considerado para as análises dos discursos jornalísticos. Para entender a diferença entre locutor e enunciador, precisamos considerar alguns pontos iniciais quanto à posição do sujeito e a produção de sentido. Segundo Benetti (2007, p. 117), o sujeito do discurso é um sujeito disperso “O indivíduo, ao falar, ocupa uma posição determinada, de onde deve falar naquele contexto de produção. Isso quer dizer que o mesmo indivíduo, cindido em diversos sujeitos, move-se entre diversas posições de sujeito. A mesma regra vale para o indivíduo que lê” (BENETTI, 2007, p. 117). Isso quer dizer que o indivíduo ocupa uma posição específica ao produzir, mas que pode estar ocupando outras posições dependendo do contexto em que está inserido e o assunto em questão. O segundo ponto consiste em dizer que as posições dos sujeitos são lugares ocupados por indivíduos: “são lugares construídos fora do discurso em questão, segundo determinações culturais, sociais e históricas” (BENETTI, 2007, p. 117). Ou seja, são instâncias determinadas por ideologias compreendidas como lugares. Por último, os sentidos se configuram no discurso em torno das formações discursivas, considerada uma região de sentidos, que a partir de uma posição ideológica pode-se determinar o que pode ou não ser dito. Em outras palavras, o sujeito determina o discurso naquela posição, ‘naquela’ conjuntura social e histórica, apenas alguns sentidos ‘podem e devem’ ser construídos” (BENETTI, 2007, p. 117).

Assim, o jornalismo interage, por meio das vozes e da notícia, entre o discurso dos indivíduos envolvidos na produção de conteúdo (jornalistas), os referenciados (fontes) e os que recebem (leitores).

A grande questão é que o discurso composto de elementos e vozes, ao invés de desenvolver a relação passiva com a realidade, vem desenvolvendo uma relação ativa, intervindo na construção de significados. Esta relação com a realidade, também está relacionada com fatores como “instituições, processos sociais e econômicos, padrões de comportamento, sistema de normas, técnicas, tipos de classificação e modos de caracterização” (FOUCAULT, 1972, p. 45 apud FAIRCLOUGH, 2001, p. 66) que, associadas com o discurso, constituem a formação dos objetos. Em outras palavras, as formações discursivas constroem determinados objetos.

Estas formações discursivas se dão a partir dos enunciados. Pode-se dizer que a formação enunciativa, então, é uma ideia que não existe a partir de determinada entidade ou autor, mas está inserida no próprio enunciado do discurso. “[É] uma função do próprio enunciado. Isto é, os enunciados posicionam os sujeitos – aqueles que produzem, mas também aqueles para quem eles são dirigidos – de formas particulares” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 68). Desta forma, essa visão da relação que se estabelece entre sujeito e enunciado se constitui por meio das formas discursivas que se configuram a partir do próprio enunciado.

Nesse sentido, também é necessário levar em consideração a constante transformação dos conceitos8 no que diz respeito à formação dos elementos de linguagem a partir dos enunciados dos discursos. Segundo Normam Fairclough (2001, p. 70-71), a formação de conceitos está inserida na formação discursiva, que surge por meio de enunciados que se comunicam entre si. Afinal, os enunciados formadores de narrativas, estão em constante comunicação e, em algum momento, vão passar a interagir entre si e gerarem um resultado posterior e muito possivelmente diferente daquilo que já havia sido dito de outras maneiras.

As formações discursivas dadas a partir de enunciados, que constroem objetos e influenciam nas transformações dos conceitos, é concretizada a partir da formação ideológica e de uma posição estabelecida, que determina o que deve ou não ser enunciado, sempre levando em consideração o noticiado hoje e ontem, além da linha editorial de cada veículo de comunicação. Ou seja, “todo discurso é produzido mediante uma formação discursiva” (SCHWAAB; ZAMIN, 2014, p.54) e “toda formação discursiva é associada a uma memória discursiva” (MAINGUENEAU, 1993, p.115 apud SCHWAAB; ZAMIN, 2014, p. 54). Em outras palavras, os enunciados dispersos apresentam sempre uma regularidade, que quando unidos são definidos como uma formação discursiva e compõem a análise do discurso.

