• Nenhum resultado encontrado

A construção de um sistema de documentação museológica é a construção de um sistema de recuperação da informação. Como o objeto não fala por si, faz-se necessário o profissional qualificado e especializado que recupere e documente as suas informações intrínsecas e extrínsecas, ou como afirma REGIMBEAU (1996),

“le cadre théorique et pratique d’objets tels que l’index, la catégorisation des écrits, la bibliographie, l’iconographie, la reproduction (remarquons la concordance de dates avec W.Benjamin), les oeuvres d’art et la documentation.Il y a, dans son traite, entre fondements théoriques, définitions, hypothèses, observations et conseils pratiques, les esquisses et les bases des programmes de recherche qui restent encore d’actualité” REGIMBEAU (1996)93

A estrutura material do objeto é fonte constante de informações, tanto técnicas quanto simbólicas. Dicotomia semelhante é observada por Régimbeau

93

“o quadro teórico e prático dos objetos, tais como o índice, a categorização dos escritos, a bibliografia, a iconografia, a reprodução (marcamos a concordância dos dados de W. Benjamin), as obras de arte e a documentação. Há no seu trato, entre fundamentos teóricos, definições, hipóteses, observações e conselhos práticos, os esboços e as bases dos programas de pesquisa que ainda são relevantes.” (Tradução nossa)

(1996), segundo o qual a informação museológica é carregada de um aspecto prático/técnico e outro científico:

“ Il a distingué d’une part la documentation, qui constitue, pour lui, une pratique (et le documentaliste un technicien) et d’autre part, la science de l’information qui “peut être identifiée comme l’appellation scientifique de la documentation. Il y aurait donc, selon cette première distinction, la documentation en tant que pratique professionnelle qui garderait son nom et la documentation en tant que science qui deviendrait science de l’information. »94

No Brasil, Castro (1999, p.13) discorre, com propriedade, a respeito das conjunturas informacionais do museu, abordando-as nos seguintes tópicos: (1) o

universo do objeto museal como agente de informação e construtor de significado, (2) e o espaço museológico como narrador autorizado e referência cultural.

A existência de níveis informacionais, carregados de modo intrínseco pelo objeto é, hoje, uma realidade teórico-conceitual. Tal aspecto passa a ser considerado, dentro da Museologia, pelo teórico holandês Peter van Mensch, nos anos de 1980. Para o referido teórico, há, no objeto, três níveis informacionais, a saber:

“1ª ETAPA: Propriedades físicas dos objetos (descrição física) a) Composição material; b) Construção técnica; c) Morfologia (Forma espacial, dimensões, Estrutura da superfície, Cor, Padrões de cor, imagens, Texto, se existente) 2ª ETAPA: Função e significado (interpretação) a) Significado principal (significado da função, significado expressivo, valor emocional); b) Significado secundário (significado simbólico e significado metafísico) 3ª ETAPA: História a)Gênese (processo de criação no qual ideia e matéria- prima se transformem num objeto), b) Uso (uso inicial, geralmente de acordo com as intenções do criador/fabricante e reutilização) e c) deterioração, ou marcas do tempo (fatores endógenos, fatores exógenos; d) conservação, restauração”. FERREZ apud MENSCH (1994, p.66).

94

"Ele distinguiu, por um lado, a documentação que constitui, para ele, uma prática (e o documentalista, um técnico); e, por outro, a ciência da informação que “pode ser identificada como nominação científica da documentação”. Haveria, pois, segundo essa primeira distinção, a documentação enquanto prática profissional, que conservaria seu nome, e a documentação enquanto ciência, que se tornaria ciência da informação. (Tradução nossa)

Os aspectos prático/técnico e científico, observados por Régimbeau, correlatam-se aos caráteres semântico (científico) e estético (cultural), colocados por CASTRO (1995, p.119), para definir os tipos e qualidades das informações que o processamento técnico do objeto museológico abarca. Ainda de acordo com Castro, essas informações, ao mesmo tempo, fragmentam e contextualizam o objeto. A sua descrição física é a informação primária e mais direta, implicando apenas na observação descritiva de suas características externas. A seguir, a documentação pode agregar, ao objeto museológico, os significados: principal (funcional e

expressivo) e secundário (simbólico e metafísico). Por último, estabelecem-se as

relações entre o objeto e seu usuário, ou observador, dentro do espaço museológico, num processo de continuidade à sua história, como afirma MENSCH (1990 p.59-60).

Os conteúdos do objeto vão provocar ações cognitivas, individuais e coletivas, através do processo mediático da comunicação museológica, de acordo com as finalidades a que eles forem submetidos no espaço museológico, as quais podem ser a pesquisa científica, a produção e transmissão de conhecimento, etc. Finalidades que determinam conceitos com os quais será efetuada a leitura do objeto, variáveis de acordo com as inúmeras cátedras de estudo e que podem ter caráter fechado e/ou aberto.

