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3. DO CULTO DAS CELEBRIDADES AO MUNDO DOS FÃS

3.1 A Construção de Uma Celebridade Virtual: Hatsune Miku

No contexto da Era do marketing 3.0, as empresas estão cada vez mais apostando em diferenciar seus produtos por meio da comunicação bilateral e se utilizando de ferramentas de marketing para criar uma relação com o consumidor que vai muito além de simplesmente vender, como referido no capítulo anterior.

Um exemplo desse modelo que vem sendo adotado pelo mercado é o nosso objeto de estudo: Hatsune Miku. Como dito na introdução, HM foi criada pela empresa de software japonesa Crypton Future Media (CFM), em 2007, para ajudar a vender um programa sintetizador de voz, o Vocaloid.

Vocaloid é um software de síntese de voz desenvolvido através de um projeto de pesquisa entre a Universidade Pompeu Fabra, em Espanha, e a Yamaha, que apoiou financeiramente o desenvolvimento e, mais tarde, desenvolveu o software para o produto comercial chamado “Vocaloid”.

Pouco depois de finalizá-lo, a Yamaha Corporation cedeu o programa para que empresas terceirizadas o desenvolvessem: assim qualquer companhia que tivesse interesse poderia adquirir uma licença e criar seu próprio vocaloid.

Em 2004, a companhia britânica Zero-G Limited lançou os dois primeiros Vocaloids do mundo, chamados L♀LA e LE♂N, que tinham suas embalagens ilustradas apenas com bocas. No mesmo ano, a empresa trouxe outro Vocaloid, no entanto, diferente dos anteriores, este trazia um retrato realista na arte do box.

Após os lançamentos da Zero-G Limited, em 2004, a japonesa CFM apresentou ao mercado o primeiro Vocaloid japonês, chamado de Meiko (voz feminina). Para ilustrar a capa, a empresa decidiu trazer um desenho estilo mangá como uma estratégia para chegar ao público-alvo (produtores musicais). A ideia foi bem recebida e fez a companhia acreditar que apostar na indústria da cultura japonesa de mangás e animes seria uma boa forma de ajudar nas vendas do sintetizador de voz.

Em 2006, a CFM lançou outro Vocaloid, o Kaito (voz masculina). Embora a empresa tenha se apropriado de ilustrações de animes também para estampar a arte do box, o Kaiko foi considerado um fracasso comercial.

O sucesso do programa no Japão veio a acontecer só em 2007, quando a Crypton lançou Hatsune Miku. O ineditismo não justifica a repercussão que o vocaloid passou a ter, já que ela não foi o primeiro sintetizador de voz. Na verdade, Miku surgiu como uma estratégia de marketing aperfeiçoado, e, acreditamos que as estratégias utilizadas para promover o produto vocaloid contribuíram para sua fama, o que vamos explicar a seguir.

Na atualidade, Miku é uma personagem virtual, ou seja, materialmente falando, ela não é um ser orgânico, mas sim uma projeção holográfica, que realiza concertos não só no Japão, pois seu sucesso já rompeu as fronteiras do oriente. A cantora virtual se apresenta em diversos lugares do mundo, tendo inclusive sido responsável pela abertura de show da Lady Gaga, em 2014, por exemplo.

O nome da personagem em japonês significa “O Primeiro Som do Futuro”. O nome vem da redução de “Hajimete no Oto” Hatsu (Primeiro), Ne (Som) e Mirai (Futuro) Miku. O visual de HM traz traços de uma garota de 16 anos, 1,58mts, 42kg, cabelos verdes e cumpridos, olhos grandes, redondos e cheios de brilho, ou seja, seu visual foi totalmente inspirado na cultura japonesa de mangás e animes.

Sousa (2014) assinala que Hatsune Miku surgiu como estratégia de marketing aperfeiçoada, tendo na criação de um novo sintetizador de voz a empresa decido dar personalidade a personagem que ilustraria a capa do Vocaloid.

HM é uma síntese perfeita do zeitgeist otaku, a começar pelos totós e headgear à la Sailor Moon da era digital, passando pela sua vestimenta entre o seifuku (uniforme escolar japonês) e a fantasia sci-fi, até à silhueta desenhada para encaixar nos trâmites do cânone moé (cabeça grande, ombros estreitos, peito pequeno, cintura larga, braços e pernas esguios), com vibes de lolita na saia armada tipo abajur.

De acordo com Saitõ Tamaki (2007):

In general, the term otaku is used to indicate adult fans of anime, but it can obviously be expanded to include fans of manga and video games, those who collect scale model figures of characters from these media, aficionados of monster movies and other special effects genres, and so forth.

Assim, quais as razões para Hatsune Miku se tornar um sucesso no Japão? Uma delas é a forma como Miku foi apresentada ao mercado. Com traços e características típicas de

animes e mangás, aliadas vestimentas e poses que mexem com o imaginário masculino e,

portanto, a diferenciam de Meiko, por exemplo. Falaremos mais sobre a aparência de Miku aliada a uma estratégia no próximo capítulo.