As formações discursivas também devem considerar que a relação entre “a fala e o seu contexto verbal não é transparente: a forma como o contexto afeta o que é dito ou escrito, e como isso é interpretado, varia de uma formação discursiva para outra” (FOUCAULT, 1972, p. 97-98 apud FAIRCLOUGH, 2001, p. 72). Como exemplo podemos citar a identidade social do falante ou, no caso, redator. Esta identidade pode afetar, então, o modo como conduz este ou aquele determinado discurso.

Foucault (1972, apud FAIRCLOUGH, 2001, p. 69) atribui ainda o papel de constituição dos sujeitos sociais para o discurso. Para ele, as questões de subjetividade, identidade social e domínio do eu devem ser consolidadas na análise. Estas questões têm

8 É importante considerar conceitos como elementos da linguagem, que são constantemente empregados nos

determinado nos receptores e leitores dos enunciados uma visão pré-estabelecida dos sujeitos e, por mais que não sejam estabelecidas voluntariamente pelos redatores, os receptores determinam concepções a partir dos enunciados. Portanto, “é largamente admitido [...] que a identidade social da pessoa afetará a forma como ela usa a linguagem, mas há pouca percepção do uso de linguagem [...] afetando ou moldando a identidade social” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 70).

Podemos considerar esse possível efeito do discurso sobre a sociedade como efeitos de sentido, que não estão “na emissão, nem no texto, nem no interlocutor. Ele se localiza em algum espaço entre eles, um espaço intervalar e aberto” (SCHWAAB; ZAMIN, 2014, p. 51). Este espaço equivale às lacunas deixadas pelos textos jornalísticos, que abrem brechas para futuros entendimentos individuais do leitor que, por sua vez, perpassam pelos saberes ideológicos e são repassados a partir de seu entendimento individual.

Por muito além do explícito e para interpretar o discurso, é preciso analisar o não dito, ou seja, implícito nos enunciados e nas lacunas em meio ao conteúdo. Para Reges Schwaab e Angela Zamin (2014, p. 53), é preciso pensar o discurso jornalístico como formador de redes interdiscursivas, pois o discurso está constantemente perpassando o novo e o velho, atualizando-os em um conteúdo atual. Por isso, as vozes são confrontadas e sobrepostas, transparecendo, assim, os sentidos.

Para interpretar o discurso e sua formação de sentidos, segundo Reges Schwaab e Angela Zamin (2014, p. 50), é preciso uma determinada disposição para lidar com a trama. “O analista, ao se deparar com o discurso que é objeto de sua observação, vê-se diante de textos que sugerem estar tudo ‘dito’ ali e este ‘dizer’ ter sido formulado no ‘agora’” (SCHWAAB; ZAMIN, 2014, p.50). Desta maneira, para analisar o discurso dos conteúdos noticiosos se faz necessária a observação para além do explícito. É preciso entender a trama do discurso, compreendendo, então, o que é dito através deste discurso, de que maneira é dito e qual o entendimento gerado a partir da linguagem utilizada neste discurso. Para isso, é importante levar em conta o papel do jornalista, a sua relação com as fontes e o horizonte do público.

A partir deste entendimento da trama e dos elementos necessários para analisar o discurso, é possível compreender, observando os pontos, “o que é dito, como é dito e como isso significa, ou seja, os efeitos de sentido que emergem da relação entre texto e condições de produção” no entendimento do leitor (SCHWAAB; ZAMIN, 2014, p. 51).

Desta forma, podemos dizer que o discurso contribui para a formação social.

O discurso contribui para a constituição de todas as dimensões da estrutura social que, direta ou indiretamente, o moldam e o restringem:

suas próprias normas e convenções, como também relações, identidades e instituições que lhe são subjacentes. O discurso é uma prática, não apenas de representação do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado

O discurso contribui na construção de identidades, na formação particular do indivíduo, na formação social, nas relações entre os indivíduos e seus meios e na construção do conhecimento, tanto individualmente como coletivamente.

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