Os problemas com os processos informacionais, nos museus, sempre foram graves, pois estes processos foram desenvolvidos com atraso em relação às bibliotecas e arquivos, e de formas muito variadas, não contando com metodologias ou diretrizes específicas. Nos séculos XVI, XVII e XVIII, surgiram os “gabinetes de curiosidades” que, como afirma Burke (2003, p.100), eles seriam a expansão da

curiosidade como tentativa de administrar aquilo que o autor denomina como a “crise do conhecimento”, relativa à ampliação de descobrimentos concernentes a tipos

diversos de objetos, e à dificuldade crescente de categorizá-los. Precursores dos museus atuais, os gabinetes de curiosidade depararam com a dificuldade de categorização de maneira dispersa, o que impossibilitou o desenvolvimento de uma ciência unificada com tal propósito classificativo, que só pode ocorrer efetivamente séculos mais tarde.

No Brasil, a Museologia avança a partir dos anos de 1980, na tentativa de recuperar o atraso da informatização na área. Em 1985, é publicado, pela SPHAN/PROMEMÓRIA, o Thesaurus para Acervos Museológicos, que foi elaborado por museólogos e cientistas da informação. A publicação do Thesaurus é um avanço determinante para o desenvolvimento e aprimoramento da informação museológica. Todavia, nem todos os museus do país estão no mesmo nível de desenvolvimento, por motivos diversos, tais como: diferenças de recursos financeiros disponíveis e/ou da qualidade dos recursos humanos, ou seja, o tipo de gestão museológica.

É inegável, contudo, o avanço e a tomada de consciência dos profissionais de museu quanto à importância da gestão da informação, principalmente para que se obtenha melhor conhecimento e segurança do acervo. Essas possibilidades motivam a redução do “fosso informacional” dos museus brasileiros, caracterizado pelo atraso tecnológico e pela falta de qualificação profissional.

Na França, a pesquisa sobre a terminologia da Museologia tem sido sistematizada por um grupo criado por André Desvallés, assistido por François Mairesse, que, nos últimos 15 anos, desenvolveram um thesaurus para a estruturação do campo museal. Entretanto, a teoria museológica, embora iniciada por teóricos europeus, encontrou campo fértil para se desenvolver, particularmente, no Canadá, e em alguns países da Ásia e da América Latina, dentre os quais o Brasil.

A participação brasileira nas discussões e produções conceituais e teóricas da Museologia fortificou-se significativamente, a partir da presença do país na Mesa Redonda de Santiago do Chile, em 1972, a qual representou um primeiro passo em direção à oficialização do paradigma holístico, o “Museu Integral”,95 que as

ações dos museus na América Latina atendam ao meio rural, ao meio urbano, ao desenvolvimento científico e técnico, e à educação permanente, que viria a acontecer 20 anos mais tarde, em 1992, quando se aderiu ao conceito fenomenológico do museu.

95

“prenant aussi en considération le fait que l’environnement doit être considéré comme un tout (...); que le musée est un phénomène social dynamique, présenté sous des formes différentes, selon les caractéristiques et les nécessités de la societé où il se dévelopee..” (1ère Rencontre régionale de l’ICOFOM LAM conclusions et recommandations. Buenos- Aires, 1992)96

Os paradigmas epistemológicos da Ciência da Informação, apresentados por CAPURRO (2003) podem ser reconhecidos nos paradigmas epistemológicos da Museologia, existentes tanto na Museologia Tradicional como na Nova Museologia, desenvolvida, a partir dos anos de 1980.

Esses paradigmas estão presentes nos processos informacionais e comunicacionais do espaço museológico. O paradigma “físico” intimamente ligado à

matemática e à física postula a existência de um objeto físico, como emissor de uma mensagem, transmitida a um receptor. Nota-se que Shannon, um dos teóricos citados por Capurro para formatar seus paradigmas, determina que esse objeto seja a informação, mas que não emita uma informação, e sim uma mensagem. A informação existe a despeito do interlocutor, a mensagem, entretanto, existe apenas a partir da sua assimilação pelo receptor.

Para Shannon, a redução da incerteza, gerada pelo processo comunicacional, se dá quando ocorre a transmissão da mensagem e não propriamente pela informação, que pode não obter um receptor, tornando-se inócua e restrita ao próprio objeto. Os aspectos semânticos e pragmáticos da informação, relativos à linguagem, não são levados em consideração por este paradigma, mas a sua conotação interpretativa é fator determinante para o desenvolvimento do paradigma “cognitivo”.