O fato é que Miku tornou-se um sucesso instantâneo, tendo milhares de cópias do software vendidas, CDs produzidos, e diversos produtos levando seu avatar, como camisetas, bonecos, cadernos, bonés etc.

Outro fator que acreditamos ter contribuído para a sua rápida fama é que os Vocaloids podem ser comprados por qualquer pessoa, sejam produtores musicais profissionais ou amadores, e o de Miku não é diferente. Tendo ela o seu visual com forte apelo para o público otaku, rapidamente surgiram diversas composições musicais com sua voz.

Sousa (2014) ressalta que “o sucesso comercial de HM foi imediato, inesperado e sem precedentes, transpondo o seu público-alvo original (produtores profissionais) para cair nas graças dos criadores amadores da subcultura otaku”.

Como já referido na introdução, reforçamos a nossa hipótese de que os avanços tecnológicos na comunicação digital e a web 2.0, contribuíram para a popularidade do objeto de estudo, pois a possibilidade de criar canções e ter onde apresentar essas criações, como dito pelo Gerente de Marketing da Crypton, Cosima Oka-Doerge, se adequa a realidade da Era do Marketing 3.0.

Embora HM tenha surgido em 2007, apenas dois anos depois, em 2009, realizou o seu primeiro concerto sendo projetada de forma holográfica em uma tela transparente, enquanto músicos (orgânicos) conduziam a parte instrumental no palco.

Sousa (2014) descreve o concerto7:

O público, (...), vê-se também reflectido neste vidro, numa adequada metáfora do processo de criação colaborativa em massa que HM representa: profundamente interdependentes, autores (artistas amadores e autopublicados), actor (HM) e espectadores (fãs) intersectam-se como num sistema de vasos comunicantes, em que os consumidores-produtores fazem o performer (que, literalmente, não existe sem eles), (SOUSA, 2014).

Quando Sousa se refere a “criação colaborativa em massa” é porque as canções e os videoclipes de HM são feitas pelos fãs, ou seja, os avanços tecnológicos permitiram não só a sua divulgação enquanto cantora virtual, mas uma total integração entre criadores e consumidores do conteúdo de HM, algo muito próprio do que chamamos de web 2.0.

O crescimento do seu sucesso foi tal, que, em 2010, um novo add-on8 foi lançado para a voz da personagem, no qual foram introduzidos seis novos tons de voz ao programa original.

Valente e Mattar (2007) e Vilaça (2012) reconhecem que o crescimento da internet e as mudanças de forma de participação nela contribuíram para a compreensão de uma chamada web 2.0, na qual usuários não apenas consumem informações mas as produzem e divulgam de modo colaborativo por formas variadas.

Como discutido em Vilaça (2012), a web 2.0 não se refere à velocidade ou tecnologia de acesso, mas às práticas sociais nela desenvolvidas. Na web 2.0, passamos de uma internet predominantemente receptiva - da “leitura” e “audição” – e de consumo de informações para uma internet ativa da “escrita” e da “fala” – e produtiva de informações.

Essa forma de produção de conteúdo acaba por gerar um repertório musical incomensurável, heterogêneo, com composições e letras que refletem as preferências e experiências dos diversos criadores, permitindo a HM transitar por todos os gêneros musicais,

7 Exctratos do concerto visionáveis no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=NXsPGNfYo_o 8 Pacote de expansão.

e se adequar ao gosto de vários tipos de públicos. Os números refletem a afirmação acima descrita. Com menos de um ano do lançamento de Miku, já existiam mais de 36.000 vídeos com a tag “Hatsune Miku”, no NN9.

O Gerente de Marketing da CFM, Cosima Oka-Doerge, ainda na entrevista concedida ao Shutterstock , em 2014, diz que Miku inspira pessoas ao redor do mundo e tornou-se ícone desse movimento onde a criação é acessível a todos, pois agora há uma interface de colaboração mútua onde as realizações musicais “estão vindo de baixo para cima, e não ao contrário, de cima para baixo”, afirma Cosima Oka-Doerge.

Em 2016, Hatsune Miku realizou sua maior turnê até o momento, passando pelos três países da América do Norte (Estados Unidos, Canadá e México). Em adição aos concertos, foram realizados, em algumas cidades, festas, festivais de filmes de curta duração (produzidos pelos fãs e premiados) e workshops de desenho, além de terem sido disponibilizados para compra produtos temáticos e pacotes VIPs, que incluem vantagens no horário de entrada aos shows e produtos exclusivos (AOKI,2017).

Embora Hatsune Miku não seja portadora de inteligência artificial, a personagem holográfica é notícia em jornais e telejornais, participa de programas, e é até garota propaganda de grandes marcar, como veremos no próximo capítulo.

4. O CASO HATSUNE MIKU

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