Enquanto o Paradigma Física dá conta do objeto, o Paradigma Cognitivo dá conta do receptor da mensagem, o que define a informação. Mais do que os suportes físicos nos quais essa informação se encontre, sejam eles livros, objetos, etc., é necessária a sua recuperação. O processo informacional que gera o

96“levando também em consideração o fato de que o meio deve ser considerado como um todo (...); que o museu é um fenômeno social dinâmico, apresentado em formas diferentes, segundo as características e as necessidades da sociedade em que se desenvolve.” (1º Encontro regional do ICOFOM LAM conclusões e recomendações. Buenos Aires, 1992). (Tradução nossa)

conhecimento é caracterizado pela intangibilidade, o leitor que traduz e assimila mentalmente a informação escrita de um livro, de acordo com suas ações cognitivas. Assim ocorre com qualquer objeto museológico, que necessita do receptor – público – para que suas informações sejam recuperadas, a partir do que, ele é capaz de transmitir sua mensagem.

Este paradigma já apresenta um caráter social, o que WERSIG apud CAPURRO (2003) denomina de “situação problemática”.

“sua perspectiva permanece cognitiva no sentido de que se trata de ver de que forma os processos informativos transformam ou não o usuário; entendido em primeiro lugar como sujeito cognoscente possuidor de “modelos mentais” do “mundo exterior” que são transformados durante o processo informacional.”.

Por outro lado, segundo CAPURRO, o paradigma “cognitivo” impele à

busca da informação. Ao se deparar com um objeto que aparentemente não produz conhecimento ao interlocutor, este pode optar por buscar informações adicionais que o tornem um documento informativo.

A partir dessas questões, os estudos e as concepções de sistemas de

recuperação nas unidades de informação serão concebidos, determinados como a

relação entre as informações implícitas aos objetos e as estratégias de recuperação dessas informações a fim de que seja produzido o conhecimento. Assim, é natural que, a partir dos paradigmas “físico” e “cognitivo”, seja desenvolvido o paradigma “social”.

Esse é um paradigma que vai questionar os supostos condicionamentos sociais e materiais do existir humano, como afirma CAPURRO (2003), pois o processo informacional é uma constante contextualização e recontextualização do conhecimento, variável de acordo com o(s) indivíduo(s) que dele participam, individual ou conjuntamente a outros. A relação entre signo, objeto e intérprete é detentora de uma dinâmica que se adapta e formula diversos contextos. Ou seja, o paradigma social só existe a partir das relações estabelecidas entre os paradigmas

físico e cognitivo, um somatório destes, que possibilita e estabelece o conceito da interpretação do conhecimento de modo seletivo.

QUADRO 21

Paradigmas da Ciência da Informação, segundo CAPURRO.

Físico Informação como coisa SHANNON, WEAVER, CRANFIELD, BUCKLAND.

Cognitivo O sujeito cognoscente e suas necessidades

BROOKES, BELKIN, VAKKARI, INGWERSEN,WERSIG

Social relação direta com as “comunidades O estudo de campos cognitivos em discursivas”

SHERA, FROHMANN, HJORLAND, CAPURRO, BRIER

Fonte: V Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (ENANCIB), Belo Horizonte (Brasil), 10 de novembro de 2003.

A princípio, a identificação das informações intrínsecas aos objetos museológicos requer o trabalho de especialistas. Ao contrário, mais uma vez, dos documentos bibliográficos e alguns iconográficos, a maioria dos demais objetos criados pelo homem não detêm, em si, de modo geral, nenhuma informação legível. Não possuem, por exemplo, uma folha de rosto ou uma legenda para orientar os museólogos. Por conseguinte, a descrição física desses objetos impõe conhecimentos a priori e a pesquisa em fontes bibliográficas e documentais, com as quais a equipe dos museus deve estar familiarizada, até mesmo para decodificar marcas e algumas assinaturas pouco legíveis, que funcionam apenas como pistas em certos objetos.

Podemos acrescentar, a estas dificuldades, a grande variedade de tipos de acervo existentes nos museus de história, em cujos universos são encontrados desde botões, alfinetes, paramentos religiosos, chapéus, armas, carruagens, pinturas, formas de queijo, etc., cada qual exigindo uma conduta específica. É preciso, ainda, saber identificar bem as informações extrínsecas que, muitas vezes, são mais importantes do que as intrínsecas, na medida em que elas são a fonte primaz para que seja efetuada a contextualização dos objetos e reconstituição da sua história, sustentando a razão de sua presença no museu.

Ora, se a documentação não der conta dessas informações, os museus correm o risco de ser repositórios de objetos sem passado, que só poderão ser analisados e interpretados por suas propriedades físicas, limitando o trabalho da Museologia, ou da Museografia, bem como reduzindo as mensagens a serem transmitidas para o público, impossibilitando a produção de conhecimento.

O levantamento das informações extrínsecas, portanto, demanda, dos museólogos, além de conhecimentos a priori e muita pesquisa, um sistema de documentação capaz de garantir que certos dados sejam obtidos antes mesmo da entrada do objeto no museu, ou tão logo ele seja adquirido, se não quiserem correr o risco de perdê-lo física ou informacionalmente. Esses dados de origem devem dizer respeito, sobretudo, às informações sobre seus antigos proprietários, o uso que dele fizeram e/ou os lugares ou eventos de que participou.